Educação

MEC limita novas vagas em cursos de medicina em meio a disputa jurídica no STF





Normas levarão em conta, por exemplo, disponibilidade de leitos no SUS para aulas práticas. Desde 2018, abertura de novas vagas e faculdades de medicina estava proibida no Brasil, em uma tentativa de controlar o nível de qualidade da formação de profissionais de saúde. 

Em meio a um embate entre grupos educacionais privados e o Supremo Tribunal Federal (entenda abaixo), o Ministério da Educação (MEC) estabeleceu, por meio de portaria publicada na segunda-feira (4), regras para limitar a ampliação de vagas em cursos de medicina particulares. 

Segundo a pasta, é uma tentativa de "assegurar a qualidade da formação médica no Brasil". 

Os critérios levam em conta, entre outros aspectos, a estrutura do sistema público de saúde do município (como a disponibilidade de leitos para as aulas práticas e estágios) e as notas que o curso recebeu nas últimas edições do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade). Nenhuma instituição poderá oferecer mais de 240 vagas por ano nem promover uma ampliação de mais de 30% das que já eram ofertadas. 

Qual o motivo desse controle do MEC? Com mensalidades altas (que chegam a R$ 12 mil), baixas taxas de evasão dos alunos e uma importância estratégica no setor de educação, as graduações de medicina tornaram-se uma “mina de ouro” para mantenedoras de ensino: no mercado, estima-se que uma única vaga valha R$ 2 milhões. 

Tamanha atratividade financeira levou a um "boom" no surgimento de novos cursos no Brasil: em 2002, eram 113; em 2018, o número já havia saltado para 322. 

Três desafios surgiram a partir disso: 

  • garantir qualidade de ensino aos estudantes de medicina;
  • abrir cursos em regiões com leitos disponíveis para alunos fazerem as aulas práticas e a residência;
  • tornar a distribuição de profissionais mais igualitária entre as regiões -- evitando que só sejam abertos cursos em grandes cidades do Sudeste (veja infográfico mais abaixo).

O que já foi feito para controlar esse aumento desenfreado de cursos e vagas? 

  • Em 2014, a então presidente Dilma Rousseff decidiu, por meio do programa Mais Médicos, levar as graduações de medicina para locais com carências de profissionais de saúde no SUS. Por meio de chamamento público, o governo anunciava em quais cidades deveriam ser abertas novas vagas. Havia contrapartidas: as mantenedoras de ensino precisavam, por exemplo, direcionar parte do faturamento para melhorias na rede pública do município.
  • Em 2018, na gestão de Michel Temer, todos os processos de abertura de faculdades de medicina e de ampliação de vagas, inclusive no Mais Médicos, foram "congelados" por 5 anos.

Essa "trava" terminou em abril de 2023. Abriu-se, então, um debate: o governo Lula deveria permitir novos cursos de medicina só onde faltam profissionais ou em qualquer lugar? 

Veja o resumo, ponto a ponto, das discussões jurídicas que envolvem o tema. São dois capítulos: 

Capítulo 1: 'congelamento' e 'descongelamento' de novas faculdades de medicina

  • Em 6 de abril deste ano, com o fim do "congelamento", o MEC voltou a autorizar a abertura de cursos de medicina em instituições privadas, desde que por meio de chamamentos públicos. 
  • Ou seja, o próprio governo publicaria editais sinalizando em quais municípios as faculdades poderiam ser abertas, considerando as necessidades de mais profissionais de saúde e a estrutura do Sistema Único de Saúde (SUS) de cada região.
  • O primeiro chamamento público deveria ser divulgado até esta quarta-feira (6), mas o MEC prorrogou o prazo por mais 30 dias.

Capítulo 2: faculdades privadas vão à Justiça 

  • Parte das mantenedoras de ensino não concordou com a limitação imposta pelo MEC e alegou, na Justiça, que ela é inconstitucional.
  • Foram feitos mais de 200 pedidos para que cursos fossem criados em qualquer local, sem levar em conta a estrutura do SUS e a disponibilidade de leitos para aulas práticas, por exemplo.
  • E aí é que entra o STF: em 7 de agosto, o ministro Gilmar Mendes reforçou que limitar a criação de cursos de medicina apenas por chamamento público é uma prática constitucional, sim, e que os juízes não devem conceder liminares a favor de universidades que lutam pela “liberdade de mercado”.
  • A pauta está sendo votada pelo plenário do Supremo (ou seja, por todos os ministros). Até a última atualização desta reportagem, o processo estava pausado, já que Luiz Fux "pediu vista" (mais tempo para analisar o caso).

Enquanto nem o chamamento público para novas faculdades é publicado, nem o STF termina a votação, o MEC publicou a portaria com regras para ampliação de vagas em instituições já existentes. 

Novas regras para ampliar vagas 

A seguir, veja as novas regras para o aumento de vagas em faculdades que já estão em funcionamento:

  • nota igual ou superior a 4 no Enade, nos últimos três anos de avaliação;
  • ausência de qualquer penalidade imposta à instituição de ensino nos últimos três anos (ou ao curso, nos últimos 6 anos);
  • comprovação de que realmente o aumento de vagas é necessário (a relação candidato/vaga no último processo seletivo deve ter sido maior que 2);
  • limite de até 30% de novas vagas em relação às já existentes;
  • teto de 240 vagas ofertadas por ano, no total;
  • existência de, no mínimo, 5 leitos do SUS para cada vaga solicitadaum hospital de ensino com mais de 80 leitos e 3 programas de residência.

A respeito desse último item, Silvio Pessanha, da Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup), explica que existe atualmente uma desproporção entre alunos formados e vagas de residência de qualidade(programas de especialização que podem formar, por exemplo, cirurgiões, pediatras ou dermatologistas). 

"Muitos estudantes acabam terminando a faculdade e nem querendo [fazer residência], porque sabem que não terão supervisão, não aprenderão nada, atenderão um monte de pacientes e virarão mão de obra barata para hospitais, sem nenhum acolhimento acadêmico", afirma. 

Diante disso e "visando a promover a melhor (re)distribuição de cursos e médicos pelo país, em especial para as regiões Norte e Nordeste e municípios do interior", Pessanha classifica a portaria do MEC como "extremamente pertinente e benéfica para o setor e para a sociedade". 

Rosylane Rocha, 2ª vice-presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), menciona também como a falta de leitos no SUS, diante do número alto de alunos em determinadas localidades, pode atrapalhar a formação deles nas aulas práticas. 

"Imagine você, paciente, deitado em um leito, sem nenhum sossego. São 15, 20 estudantes passando por você. (...) Estamos colocando alunos para se formar em centros que não têm condição de acolher tudo isso de gente."
 
Fonte: g1