Cotidiano

Novo tribunal testará influência de Bolsonaro no Judiciário





Escolha de integrantes do novo TRF-6 passará por filtragem prévia no STJ

A criação do TRF-6 (Tribunal Regional Federal com sede em Minas Gerais) será um laboratório para medir a influência do presidente Jair Bolsonaro (PL) no Judiciário.

A proposta, de autoria do STJ (Superior Tribunal de Justiça), foi enviada ao Congresso quando a corte era presidida pelo ministro João Otávio de Noronha, mineiro e aliado de Bolsonaro.

Aprovada pelo Senado em setembro e sancionada pelo presidente no mês seguinte, deverá sair efetivamente do papel em 2022, quando será definida também a composição dos magistrados.

Por ser uma corte nova, a escolha de seus membros passará por filtragem prévia no STJ.

"O TRF-6 não dará margem de grande arbítrio político ao presidente da República", afirma Vladimir Passos de Freitas, ex-presidente do TRF-4, com sede em Porto Alegre. "É totalmente infundado qualquer temor de domínio político da nova corte federal", diz Freitas.

Dos 18 membros do TRF-6, 4 virão por indicação da Ordem dos Advogados do Brasil e do Ministério Público Federal. Listas sêxtuplas da OAB e do MPF passarão pelo STJ, que organizará listas tríplices. Só aí o presidente da República fará a escolha dos membros do chamado quinto constitucional.

O tribunal mineiro será desmembrado do TRF-1, com sede em Brasília. Pretenderiam voltar a Minas Gerais os autodenominados desembargadores José Amilcar Machado, Mônica Sifuentes e Ângela Catão, a mais antiga. Um deles poderá presidir o TRF-6.

Restariam 11 vagas, das quais 6 serão preenchidas pelo critério de antiguidade. A Bolsonaro sobrariam 5 nomeações, depois das listas tríplices do STJ.

No próximo dia 2 de janeiro, será aberto o edital para inscrições dos membros do TRF-1 interessados em remoções para Belo Horizonte. Quinze dias depois, serão abertas as inscrições para juízes de toda a Primeira Região. O TRF-1 tem jurisdição no Distrito Federal e em 13 estados.

Também será criada a Procuradoria Regional da República da 6ª Região, com sede em Belo Horizonte e atuação em todo o estado. Haverá 18 vagas de procuradores regionais e a extinção de 19 vagas de procuradores da República, para não gerar aumento de despesas. As vagas serão preenchidas por promoção de procuradores, segundo critérios alternados de merecimento e antiguidade.

A Justiça Federal em Minas funciona em três prédios. Um deles será desocupado para receber o novo tribunal. Três juízes vão cuidar da administração. Serão compostas cinco turmas de três magistrados. Cada gabinete começará a atuar com cerca de 19 mil processos. É um acervo inchado para um tribunal com pequena estrutura.

Na esteira da aprovação do TRF-6, o Paraná já se candidata a criar o TRF-7, com sede em Curitiba. Neste mês, os senadores Alvaro Dias e Oriovisto Guimarães, ambos do Podemos do Paraná, partido do ex-juiz Sergio Moro, entregaram ao atual presidente do STJ, Humberto Martins, uma proposta para a criação do sétimo tribunal federal, que teria jurisdição no Paraná, em Santa Catarina e Mato Grosso do Sul.

FolhaJus+

Receba no seu email as notícias sobre o cenário jurídico e conteúdos exclusivos: análise, dicas e eventos; exclusiva para assinantes.

Quem influi no STJ

A organização do TRF-6 testará a liderança dos ministros João Otávio de Noronha, autor do projeto, e Humberto Martins, seu sucessor, em cuja gestão o novo tribunal foi aprovado. Martins comanda o CJF (Conselho da Justiça Federal), órgão coordenador dos TRFs.

Os dois magistrados chegaram a ter seus nomes cotados para indicações feitas por Jair Bolsonaro ao STF (Supremo Tribunal Federal).

O TRF-6 foi aprovado pela Câmara dos Deputados no último dia da gestão de Noronha. Ele perdeu força interna ao deixar a presidência do STJ, mas dá as cartas nas articulações externas. Seu maior aliado é o ministro Sebastião Reis.

Acompanham Martins os ministros Mauro Campbell, Raul Araújo e Jorge Mussi, identificados com Asfor Rocha, ex-presidente do STJ. Rocha foi nomeado por Mussi conselheiro editorial do CJF, quando estava sob investigação.

Hoje, o fiel da balança no STJ é um grupo de ministros independentes: Maria Thereza de Assis Moura, Nancy Andrighi, Laurita Vaz, Isabel Gallotti, Regina Helena Costa, Herman Benjamin, Og Fernandes e Francisco Falcão.

O lobby para a composição do TRF-6 coincide com a escolha de juízes para duas vagas abertas no STJ com a aposentadoria de Napoleão Nunes Maia Filho e Nefi Cordeiro. A lista tríplice será votada em 23 de fevereiro.

FolhaJus Dia

Receba no seu email a seleção diária das principais notícias jurídicas; aberta para não assinantes.

Há alguns apoios e vetos conhecidos no STJ.

O piauiense Carlos Augusto Pires Brandão, do TRF-1, tem o aval do conterrâneo Kassio Nunes Marques, que se tornou ministro do STF após indicação de Bolsonaro.

Ney Bello pode ocupar a cadeira que foi de Napoleão. Ligado ao ex-presidente José Sarney (MDB), é amigo do ministro do STF Gilmar Mendes, de quem foi assessor.

Daniele Maranhão Costa é apoiada por Noronha e Maria do Carmo Cardoso, conhecida como Tia Carminha. Mônica Sifuentes tem a aprovação de Noronha. Os ministros paulistas fecharam em torno de Paulo Sérgio Domingues.

Messod Azulay Neto tem apoio dos ministros cariocas. Herman Benjamin defende Fernando Quadros da Silva, do TRF-4. João Pedro Gebran Neto, Leandro Paulsen e Victor Luiz dos Santos Laus, que julgaram recursos da Lava Jato, e Vivian Josete Pantaleão Caminha são considerados bons juízes, mas não teriam padrinhos.

Cid Marconi Gurgel de Souza é candidato de Asfor Rocha.

A força do Piauí

Com a nomeação de Kassio Nunes Marques para o STF, surgiu o "Grupo do Piauí", que terá peso nas duas votações no STJ.

Dele participam o piauiense Marcos Vinicius Furtado Coelho, ex-presidente da OAB, e Tia Carminha, tida como conselheira da família Bolsonaro. Ela e Kassio Nunes auxiliaram Humberto Martins na corregedoria nacional.

Em 2014, Marcus Vinicius apoiou a frustrada candidatura de Kassio Nunes à vaga do ex-corregedor Gilson Dipp no STJ.

Em 2015, Marcus Vinicius e Humberto Martins foram condecorados pela OAB alagoana. No último dia 3, Martins recebeu o título de cidadão piauiense, com a presença de Marcus Vinicius. O advogado foi um dos palestrantes do Fórum Jurídico de Lisboa organizado pelo IDP de Gilmar Mendes, que avalizou a nomeação de Kassio Nunes ao STF.

Quando era presidente do STJ, Noronha recebeu em 2018 em almoço o presidente eleito Jair Bolsonaro e os filhos Flávio (senador pelo RJ) e Eduardo (deputado federal por SP). Os ministros do STJ não foram convidados.

A aprovação do TRF-6 é vista como retribuição ao habeas corpus que Noronha concedeu, em julho de 2020, em favor de Fabrício Queiroz, acusado de participação no esquema das "rachadinhas" no gabinete do senador Flávio Bolsonaro. À época corregedor, Humberto Martins arquivou reclamação contra Noronha.

O peso de Minas

Noronha foi conselheiro federal da OAB por Minas Gerais.

Quando o advogado Marcelo Leonardo presidiu a seccional mineira da OAB (1998-2003), sugeriu ao então senador Arlindo Porto (PTB-MG) uma PEC (proposta de emenda à Constituição) para a criação do TRF em Minas.

Em novembro, Sérgio Rodrigues Leonardo, filho de Marcelo Leonardo, foi eleito presidente da OAB-MG. Ambos têm boas relações com Noronha e com o filho do ministro, advogado Otávio Henrique Menezes de Noronha.

Para comemorar a aprovação do TRF-6, Noronha ofereceu jantar em seu apartamento, em outubro, ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e a Antônio Anastasia (PSD-MG), relator do projeto de lei no Senado.

Em maio de 2020, em plena pandemia da Covid-19, o então diretor do Fórum da Seção Judiciária de MG, juiz André Prado de Vasconcelos, distribuiu medalhas e comendas a defensores do TRF-6: além de Pacheco, foram lembrados o deputado federal Fábio Ramalho (MDB-MG), relator do projeto na Câmara, e o juiz federal Ivanir César Ireno Júnior, então presidente da Associação dos Juízes Federais de Minas Gerais, e a juíza federal Maria do Carmo Cardoso, a Tia Carminha.

 

Confira outras notícias 

- Governo não pediu desoneração no Orçamento, diz relator

O relator-geral do Orçamento de 2022, deputado Hugo Leal (PSD-RJ), disse ao Poder360 que não incluiu a desoneração da folha de pagamento de empresas e a isenção de IPI de carros para taxistas e pessoas com deficiência no texto porque não houve pedido formal do Ministério da Economia.

Ambas as medidas são prioridades do Palácio do Planalto para o ano que vem. No Ministério da Economia houve surpresa e indignação quando descobriram na manhã desta 5ª feira (23.dez.2022) que o Orçamento foi aprovado sem os benefícios. Imputa-se o erro ao relator.

Leal, por sua vez, diz que o ministro da Economia, Paulo Guedes, não está interessado na solução do problema, e, sim, em achar um culpado para o desgaste político não cair nas costas dele”.

O custo da desoneração da folha de pagamentos é da ordem de R$ 8 bilhõespor ano, segundo o governo. Para a isenção do IPI para taxistas e pessoas com deficiência comprarem carros novos, mais R$ 1,9 bilhão.

Apesar de Hugo Leal ter dito que o governo não fez pedido de receitas para a desoneração da folha, o fato é que o PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual) de 2022 tinha uma menção ao tema. A equipe econômica havia reservado R$ 3,2 bilhões para prorrogar o alívio na tributação sobre folhas de salários de 17 setores da economia. No Orçamento aprovado, no entanto, não há receitas para bancar essa medida e a isenção de IPI na íntegra.

Teto de gastos

O governo federal teme que, se sancionar a desoneração da folha sem que o Orçamento aponte a compensação da renúncia de receita, o presidente Jair Bolsonaro (PL) possa ferir a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal).

Para Leal, o próprio projeto já afasta esse risco ao aumentar a alíquota da Cofins-Importação em 1 ponto percentual, resultando em mais receita.

No entanto, a necessidade de compensar a queda na fatia da receita que paga benefícios previdenciários provoca uma despesa primária (não financeira) que ficou fora do Orçamento. Para ela caber no teto de gastos, o governo terá de cortar de outras áreas.

Segundo o relator do Orçamento, Bolsonaro poderia sancionar o projeto da desoneração e, ao longo de 2022, o governo poderia encaminhar um PLN (Projeto de Lei do Congresso Nacional) com a inclusão da medida no orçamento e o cancelamento de outras despesas.

O líder do Governo no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO), seguiu a mesma linha de raciocínio. “Na dúvida, aguarda, faz um PLN, renegocia, busca, corta [despesas]. Se precisar de um PLN, a gente vai estar de volta ao Congresso em fevereiro, e não vai ser só esse que precisaremos fazer”, disse ao Poder360.

Guerra de versões

Os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco(PSD-MG), passaram o último fim de semana fazendo um pente-fino no relatório do Orçamento antes de ele ser oficialmente publicado no último domingo (19.dez.2021).

Deputados da base aliada do governo alegam que emissários da Economia poderiam ter alertado sobre a questão antes da votação do texto, realizada na 3ª feira. Dizem ainda que a cúpula do Congresso estaria ciente da ausência de previsão orçamentária para bancar as desonerações.

O argumento do relator do Orçamento e de aliados de Lira e Pacheco contrasta com o que foi o debate ao longo de vários meses sobre a manutenção da desoneração da folha de pagamento de salários.

Paulo Guedes e integrantes da equipe econômica muitas vezes disseram que isso só seria possível se houvesse fonte de receita definida.

No debate sobre a PEC dos Precatórios, que abriu um espaço fiscal de R$ 113,1 bilhões para gastos em 2022, era comum a equipe econômica dizer que parte do dinheiro estaria cobrindo a desoneração.

Quando os deputados dizem ter entendido que o governo reservara dinheiro para a desoneração, isso fica desconectado de todo o debate anterior a respeito do tema.

Leal, no entanto, argumenta que o espaço aberto pela PEC ficou restrito a gastos com seguridade social, “sem [o governo] informar a necessidade de espaço fiscal para a desoneração“.

 

- Orçamento: juízes criticam reajuste salarial a “único órgão”

A Associação dos Magistrados Brasileiros criticou nesta 5ª feira (23.dez.2021) a destinação de parte do orçamento para aumento do salário de “servidores de um único órgão às vésperas do ano eleitoral” e afirmou que espera uma “atuação” do chefe do Poder Judiciário, o presidente do STF, Luiz Fux.

Como mostrou o Poder360, uma brecha no orçamento abre a possibilidade da reserva de R$ 1,7 bilhão para o aumento salarial de servidores das forças de segurança federais ser dividida a outras categorias. O montante não foi “carimbado”, ou seja, ainda pode ser destinado a outros reajustes de acordo com decisão do Ministério da Economia.

Em nota, a presidente da AMB, Renata Gil, afirmou que é preciso “valorizar o trabalho de todas e de todos que se dedicam às carreiras públicas” e que a atuação do Judiciário brasileiro “resultou na destinação direta de milhões de reais” para o combate à pandemia.

Medidas estão sendo analisadas, mesmo nessa fase inicial da destinação de orçamento, para garantir que os princípios constitucionais caros e consagrados não sejam vilipendiados. Diversas entidades de servidores públicos se apoiam na AMB para que seja respeitada a nossa Constituição. Esperamos uma efetiva atuação do chefe e dos órgãos de referência do Poder Judiciário, a quem cabe zelar pelo correto cumprimento das leis e do texto constitucional”, afirmou Renata Gil.

Eis a íntegra da nota da AMB:

“A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) manifesta irresignação com a destinação de orçamento para aumento remuneratório dos servidores de um único órgão às vésperas do ano eleitoral. Para efetivar o acesso da população aos serviços públicos e fundamentais, no entanto, é preciso valorizar o trabalho de todas e de todos que se dedicam às carreiras públicas.

O Judiciário, durante todo o período da pandemia, marcado por sofrimento e incertezas, respeitou novos limites legislativos e atuou como garantidor dos diretores fundamentais e da democracia. A atuação das magistradas e dos magistrados brasileiros resultou na destinação direta de milhões de reais para o combate ao coronavírus.

Medidas estão sendo analisadas, mesmo nessa fase inicial da destinação de orçamento, para garantir que os princípios constitucionais caros e consagrados não sejam vilipendiados. Diversas entidades de servidores públicos se apoiam na AMB para que seja respeitada a nossa Constituição. Esperamos uma efetiva atuação do chefe e dos órgãos de referência do Poder Judiciário, a quem cabe zelar pelo correto cumprimento das leis e do texto constitucional.”

Renata Gil, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)

Fonte: Folha - Poder360