Cotidiano

Sem data, plano inicial do governo para Covid-19 estima vacinar um terço do necessário para barrar vírus





Documento entregue ao STF cita Coronavac e fala em 108 milhões de doses para população prioritária

O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, divulgou neste sábado (12) ofício enviado a ele em que o Ministério da Saúde apresenta, em um documento de 93 páginas, um plano nacional para vacinação da população contra a Covid-19.

O texto, porém, não traz data de início nem cronograma para operacionalizar a vacinação da população como um todo.

O plano, assinado pelo Ministério da Saúde com data de quinta-feira (10), lista 13 vacinas candidatas, entre elas a Coronavac, que está sendo produzida pelo Instituto Butantan, de São Paulo, em parceria com a fabricante chinesa Sinovac.

O documento estima em cerca de 108 milhões as doses necessárias para a vacinação prioritária de trabalhadores da saúde e idosos, entre outros, com cálculo de cerca de cinco meses para imunizar essa faixa da população.

As 108 milhões de vacinas cobrem 51 milhões de brasileiros, menos de um quarto da população, hoje em 212 milhões de habitantes. O plano do governo reconhece a necessidade de que ao menos 70% da população se imunize para barrar o vírus, ou seja, mais de 148 milhões de pessoas.

Em anúncios anteriores, o governo havia falado de vacinação de março a junho. No documento divulgado neste sábado —uma resposta a ações que tramitam no STF cobrando a divulgação de um plano federal— não aparece menção a data específica.

Segundo o ministério, a data depende do registro de uma vacina na Anvisa e de sua liberação. "Só assim poderemos marcar dia e hora. Pois tudo ainda irá depender das questões de entrega e distribuição."

A intenção do ministério é começar a vacinar os grupos prioritários até fevereiro, embora a estimativa não esteja no documento, afirma, por estar condicionado a que a Anvisa libere os produtos.

"No primeiro semestre, dependendo da quantidade de vacinas disponíveis, a meta é atingir o máximo de pessoas por grupo. Porém, dependemos de uma vacina segura, eficaz e cientificamente aprovada pela Anvisa", completou a assessoria.

O ministério disse ainda que a divulgação oficial do plano à população só deve ocorrer na quarta-feira (16) e que o documento foi enviado ao STF para atender aos prazos legais. "O plano poderá sofrer mudanças, uma vez que ainda não existe nenhuma vacina liberada pela Anvisa."

Com a resposta recebida, Lewandowski solicitou à presidência do STF a retirada das ações da pauta do plenário, cujo julgamento estava marcado para a próxima quinta-feira (17), "para melhor exame".

Nesta sexta-feira, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou ser necessário cerca de R$ 20 bilhões para a vacinação em massa da população, mas esse número não aparece no documento oficial.

De acordo com pesquisa do Datafolha divulgada neste sábado, cresceu a parcela da população brasileira que não pretende se imunizar contra o novo coronavírus, 22%.

Ainda segundo o texto do ministério, " o Brasil já garantiu 300 milhões de doses de vacinas covid-19 por meio dos acordos", mas, nessa mesma conta, há uma ressalva de que parte ainda está em negociação.

"Fiocruz/AstraZeneca: 100,4 milhões de doses, até julho de 2020, mais 30 milhões de doses/mês no segundo semestre; Covax Facility: 42,5 milhões de doses; Pfizer: 70 milhões de doses (em negociação)", diz o documento.

O Ministério da Saúde considerou como grupos prioritários na primeira fase da vacinação trabalhadores dos serviços de saúde, pessoas a partir de 80 anos, depois, de 75 a 79 anos, e indígenas.

Na segunda fase, pessoas de 70 a 74 anos, de 65 a 69 anos e de 60 a 64 anos.

Na terceira fase, estão pessoas com comorbidades (diabetes mellitus; hipertensão; doença pulmonar obstrutiva crônica; doença renal; doenças cardiovasculares e cerebrovasculares; indivíduos transplantados de órgão sólido; anemia falciforme; câncer; obesidade grave).

Na quarta e última estão professores, nível básico ao superior, forças de segurança e salvamento e funcionários do sistema prisional.

A previsão é de que esses grupos sejam vacinados em cerca de cinco meses.

Ao todo, o governo diz ter gastado pouco mais de R$ 4,7 bilhões para aquisição de vacinas e outros itens relacionados à imunização.

De acordo com o texto, foram desembolsados R$ 1,9 bilhão na aquisição de 100,4 milhões de doses de vacina pela AstraZeneca/Fiocruz e R$ 2,5 bilhões para adesão ao Consórcio Covax Facitity, para a compra de 42 milhões de doses.

"Além disso, foram R$ 177,6 milhões para custeio e investimento na Rede de Frio, na modernização do CRIEs [Centros de Referência de Imunobiológicos Especiais] e fortalecimento e ampliação da vigilância de síndromes respiratórias", diz.

A pasta afirma que também gastou R$ 62 milhões para aquisição de mais 300 milhões de seringas e agulhas.

"O Governo Federal disponibilizará crédito extraordinário para aquisição de toda e qualquer vacina que adquira registro de forma emergencial ou regular que apresente eficácia e segurança para a população brasileira", diz o texto.

O plano traz ainda uma diretriz de centralização, com uma lista de tarefas de competência do governo federal.

"A coordenação do PNI (Programa Nacional de Imunizações), incluindo a definição das vacinas dos calendários e das campanhas nacionais de vacinação, as estratégias e as normatizações técnicas sobre sua utilização. O provimento dos imunobiológicos definidos pelo PNI, considerados insumos estratégicos. A gestão do sistema de informação do PNI, incluindo a consolidação e a análise dos dados nacionais e a retroalimentação das informações à esfera estadual."

Sobre as competências estaduais, diz: "A coordenação do componente estadual do PNI, o provimento de seringas e agulhas, itens que também são considerados insumos estratégicos, a gestão do sistema de informação do PNI, incluindo a consolidação e a análise dos dados municipais, o envio dos dados ao nível federal dentro dos prazos estabelecidos e a retroalimentação das informações à esfera municipal".

Nos últimos dias o governo foi alvo de críticas por não ter apresentado o plano e pela discussão interna de requisitar vacinas da Coronavac programadas para distribuição pelo governo de São Paulo, comandado pelo tucano João Doria.

Não há menção a essa intenção no documento.

Um trecho, porém, traz uma crítica indireta ao governo de São Paulo, ao indicar que "tanto o Ministério da Saúde quanto algumas Unidades Federadas estão com processo de aquisição de diferentes vacinas."

"Isso pode representar uma dificuldade na operacionalização da vacinação, por considerar a indisponibilidade de estudos sobre a intercambialidade entre os produtos", continua. "Vale afirmar que o monitoramento e as orientações quanto ao uso de diferentes vacinas serão de responsabilidade dos estados e dos municípios que adquirirem o produto."

No plano, o ministério detalha os dados disponíveis sobre as vacinas que estão na fase 3, última etapa antes da aprovação, com previsão de aquisição pela pasta. O plano considera ainda a existência de 52 vacinas em fase de pesquisa clínica e 162 candidatas em fase pré-clínica de pesquisa.

A pasta ressalta que os testes realizados com Coronavac tiveram resultados positivos.

"A vacina candidata Coronavac foi bem tolerada e segura nas doses estudadas, com a maioria dos eventos adversos sendo leves, caracterizados principalmente por dor no local da aplicação. Observou-se mais de 90% de soroconversão para anticorpos neutralizantes durante as fases posteriores do ensaio de fase II", afirma o documento.

Segundo o ministério, os resultados preliminares no Brasil também foram bons. "Foram anunciados resultados preliminares com ausência de relato de reações adversas sérias à vacinação. As reações mais frequentes foram dor no local de aplicação (19%) e cefaleia (15%)", diz.

A vacina do laboratório americano Pfizer também está na lista das candidatas no plano de imunização. O governo quer disponibilizar inicialmente 2 milhões de doses da vacina no primeiro trimestre de 2021.

O plano menciona, porém, que a vacina da Pzier tem desafios logísticos porque requer condições de armazenamento e transporte à ultrabaixa temperatura (-70°C), enquanto os requisitos para as atuais vacinas variam na faixa de +2°C à +8°C. Mas não avança com propostas de que como o país vai agir para superar esses desafios.

Para o epidemiologista Paulo Lotufo, professor da USP, o plano desconsidera uma vacina mais viável, a Coronavac (caso a fase 3 dos estudos seja favorável), e conta com a vacina da Pfizer, cuja oferta ainda é incerta. "A farmacêutica já disse que não poderá fornecer a quantidade apresentada"..

"Não priorizam trabalhadores em risco. Valorizam o critério idade que é socialmente injusto", afirma. "Com o atraso da Astra​Zeneca, a impossibilidade da Pfizer, acho que não teremos nada além da Coronavac, por enquanto. Se a produção for de um milhão dia, ela atenderia muito pouco do proposto."

 

Fonte: Folha de São Paulo