Política

STF e Congresso: crise tem novo capítulo e emendas continuam suspensas





Embate ganhou força a partir de 1º de agosto, mas arrefeceu por causa do foco no primeiro turno das eleições. Agora, volta a esquentar

O ministro do STF Flávio Dino manteve a suspensão da execução das emendas parlamentares ao Orçamento de 2024, algo que desagrada os parlamentares. Horas antes de publicar a decisão, Dino havia feito audiência de conciliação com representantes do Congresso e do Executivo.

Durante a audiência, o Poder Legislativo Federal se comprometeu a enviar ao STF uma lista com as indicações ao chamado “orçamento secreto”.

Trechos da decisão do ministro deixaram clara a insatisfação dele com o teor da conversa. “Nenhuma impositividade em um Estado de Direito é maior do que o ordenamento derivado diretamente da Constituição Federal, cuja guarda compete ao STF, como instância que — à luz da cláusula pétrea da separação de poderes — estabelece a última palavra sobre o alcance das regras emanadas do Poder Constituinte”, escreveu Dino em referência às investidas do Legislativo para reduzir o poder da Corte.

A decisão de Dino veio após outra movimentação do Legislativo. Na quarta-feira (9/10), logo após o primeiro turno, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 8/2021.

O texto veda decisões monocráticas (individuais) para ministros da Corte e dos demais tribunais superiores. Foram 39 votos favoráveis e 18 contrários. Agora, a proposta segue para uma comissão especial, a ser criada, mas ainda sem data.

O texto da PEC, de autoria do senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), foi aprovado pelo Senado em novembro de 2023. Desde então, não avançava na Câmara. O presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), destravou a tramitação da PEC após o ministro do STF Flávio Dino suspender o repasse das emendas parlamentares.

A artilharia da Câmara contra o STF na quarta não se limitou à PEC nº 8/2021. A CCJ aprovou outra PEC, a de nº 28/2024. Esta última permite ao Congresso Nacional derrubar decisões tomadas pelo STF, mediante votos favoráveis de dois terços da Câmara e do Senado. Se o texto virar lei, portanto, será necessário o aval de, no mínimo, 342 deputados e 54 senadores para a derrubada das decisões.

Lances anteriores

A queda de braço vem sendo travada desde 2022. À época, o STF julgou as emendas de relator, conhecidas como orçamento secreto, como inconstitucionais, pondo fim à prática que ganhou corpo e força ao longo do governo de Jair Bolsonaro (PL).

Depois disso, foram vários lances que colocaram Parlamento e Supremo em posições opostas, com cada lado dando sua cartada, com temas presentes tanto em um lugar quanto no outro. Servem como referência o debate sobre o marco temporal das terras indígenas, a descriminalização do porte de maconha para uso pessoal, a descriminalização do aborto e a desoneração da folha de pagamento.

Se começou com emendas, a crise acabou voltando à origem.

O imbróglio mais recente entre os poderes passou a ganhar corpo em 1º de agosto último. Na data, Dino limitou as possibilidades de repasses de emendas e determinou uma auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) em todos os repasses realizados desde 2020. Duas semanas depois, o ministro subiu o tom e fez a suspensão do pagamento das emendas.

O argumento de Dino para a suspensão é a falta de transparência. O trâmite atual das emendas indicadas por parlamentares não permite que sejam identificados os autores destas. Com a falta de informação, fica inviável a fiscalização do dinheiro público por órgãos de controle, conforme os críticos do modelo.

Por outro lado, os parlamentares dizem que têm direito de indicar emendas pelo simples motivo de que foram eleitos democraticamente e de participar da administração do orçamento. Já o governo federal reclama que a indicação direta dos recursos limita a autonomia orçamentária.

Voltando aos atritos entre STF e Legislativo, ocorreram algumas tentativas de negociação entre agosto e outubro, como encontros reservados e até um almoço coletivo. No entanto, nenhum avanço pode ser percebido até o momento.

Dino não só não mudou de ideia como escalou na resposta. Nessa quinta (10/10), ele destacou que “permanece o grave e inaceitável quadro de descumprimento da decisão do Plenário do STF que, em 2022, determinou a adequação das práticas orçamentárias ao disposto na Constituição Federal”.

E, assim, a crise segue sem data para acabar.

 

- Lira não tem plano de acelerar pacote 'anti-STF'

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), não pretende, por enquanto, acelerar a tramitação dos projetos que limitam a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF). Ele ainda está em Alagoas, estado onde está sua base eleitoral e onde se dedicou a apoiar candidatura de aliados. Na quarta-feira, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou duas propostas de emenda constitucional e dois projetos que atingem a Corte.

Segundo pessoas próximas, Lira só retornará a Brasília na próxima semana e, até o momento, não deu qualquer indicação de que vai incentivar a votação célere das pautas aprovadas por larga maioria na CCJ com apoio de integrantes do Centrão. O presidente da Câmara — relata um auxilar — teria manifestado preocupação com uma das PECs aprovadas, a que dá ao Congresso poder de anular julgamentos do Supremo. Mas segue sem se posicionar a respeito das demais propostas.

A segunda PEC votada na CCJ impõe restrições às decisões monocráticas de ministros do STF, medida que é defendida por boa parte dos congressistas, incluindo o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Essa PEC já foi aprovada na Casa legislativa presidida pelo senador mineiro e ficou travada por quase nove meses até ser remetida para apreciação da CCJ.

Até o momento, Lira retardou ao máximo a apreciação das propostas. A PEC aprovada pelo Senado chegou à Câmara em 6 de dezembro de 2023. Ficou parada na direção da Mesa até 19 de agosto deste ano. Já a segunda PEC, que autoriza o Congresso a derrubar decisões do STF, foi apresentada originalmente na Câmara, pelo deputado Reinhold Stephanes (PSD-PR), em julho deste ano. Seguiu para a CCJ no mesmo dia da outra PEC.

Os dois projetos foram entregues à comissão que é presidida pela deputada bolsonarista Caroline de Toni (PL-SC) momento em que o ministro Flávio Dino, do Supremo, emitiu decisões travando emendas aos Orçamento. O gesto de tirar as propostas da gaveta foi interpretado como uma retaliação.

"Velocidade política"

Entre aliados de Lira, a explicação sobre como o tema vem sendo tratado na Câmara dá conta de que o timing de tramitação das propostas segue uma "velocidade política". Ou seja, os projetos são vistos como trunfo do Congresso no embate com o Judiciário sobre o direito dos parlamentares de continuarem dando as cartas no repasse de recursos da União por meio de emendas ao Orçamento.

A tramitação das propostas também está comprometida pelo calendário eleitoral. O segundo turno das eleições municipais está marcado para o dia 27. Até lá, não haveria quórum seguro para garantir aprovação de medidas polêmicas. Há ainda na mesa a disputa pelo cargo de Lira, que deixará a presidência da Câmara no início do próximo ano.

"É tudo um jogo político para se tentar definir a Presidência da Câmara", diz Fausto Pinato (PP-SP). Ele foi um dos membros trocados na CCJ pelo PP, de Lira, para garantir a aprovação de projetos ligados à pauta do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Governistas se dizem otimistas de que podem impedir a tramitação das proposições. Na leitura desses deputados, derrubar os textos ainda na CCJ seria mais custoso do que nas comissões especiais e no plenário.

Caso as iniciativas avancem, Hélder Salomão (PT-ES) avalia ser possível que o próprio STF derrube as propostas. "Já denunciamos a inconstitucionalidade dessas matérias", diz.

 

 

Fonte: Metropoles - Correio