“Conheço barcos que ficam no porto por medo e as fortes correntezas os levam embora.
Conheço barcos que enferrujam no porto por não ter nunca arriscado sair.
Conheço barcos que se esqueceram de partir e a sua viagem acabou antes de começar.
Conheço barcos que voltam para o porto estraçalhados, mas mais fortes do que nunca.
Conheço barcos que refletem o sol porque viveram anos maravilhosos.
Conheço barcos que sempre voltam depois de ter navegado.
Assim até o último dia, sempre prontos a abrir as suas velas
porque têm um coração do tamanho do oceano.” (Jaques Brel, tradução livre)
No evangelho deste Domingo, o Terceiro da Páscoa, encontramos a “terceira vez que Jesus ressuscitado dos mortos apareceu aos discípulos” (Jo 21,14). Aconteceu na beira do mar de Tiberíades, na região da Galileia. Ainda uns poucos versículos e chegamos no final do evangelho de João. A última página é uma sucessão de gestos e palavras e tem o sabor de despedida e, ao mesmo tempo, de envio. Tem somente discípulos e dois deles estão sem nome. Dez pessoas com Jesus. Os apóstolos, outrora pescadores, voltaram a pescar, mas as redes estão vazias. Por isso, não têm nada para comer. Um homem “misterioso” está na beira do lago. É Jesus. O evangelista o explica, mas os discípulos ainda não o sabem. No entanto, ele manda jogar a rede de novo. Eles obedecem e o resultado é extraordinário: 153 grandes peixes. “O discípulo que Jesus amava” declara: “É o Senhor! Ou seja, ele faz uma bela profissão de fé, como Tomé fez no evangelho de domingo passado. Logo Pedro se joga na água e, em seguida, os demais chegam em terra. Nova surpresa: Jesus estava preparando uma refeição: peixe assado na brasa e pão. Ele pede que tragam alguns dos peixes que apanharam. Depois, toma o pão e o distribui, como fez na última ceia.
O que nos dizem a situação, os gestos e as palavras? A missão de Jesus continua com os apóstolos (evangelho de domingo passado) e recomeça a partir da Galileia (Jo 1,43), onde os primeiros discípulos foram chamados. Fazendo o que Jesus manda (Jo 2,5) a pesca será abundante. Reunidas em terra, na beira do lago, estão agora dez pessoas. Os números têm um valor simbólico na linguagem bíblica. Dez pode representar algo que deve ser sempre lembrado – dá para contar com os dedos das mãos – como, por exemplo, os mandamentos da Lei, mas agora a “nova” Lei é a do amor, o mesmo amor de Jesus, que está presente junto com eles. A memória-presença do Senhor está agora no sinal da refeição: o pão repartido entre eles. – “Vinde comer” – é um chamado para todos. Após disso, inicia o diálogo entre ele e Simão Pedro. Somente um compromisso de amor poderá garantir o serviço do apóstolo como pastor do rebanho dos discípulos e discípulas do Crucificado Ressuscitado, grande ou pequeno que seja esse grupo, maioria ou minoria do povo de num determinado lugar.
A partir daqueles dias, até hoje, nunca mais a comunidade dos seguidores de Jesus deixou de jogar as redes, de anunciar o Evangelho do Reino e de celebrar o Memorial da Páscoa do Senhor. Fez isso, às vezes, com entusiasmo, achando fácil e promissora a missão. Outras vezes, precisou de muita coragem e paciência. Teve momentos de exaltação e poder, outros de silêncio, marginalização e martírio.
Lembrando a história das igrejas cristãs, sabemos que surgiram divisões, brigas entre as ovelhas que deviam formar “um só rebanho” (Jo 10, 16). Afinal os discípulos sabem que são seguidores de um crucificado, que o caminho do Reino sempre será difícil e a porta para entrar, estreita. A Ressurreição? Uma vitória a caro preço. Por isso, alguns desanimam, outros desistem. Outros, porém, aceitam a fadiga da pesca em mares tempestuosos sem perder a direção, obedientes à ordem de Jesus de sempre jogar as redes de novo. O número 153? Talvez, só um artifício numérico com as letras de palavras hebraicas. Difícil para nós entender. Não importa, melhor confiar, sem contar, mas sair, sair…Como Papa Francisco ensina.
Fonte: Diocese de Macapá