Jackson Erpen - Cidade do Vaticano
Neste domingo, 3, o Papa Francisco deu prosseguimento a sua “breve mas bela” viagem à República de Malta. Depois da oração na Gruta e Basílica de São Paulo em Rabat, foi a vez de encontrar os fiéis malteses para a Missa na Praça dos Celeiros, em Floriana.
Perdão e misericórdia: na homilia, inspirada no episódio da mulher adúltera narrada no Evangelho de João, o Papa recorda que ela “conheceu a misericórdia na sua miséria e volta curada pelo perdão de Jesus”, o que nos sugere, como Igreja, “que principiemos de novo a frequentar a escola do Evangelho, a escola do Deus da esperança que sempre nos surpreende”, pois se imitarmos Jesus, “não seremos levados a concentrar-nos na denúncia dos pecados, mas a sair amorosamente à procura dos pecadores.”
Dirigindo-se aos cerca de 20 mil fiéis e representantes de diversas religiões presentes na celebração, o Papa começa explicando que as pessoas procuram Jesus para escutá-lo, pois “sua doutrina não é abstrata, toca a vida e liberta-a, transforma-a, renova-a”, o que revela o “faro do povo de Deus”, “que não se contenta com o templo feito de pedras, mas reúne-se à volta da pessoa de Jesus”.
Mas havia alguns ausentes: a mulher - uma pessoa perdida, extraviada procurando a felicidade por caminhos errados -, e seus acusadores, os escribas e fariseus, que “pensam que já sabem tudo, não precisam do ensinamento de Jesus”.
Os acusadores da mulher adúltera - explica Francisco - são aqueles que se vangloriam de “observadores da lei de Deus, pessoas regradas e justas. Não se preocupam com os próprios defeitos, mas mostram-se muito atentos na descoberta dos alheios”, ou seja, procuram Jesus não para escutá-lo, mas para encontrarem um motivo de queda para acusá-lo:
É um intento que fotografa a interioridade destas pessoas cultas e religiosas, que conhecem as Escrituras, frequentam o templo, mas subordinam tudo isto aos próprios interesses e não combatem os pensamentos maus que se agitam no seu coração. Aos olhos do povo, parecem peritos de Deus, e contudo não reconhecem Jesus; antes pelo contrário, veem-No como um inimigo que precisam de eliminar. Para o conseguir, colocam diante d’Ele uma pessoa, como se fosse uma coisa, chamando-a desdenhosamente «esta mulher» e denunciando publicamente o seu adultério. Pressionam para que a mulher seja apedrejada, derramando sobre ela a aversão que eles sentem pela compaixão de Jesus. E fazem tudo isto sob o manto da sua fama de homens religiosos.
Esse fato, explica Francisco, mostra que mesmo na nossa religiosidade “se podem insinuar a traça da hipocrisia e o vício de apontar o dedo; e isto a todo o momento, em qualquer comunidade”:
Há sempre o perigo de entender mal Jesus, ter o seu nome nos lábios, mas negá-Lo nas obras. E pode-se fazê-lo mesmo quando se levantam estandartes com a cruz.
“Então – pergunta o Papa - como saber se somos discípulos na escola do Mestre?” “Pelo nosso olhar – responde - pelo modo como olhamos para o próximo”, que pode ser como o faz Jesus, com misericórdia, ou como os acusadores do Evangelho, de forma acusatória e com desdenho:
Na realidade, quem julga defender a fé apontando o dedo contra os outros, até pode possuir uma visão religiosa, mas não adota o espírito do Evangelho, porque esquece a misericórdia, que é o coração de Deus.
Mas para compreender se somos verdadeiros discípulos do Mestre, “é preciso verificar também como olhamos para nós mesmos”. Os acusadores de que fala o Evangelho julgam não ter nada para aprender, sua aparência externa é perfeita, “mas falta a verdade do coração”:
São a figura dos crentes de cada época que fazem da fé um elemento de fachada, onde sobressai o aspeto exterior solene, mas falta a pobreza interior, que é o tesouro mais precioso do homem. De fato, para Jesus o que conta é a abertura disponível de quem não se sente perfeito, mas necessitado de salvação.
Neste sentido, “quando estivermos em oração e mesmo quando tomarmos parte em belas cerimônias religiosas, será bom perguntarmo-nos se estamos sintonizados com o Senhor”, perguntando a Ele: «Jesus, estou aqui convosco, mas Vós que quereis de mim? Que quereis que mude no meu coração, na minha vida? Como quereis que veja os outros?».
Perguntas de grande valia, “porque o Mestre não Se satisfaz com a aparência, mas busca a verdade do coração. E quando Lhe abrimos de verdade o coração, Jesus pode operar maravilhas em nós.” E isso, acontece com a mulher adúltera, “sua situação parece irremediável, mas aos seus olhos abre-se um horizonte novo, inconcebível”:
Coberta de insultos, pronta a receber palavras implacáveis e severos castigos, com maravilha vê-se absolvida por Deus, que lhe abre de par em par um futuro inesperado: «Ninguém te condenou? – diz-lhe Jesus – Também Eu não te condeno. Vai e de agora em diante não tornes a pecar». Que diferença entre o Mestre e os acusadores! Estes citaram a Escritura para condenar; Jesus, Palavra de Deus em pessoa, reabilita completamente a mulher, restituindo-lhe a esperança.
Este caso, diz o Papa, nos ensina “que qualquer advertência, se não for movida pela caridade e não contiver caridade, afunda ainda mais quem a recebe. Deus, pelo contrário, deixa sempre aberta uma possibilidade e sabe encontrar, todas as vezes, caminhos de libertação e salvação”:
A vida daquela mulher muda graças ao perdão. Apetece-me pensar que, perdoada por Jesus, ela por sua vez aprendeu a perdoar. Talvez passasse a ver os seus acusadores, já não como pessoas rígidas e perversas, mas como aqueles que lhe permitiram encontrar Jesus. O Senhor quer que também nós, seus discípulos, nós como Igreja, perdoados por Ele, nos tornemos testemunhas incansáveis de reconciliação: testemunhas dum Deus para o Qual não existe a palavra «irrecuperável»; dum Deus que sempre perdoa, continua a crer em nós e todas as vezes dá a possibilidade de recomeçar. Não há pecado ou fracasso que, levados a Ele, não possam tornar-se ocasião para começar uma vida nova, diferente, sob o signo da misericórdia.
O Senhor Jesus é assim, diz o Santo Padre. Bem o sabe, quem fez experiência do seu perdão, como por exemplo a mulher do Evangelho, que descobre “que Deus nos visita através das nossas chagas interiores: é sobretudo nestas que o Senhor prefere fazer-Se presente, pois não veio para os sãos, mas para os doentes”:
E hoje esta mulher, que conheceu a misericórdia na sua miséria e volta curada pelo perdão de Jesus, sugere-nos, como Igreja, que principiemos de novo a frequentar a escola do Evangelho, a escola do Deus da esperança que sempre nos surpreende. Se O imitarmos, não seremos levados a concentrar-nos na denúncia dos pecados, mas a sair amorosamente à procura dos pecadores. Não ficaremos a contar os presentes, mas iremos em busca dos ausentes. Não voltaremos a apontar o dedo, mas começaremos a pôr-nos à escuta. Não descartaremos os desprezados, mas olharemos como primeiros aqueles que são considerados últimos. Isto é o que Jesus nos ensina hoje com o exemplo. Deixemo-nos surpreender por Ele. Acolhamos com alegria a sua novidade.
- No Angelus em Malta, Papa recorda tragédia humanitária na Ucrânia
Ao final da Missa celebrada na manhã deste domingo na Praça dos Celeiros em Floriana, o Papa agradeceu as palavras a ele dirigidas pouco antes por Dom Charles Jude Scicluna, mas também ao presidente da República, autoridades, bispos, sacerdotes, religiosos e religiosas “e a todos os cidadãos e fiéis de Malta e de Gozo pelo acolhimento e os carinhos recebidos”, recordando que após o encontro com os irmãos migrantes, chegaria a hora de regressar a Roma, “mas levarei comigo muitos momentos e palavras destes dias”:
Sobretudo conservarei no coração muitos rostos, e o rosto luminoso de Malta! Agradeço também àqueles que trabalharam para esta visita, e desejo saudar cordialmente os irmãos e as irmãs de várias confissões cristãs e religiões que encontrei nestes dias. Peço a todos que rezem por mim; eu farei o mesmo por vós. Rezemos uns pelos outros!
Nestas ilhas – disse Francisco - respira-se o sentido do Povo de Deus, acrescentando:
Continuai assim, lembrando-vos de que a fé cresce na alegria e reforça-se no dom. Dai continuidade à corrente de santidade que levou tantos malteses a doarem-se com entusiasmo a Deus e aos outros. Penso em Dun Ġorġ Preca, canonizado há quinze anos.
Por fim, dirigiu uma palavra aos jovens, “que são o vosso futuro”:
Queridos amigos, partilho convosco a coisa mais bela da vida. Sabeis qual é? É a alegria de gastar-se no amor que nos faz livres. Mas esta alegria tem um nome: Jesus. Almejo-vos a beleza de vos enamorardes de Jesus, Deus da misericórdia, que crê em vós, sonha convosco, ama as vossas vidas e nunca vos decepcionará.
Antes de rezar o Angelus, dirigiu o olhar a Nossa Senhora, renovando o pedido pela paz na Ucrânia:
Que o Senhor vos acompanhe e Nossa Senhora vos guarde. A Ela rezemos agora pela paz, pensando na tragédia humanitária da atormentada Ucrânia, ainda sob os bombardeamentos. Não nos cansemos de rezar e ajudar quem sofre. A paz esteja convosco!
Fonte: Vatican News