Cultura

Artigo de Dom Pedro José Conti: A casa do pai





“Homem é preso após confessar que matou pai e mãe, em xx, diz a polícia. Corpos foram encontrados na sexta- feira xxx, e filho foi preso em flagrante. Conforme o delegado, o suspeito alegou que discutiu com os pais após o casal negar dinheiro para ele comprar drogas.”

Quando leio notícias como essa, vejo que infelizmente se repetem em vários lugares do mundo e pelos mais diversos motivos, então volta à minha memória a parábola de Jesus que encontramos no evangelho de Lucas e que a Liturgia nos oferece neste Quarto Domingo da Quaresma. É a parábola dos dois filhos e do pai misericordioso. Fico a imaginar como teria sido diferente a situação se o pai da parábola tivesse negado a parte da herança ao filho mais novo e, por isso, este o tivesse matado. O que teria acontecido depois? Como teria reagido o outro irmão? Talvez os dois podiam ter planejado juntos o assassinato, um para fugir e esbanjar o dinheiro e o outro para, finalmente, assar um cabrito e fazer festa com os seus amigos. Pura imaginação! Nada disso nos é apresentado na parábola de Jesus. No entanto chama atenção o descontentamento dos dois filhos: a casa do pai é uma prisão para ambos. O mais novo sonha com as aventuras da liberdade que o dinheiro do pai lhe permitiria, mas somente se for bem longe do controle paterno. O mais velho suporta a submissão ao pai na espera de ser, um dia, o dono de tudo. Nesse mal-estar, os dois irmãos se assemelham, por razões diferentes, mas o pai não é amado.No desenvolver da parábola, sabemos que o filho mais novo perde tudo e passa fome. “Caiu em si” e, de cabeça baixa, decide voltar para a casa do pai, ao menos, para ser um entre os empregados dele. Mais uma vez, esse pai nos surpreende. Já havia dividido a herança e agora corre ao encontro do filho, o abraça e manda fazer festa cheio de alegria. Na frente do filho que se declara pecador, o pai manifesta toda a sua bondade: nada de cobranças e castigos, somente beijos. Começam as músicas e as danças. Falta, porém, o outro filho, o mais velho, o obediente. A raiva dele é mais do que compreensível. A volta do irmão mais novo atrapalha os seus planos de poder cultivar no coração, desde que o outro tinha ido embora e ele tinha ficado, o fato, de ser o único herdeiro. Agora, terá que dividir novamente os bens do pai? Não é justo. Para que serviu obedecer? Ele trabalhador, sim, mereceria uma festa com os seus amigos, não o outro que já se divertiu tanto. O pai sai ao encontro do filho mais velho e lhe explica o porquê da festa: o irmão perdido foi encontrado novamente. Falta ainda o abraço de perdão dele. Mas a parábola termina antes disso e cabe a nós refletir sobre o possível desfecho.

oltamos ao pai não amado pelos dois filhos. Depois de tanta bondade e misericórdia, será que agora eles saberão agradecer ao pai, se tornarão mais irmãos e a família ficará unida para sempre? O filho mais novo sentiu saudade da casa paterna, viu que a liberdade que sonhava não era tudo o que imaginava. Voltou mais reflexivo e humilde e o pai o perdoou. Será que agora ele terá mais gratidão para este pai tão generoso e bondoso? Para o filho mais velho a lição do pai é diferente. Ele já provou, dividindo a herança, que não estava tão interessado nos bens materiais e, acolhendo o filho arrependido, manifestou claramente que lhe interessava, mesmo, era a presença do filho antes perdido no mundo. Talvez o filho mais velho, obediente e serviçal, cobrava um reconhecimento, um merecido prêmio de bens materiais. Não lhe interessavam a alegria da convivência familiar e, menos ainda, a disponibilidade a partilhar o perdão para o irmão rebelde. Afinal, era o pai que devia lhe agradecer por tanto trabalho e obediência e não o contrário.

Essa parábola tão extraordinária abre para nós muitos caminhos de reflexão, de arrependimento, de alegria ou até de revolta. Como é difícil compreender um Deus Pai tão misericordioso. Como é difícil desistir de julgar os outros. Como é difícil ser irmãos tão diferentes. Como é difícil deixar os motivos de divisão e abraçar as razões da fraternidade. As brigas continuam. Até quando?

 

Fonte: Diocese de Macapá