Foi só o astrofísico Neil deGrasse Tyson dizer que um asteroide pode se chocar com a Terra um dia antes da eleição dos Estados Unidos que muita gente viu nisso uma mensagem oculta transmitida pelo cosmos. Bobagem. Todos os dias, quilos e quilos de objetos espaciais entram na nossa atmosfera.
O que está longe de ser coincidência, porém, é uma comitiva do governo norte-americano vir ao Brasil tratar de investimentos estratégicos a poucos dias de o mandato de Donald Trump ser testado nas urnas. Até então sussurrada, a pressão pela exclusão da China do 5G brasileiro foi escancarada.
O aceno, que inclui até promessa de investimento, parece não ser mais do que jogada para a torcida norte-americana, já que o dinheiro não chega para tanto, e as decisões sobre a tecnologia de quinta geração caminham para ser tomadas em 2021. Até lá, o ocupante da Casa Branca pode até ser outro.
Não é segredo que os EUA querem convencer o mundo a não comprar equipamentos da chinesa Huawei para colocar o 5G de pé. A pressão já surtiu alguns efeitos, afinal:
Os EUA não vieram apenas com palavras. Ofereceram às empresas brasileiras acesso a financiamento em diversas áreas, inclusive para as telecomunicações com vistas ao 5G. Ao todo, colocou US$ 1 bilhão na mesa. Parece muito, mas não é.
Equipamentos da Huawei já estão por toda parte transmitindo 4G. Evitá-la no 5G requereria uma troca de tudo isso, sob o risco de os novos aparelhos não "conversarem" com os antigos. Além disso, a chinesa já oferece um financiamento atrativo para as teles. E o dinheiro dos EUA não iria todo para elas —parte dele, por exemplo, já estaria acertado para a Gol comprar aviões da Boeing.
Ainda assim, a mensagem enviada ao eleitor norte-americano é que a Casa Branca não quer contar só com a boa vontade do governo brasileiro para livrar o mundo do avanço chinês. E a tecnologia virou grande palco para isso.
Nesta semana, coincidência ou não, a tão aguardada ação antitruste contra o Google finalmente foi aberta. Trump critica as empresas de internet para atingir o coração de eleitores conservadores que acreditam, sem fundamento, que elas são grandes censoras da liberdade de expressão.
Se o discurso é esse, na prática o Google está para entrar numa batalha judicial sob a acusação de práticas anticompetitivas —algumas das quais já renderam multas bilionárias à empresa na Europa. Com essa acusação, os Democratas concordam. Só que, além do Departamento de Justiça, embarcaram na briga nos EUA apenas promotores republicanos.
Por aqui, Trump conta com a simpatia e admiração do presidente Jair Bolsonaro, que já falou:
Quem vai decidir o 5G sou eu. Não é terceiro, ninguém dando palpite por aí, não.
Longe de mim dar palpite, mas, a não ser que invente um mecanismo obscuro de última hora, o governo parece já ter decidido liberar a Huawei para fornecer dispositivos 5G às teles.
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação já emitiu uma portaria dando diretrizes de como vai ser a política pública da nova tecnologia. Nela, não se observam proibições. Há, sim, uma exigência para que o serviço da TV parabólica seja preservado, o que tem empurrado a decisão sobre o 5G para 2021. Até mesmo o Gabinete de Segurança Institucional, que estabelece a estratégia de defesa cibernética do país, se posicionou a respeito e não barrou a chinesa.
Diante de tudo isso, parece ter ficado combinado o seguinte: os EUA latem alto do lado de lá, e o Brasil finge que morderá por aqui. Enquanto isso, ambos esperam. Eles, as eleições. Nós também — afinal, a China é nossa maior parceira comercial e ninguém quer desagradar quem paga a conta.
Fonte: UOL