Política

No Brics, Lula critica insensatez de Israel e pede paz na Ucrânia





Presidente participa de cúpula do grupo por videoconferência após acidente cancelar viagem; encontro é realizado em Kazan, na Rússia

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse nesta 4ª feira (23.out.2024) que a “insensatez” de Israel nos ataques a Gaza está ganhando novas proporções ao chegar à Cisjordânia e ao Líbano. Também pediu negociações por paz entre Ucrânia e Rússia na abertura da Cúpula dos Brics, realizada em Kazan, na Rússia. O petista participou por videoconferência depois de sofrer um acidente doméstico, bater a cabeça e cancelar a viagem até o país governado por Vladimir Putin.

“Como disse o presidente Erdogan [Turquia] na Assembleia Geral da ONU, Gaza se tornou o maior cemitério de crianças e mulheres do mundo. Esta insensatez agora se alastra para a Cisjordânia e para o Líbano. Evitar uma escalada e iniciar negociações de paz também é crucial no conflito entre Ucrânia e Rússia. No momento em que enfrentamos duas guerras com potencial de se tornarem globais, é fundamental resgatar nossa capacidade de trabalhar juntos em prol de objetivos comuns”, afirmou.

Lula também pediu por mais protagonismo dos países em desenvolvimento na economia global e no combate às mudanças climáticas.

“Representamos 36% do PIB global por paridade de poder de compra. Contamos com 72% das terras raras do planeta, 75% do manganês e 50% do grafite. Entretanto, os fluxos financeiros continuam seguindo para nações ricas. É um Plano Marshall às avessas, em que as economias emergentes e em desenvolvimento financiam o mundo desenvolvido. As iniciativas e instituições do BRICS rompem com essa lógica”, afirmou.

O petista aproveitou o assunto para elogiar a administração da ex-presidente Dilma Rousseff no chamado Banco do Brics, o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, da sigla em inglês). 

Ele voltou a defender uma forma unificada de meio de pagamentos entre os países do bloco, mas dessa vez pontuando que não se trata de mudança nas moedas dos países.

“Agora é chegada a hora de avançar na criação de meios de pagamento alternativos para transações entre nossos países. Não se trata de substituir nossas moedas. Mas é preciso trabalhar para que a ordem multipolar que almejamos se reflita no sistema financeiro internacional. Essa discussão precisa ser enfrentada com seriedade, cautela e solidez técnica, mas não pode ser mais adiada”, declarou.

Lula criticou ainda o que chamou de “dicotomias simplistas” que, para ele, servem para dividir o mundo entre amigos e inimigos. Segundo o petista, as pessoas mais vulneráveis não se interessam mais por este tipo de narrativa.

“O que eles querem é comida farta, trabalho digno e escolas e hospitais públicos de acesso universal e de qualidade. É um meio ambiente sadio, sem eventos climáticos que ponham em risco sua sobrevivência. É uma vida de paz, sem armas que vitimam inocentes”, disse.

Leia a íntegra do discurso do petista no Brics:

“Mesmo sem estar pessoalmente em Kazan, quero registrar minha satisfação em me dirigir aos companheiros do Brics. Quero agradecer o apoio que os membros do grupo têm estendido à presidência brasileira do G20. Seu respaldo foi fundamental para avançar em iniciativas que são cruciais para a redução das desigualdades, como a taxação de super-ricos. Nossos países implementaram nas últimas décadas políticas sociais exitosas que podem servir de exemplo para o resto do mundo. A Aliança Global contra a Fome e a Pobreza já está em fase avançada de adesões. Convido todos a se somarem à iniciativa, que nasceu no G20, mas está aberta a outros participantes.

“O Brics é ator incontornável no enfrentamento da mudança do clima. Não há dúvida de que a maior responsabilidade recai sobre os países ricos, cujo histórico de emissões culminou na crise climática que nos aflige hoje. É preciso ir além dos 100 bilhões anuais prometidos e não cumpridos, e fortalecer medidas de monitoramento dos compromissos assumidos. Os dados da ciência exprimem um sentido de urgência sem precedentes. O planeta é um só e seu futuro depende da ação coletiva. Também cabe aos países emergentes fazer sua parte para limitar o aumento da temperatura global a um grau e meio. Na COP30, em Belém, vamos juntos mostrar que é possível conciliar maior ambição em nossas Contribuições Nacionalmente Determinadas com o princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas.

“Na presidência brasileira do Brics, queremos reafirmar a vocação do bloco na luta por um mundo multipolar e por relações menos assimétricas entre os países. Não podemos aceitar a imposição de “apartheids” no acesso a vacinas e medicamentos, como ocorreu na pandemia, nem no desenvolvimento da Inteligência Artificial, que caminha para tornar-se privilégio de poucos. Precisamos fortalecer nossas capacidades tecnológicas e favorecer a adoção de marcos multilaterais não excludentes, em que a voz dos governos prepondere sobre interesses privados. O Brics foi responsável por parcela significativa do crescimento econômico mundial nas últimas décadas. Juntos, somos mais de 3,6 bilhões de pessoas, que integram mercados dinâmicos com elevada mobilidade social.

“Representamos 36% do PIB global por paridade de poder de compra. Contamos com 72% das terras raras do planeta, 75% do manganês e 50% do grafite. Entretanto, os fluxos financeiros continuam seguindo para nações ricas. É um Plano Marshall às avessas, em que as economias emergentes e em desenvolvimento financiam o mundo desenvolvido. As iniciativas e instituições do Brics rompem com essa lógica. A atuação do Conselho Empresarial contribuiu para ampliar o comércio entre nós. As exportações brasileiras para os países do Brics cresceram doze vezes entre 2003 e 2023. O Brics é hoje a origem de quase um terço das importações do Brasil.

“A Aliança Empresarial de Mulheres está criando redes para fomentar o empoderamento econômico feminino e combater as desigualdades de gênero que persistem. Por meio do Mecanismo de Cooperação Interbancária, nossos bancos nacionais de desenvolvimento vão estabelecer linhas de crédito em moedas locais, que reduzirão os custos de transação de pequenas e médias empresas. O Novo Banco de Desenvolvimento (o NDB), que neste ano completa 10 anos, tem investido na infraestrutura necessária para fortalecer nossas economias e promover uma transição justa e soberana. 

“Sob a liderança da companheira Dilma Rousseff, o NDB conta atualmente com uma carteira de quase 100 projetos e com financiamentos da ordem de 33 bilhões de dólares. Ele foi pensado para ser bem-sucedido onde as instituições de Bretton Woods continuam falhando. Em vez de oferecer programas que impõem condicionalidades, o NDB financia projetos alinhados a prioridades nacionais. Em vez de aprofundar disparidades, sua governança se assenta na igualdade de voto. Agora é chegada a hora de avançar na criação de meios de pagamento alternativos para transações entre nossos países. Não se trata de substituir nossas moedas. Mas é preciso trabalhar para que a ordem multipolar que almejamos se reflita no sistema financeiro internacional.

“Essa discussão precisa ser enfrentada com seriedade, cautela e solidez técnica, mas não pode ser mais adiada. Muitos insistem em dividir o mundo entre amigos e inimigos. Mas os mais vulneráveis não estão interessados em dicotomias simplistas. O que eles querem é comida farta, trabalho digno e escolas e hospitais públicos de acesso universal e de qualidade. É um meio ambiente sadio, sem eventos climáticos que ponham em risco sua sobrevivência. É uma vida de paz, sem armas que vitimam inocentes. Como disse o presidente Erdogan na Assembleia Geral da ONU, Gaza se tornou “o maior cemitério de crianças e mulheres do mundo”.

“Essa insensatez agora se alastra para a Cisjordânia e para o Líbano. Evitar uma escalada e iniciar negociações de paz também é crucial no conflito entre Ucrânia e Rússia. No momento em que enfrentamos duas guerras com potencial de se tornarem globais, é fundamental resgatar nossa capacidade de trabalhar juntos em prol de objetivos comuns. Por isso, o lema da presidência brasileira será “Fortalecendo a Cooperação do Sul Global para uma Governança mais Inclusiva e Sustentável”. Companheiros, espero vê-los na próxima Cúpula para construir mais um capítulo da nossa história comum. Muito obrigado presidente Putin e muito obrigado aos companheiros que estão em Kazan.”

 

- Lula defende moeda alternativa ao dólar para transações entre integrantes dos Brics

Presidente afirmou que “ordem multipolar” desejada pelo bloco também deve se refletir no sistema financeiro

Em discurso por videoconferência na Cúpula dos Brics, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse nesta quarta-feira (23) que a criação de uma alternativa ao dólar para comércio entre os países do bloco precisa avançar e não pode mais ser adiada.

De acordo com o presidente, essa seria uma forma de garantir que a “ordem multipolar” que os Brics desejam também aconteça no sistema financeiro internacional.

“Agora é chegada a hora de avançar na criação de meios de pagamento alternativos para transações entre nossos países. Não se trata de substituir nossas moedas. Mas é preciso trabalhar para que a ordem multipolar que almejamos se reflita no sistema financeiro internacional”, disse o presidente.

“Essa discussão precisa ser enfrentada com seriedade, cautela e solidez técnica, mas não pode ser mais adiada”, completou.

A Cúpula dos Brics acontece entre os dias 22 e 24 de outubro em Kazan, na Rússia. Lula participa de forma remota dos eventos, depois de precisar cancelar a viagem por recomendação médica em razão de um acidente no sábado (19), quando caiu no Palácio do Alvorada e bateu a cabeça.

A definição de uma moeda alternativa ao dólar e um novo sistema de pagamentos internacionais é uma das principais pautas da Cúpula neste ano. O chamado “Brics Bridge” seria uma plataforma para liquidação e pagamento digital entre os membros do grupo, reduzindo a dependência do sistema Swift de pagamento.

O fortalecimento de instituições financeiras diferentes do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, controlados principalmente por potências ocidentais assim como o sistema Swift, também é discutido.

Em discurso, Lula elogiou a atuação do banco dos Brics, que hoje está sob a presidência de Dilma Rousseff (PT). Segundo Lula, o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) tem investido na infraestrutura necessária para fortalecer as economias de países emergentes e promover uma “transição justa e soberana”.

“Em vez de oferecer programas que impõem condicionalidades, o NBD financia projetos alinhados a prioridades nacionais. Em vez de aprofundar disparidades, sua governança se assenta na igualdade de voto”, defendeu.

O NBD é a única instituição financeira dos Brics em funcionamento e é usado para financiar projetos de infraestrutura e desenvolvimento entre os países-membros.

 

Confira outras notícias

- Cúpula dos Brics confirma convite a 13 países para integrar o bloco

Nações aprovadas na cúpula entrariam como "Estados Parceiros"

Os países reunidos na Cúpula dos Brics aprovaram nesta quarta-feira (23) a entrada de 13 novos integrantes ao bloco de cooperação mútua. A Rússia, que ocupa a presidência rotativa do grupo neste ano, agora será responsável por convidar formalmente os novos integrantes.

Eles serão consultados sobre a possibilidade de integrar o bloco como Estados Parceiros. Essa categoria dá direito à participação nos fóruns multilaterais, mas em caso de divergências, a palavra final será dos integrantes plenos.

Estão no grupo: Turquia, Indonésia, Argélia, Belarus, Cuba, Bolívia, Malásia, Uzbequistão, Cazaquistão, Tailândia, Vietnã, Nigéria e Uganda.

Há possibilidade de ruído com dois desses convites: à Turquia e à Indonésia. A avaliação é de que Ancara ocuparia uma posição grande demais no cenário internacional para a classificação de Estado Parceiro. E, no caso da Indonésia, o país já havia sido convidado no ano passado a ser um Estado Pleno.

Ainda é necessário que eles aceitem formalmente entrar no bloco.

Na cúpula do ano passado, a Argentina recebeu um convite, mas o governo de Javier Milei abandonou o processo quando chegou à Casa Rosada. Situação parecida com a da Arábia Saudita, que tem cozinhado em banho-maria o processo de adesão ao bloco desde o ano passado.

Uma possível inclusão da Venezuela no bloco sequer foi mencionada durante as discussões formais da cúpula. Nos últimos dias, a diplomacia brasileira atuou para barrar o convite à república bolivariana, apelando ao princípio do consenso dentro do grupo.

Ainda na reunião desta quarta-feira, os integrantes do bloco demonstraram uma defesa generalizada de um novo sistema alternativo de pagamentos internacionais, em substituição ao Swift — sistema que comanda as transações internacionais atualmente.

Essa postura, aliada aos incentivos para a ampliação de contratos negociados em moedas dos países do bloco, representa um desafio à soberania do dólar no comércio internacional.

O novo modelo beneficiaria, em especial, a economia russa, alvo de múltiplas sanções unilaterais dos Estados Unidos e de países europeus.

Ainda durante as negociações, ganhou força a proposta do Brasil e da China para o fim da guerra da Ucrânia. A iniciativa sino-brasileira inclui um plano de seis pontos que exigiria uma negociação direta entre a Rússia e a Ucrânia — o que o governo de Zelensky e os aliados ocidentais de Kiev afirmam ser uma sugestão “pró-Rússia”.

 

- Maduro chega à cúpula do Brics para defender adesão da Venezuela

Brasil não considera momento propício e é contra entrada de Caracas no bloco; anfitriã, a Rússia apoia

 

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro (Partido Socialista Unido da Venezuela, esquerda), chegou a Kazan, cidade russa sede da cúpula de chefes do Brics. O chavista tenta negociar a adesão de seu país ao bloco.

O Brasil, porém, não considera o momento propício devido às tensões após a eleição presidencial de 28 de julho. Por isso, é contra a entrada da Venezuela. A Rússia, que busca fortalecer o relacionamento com Caracas e outros países, é a favor da entrada do país ao bloco. 

Antes da chegada de Maduro, Caracas estava sendo representada pela vice-presidente venezuelana, Delcy Rodríguez. 

Assista ao momento de chegada de Maduro (17seg): 

A chegada de Maduro a Kazan não fez com que Caracas fosse incluído na pré-lista de novos países analisado pelo Brics. A Venezuela vinha articulando a adesão ao bloco e tinha o apoio de países como a China e a Rússia –que tem como prioridade a entrada do país comandado por Maduro. 

Outro país que ficou de fora da lista foi Nicarágua. O veto do Brasil se deu depois de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) romper as relações com o governo de Daniel Ortega (Frente Sandinista de Libertação Nacional, esquerda), em agosto. 

Uma lista com ao menos 12 países circula em Kazan, onde é realizada a cúpula do bloco. Esses nomes precisam ainda ser referendados por todos os integrantes do Brics depois de confirmarem à Rússia, anfitriã do encontro, a intenção de se juntar ao bloco. 

Eis a lista que está sendo negociada pelo Brics: Belarus, Bolívia, Cuba, Indonésia, Cazaquistão, Malásia, Nigéria, Tailândia, Turquia, Uganda, Uzbequistão e Vietnã.

O Brasil apoia a entrada de Cuba e Bolívia no bloco. A Colômbia é outro país que o governo Lula endossa a adesão. O presidente Gustavo Petro (Colômbia Humana), porém, não formalizou a candidatura.  

Nem todos os países que estão sendo analisados se tornarão integrantes do bloco, que atualmente representa 37% da economia global. Há estudos internacionais que projetam que o grupo poderá ultrapassar o G7, grupos dos países mais ricos, nos próximos anos, impulsionado pela China e pela Índia. 

 

Fonte: CNN - Poder360