Política

Governo aposta na aprovação da PEC dos Precatórios em dois turnos ainda hoje





Líder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros, prevê que haverá quórum para a votação

Com a autoconfiança em dia, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), afirmou à CNN que vai conseguir aprovar o texto da PEC dos Precatórios em primeiro e segundo turnos na sessão desta quarta-feira (3).

Já houve a chamada quebra de interstício, em que é pulado o período de espera entre um turno e outro, justamente para concluir a votação em uma mesma sessão. A fase de debates também já foi esgotada na semana passada. Quando deputados governistas e de oposição forem a plenário hoje, na prática, é para votar mesmo. “Não há dúvidas de que teremos quórum e vamos aprovar a PEC”, afirmou Barros.

A perspectiva é de que a votação vare a noite. No início desta tarde, líderes estarão com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), inclusive os da oposição. “Estamos em diversas reuniões. Eu acho muito difícil votar o texto hoje. Não tem clima, na volta de um feriado. Pontos do texto ainda estão sendo discutidos”, afirmou o líder petista, Bohn Gass, à CNN.

Em Brasília, a máxima é não fazer conta apertada com quórum baixo. Em dias normais, uma proposta como esta seria colocada em votação com margem de segurança de 500 deputados em plenário. O cenário ideal para a votação esbarrou, no entanto, no feriado e exigiu mais articulação do governo.

“Eu ainda estou no aeroporto porque meu voo foi cancelado”, afirmou o deputado Ênio Verri, que está vindo do Paraná. “Eu já cheguei. Passei na Câmara, marquei presença e agora estou fazendo checkin no hotel. Vou aguardar marcarem a sessão e corro para lá rapidinho”, disse entusiasmado o deputado governista Capitão Augusto à CNN.

O importante é registrar presença para somar quórum. Na hora da votação, não é obrigatório estar em plenário, pode-se votar pelo aplicativo da Câmara pelo celular, se quiser.

- Lira tem reunião com aliados em busca de quorum para PEC dos Precatórios 

Na articulação para votar ainda nesta quarta (3) a PEC dos Precatórios, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) se reúne com lideranças aliadas para tentar um acordo. Persistem divergências sobre a redação do texto apresentado, entre as quais o bloqueio sobre de verbas destinadas à educação. Outro ponto delicado está na liberação de emendas parlamentares. Deputados da base e do centro estariam pedindo mais recursos para garantir o quorum, enquanto o governo ameaça com cortes nas emendas impositivas.

Desde o dia 18 de outubro a Câmara retomou as atividades presenciais, mas Lira tem encontrado dificuldade para mobilizar os parlamentares para as votações em plenário. Na semana passada, o presidente da Câmara tentou colocar a PEC dos Precatórios em votação por quatro vezes, a última delas no dia 27, mas o baixo quórum adiou a análise da matéria. 

Por se tratar de uma alteração na Constituição, é preciso um mínimo de 308 votos favoráveis em dois turnos. Para se alcançar isso, estima-se que sejam necessários de 480 a 500 deputados em plenário. Na sessão do dia 27 esse número estava abaixo dos 450 deputados.

A PEC dos precatórios prorroga o pagamento de dívidas da União sobre as quais esgotaram os recursos na justiça. A partir dela seriam liberados aproximadamente R$ 84 bilhões para despesas no próximo ano, conforme o relator, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB). Um colchão orçamentário que o governo alega necessário para implementação do Auxílio Brasil, benefício que substitui o Bolsa Família.

O último pagamento do Bolsa Família foi repassado aos beneficiários, que somam mais de 14 milhões de brasileiros, na última sexta (29). Enquanto não define as regras do programa substituto, o governo avalia uma prorrogação do Auxílio Emergencial.

Na segunda-feira, como mostrou o Congresso em Foco, frentes parlamentaresligadas à livre iniciativa, divulgaram notas contra a PEC e contra a possibilidade de o governo ultrapassar o teto de gastos para pagar o valor de R$ 400 no Auxílio Brasil. Manifestaram-se nesse sentido a Frente Parlamentar pelo Brasil Competitivo e a Frente Parlamentar pelo Livre Mercado.

- Como PEC dos Precatórios pode abrir portas para 'gastança' de deputados

O plenário da Câmara dos Deputados

Agência Câmara dos Deputados

Plenário da Câmara; há meses o governo Bolsonaro tenta formar maioria na Casa para aprovar a PEC dos Precatórios

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que altera regras do chamado teto de gastos dos governo e cria novas normas para o pagamento de precatórios será votada nesta quarta-feira (3/11) na Câmara dos Deputados. Se aprovada, ela segue para o Senado e depois para a sanção presidencial. 

O governo Bolsonaro tenta há meses reunir maioria na Câmara para votar a favor da proposta, conhecida como PEC dos Precatórios, porque ela ampliará a margem de gastos do governo e possibilitará, entre outras coisas, o financiamento do Auxílio Brasil, o novo programa social que vai substituir o Bolsa Família. 

A expectativa do governo é que o novo programa possa ajudar a recuperar a popularidade de Bolsonaro para a disputa eleitoral do próximo ano. Atualmente, o presidente aparece em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto, atrás de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Além da discussão sobre a importância do teto e do pagamento de precatórios para a responsabilidade fiscal e segurança jurídica, analistas e membros da oposição apontam que a abertura de espaço no orçamento vai possibilitar a liberação de emendas parlamentares além das previstas na lei orçamentária para o ano que vem. 

Entenda como isso pode acontecer e por que a PEC tem sido motivo de tantas disputas. 

 

Dinheiro pode acabar em emendas

 

Os dois principais mecanismos pelos quais a PEC abrirá espaço no orçamento são a mudança da forma de cálculo do reajuste do teto de gastos do governo e o não pagamento dos precatórios - dívidas da União com diversos tipos de credores para as quais não há possibilidade de recurso. 

Também há uma série de outras medidas incluídas nos detalhes da PEC dos Precatórios envolvendo gastos e receitas da União. 

Uma delas é o fim da necessidade de aprovação do Congresso caso o governo queira desrespeitar a chamada "regra de ouro" - o princípio constitucional que impede o governo de se endividar para pagar despesas correntes. Desde 2018 o governo tem pedido autorização do Congresso para desrespeitar a regra - e tido o pedido autorizado. 

Outra medida é a criação da possibilidade de Estados e Municípios parcelarem suas dívidas com a União caso aprovem reformas da Previdência locais - o que poderia atrair os prefeitos a pressionarem deputados para aprovação da proposta. 

O governo disse em outubro que a PEC, se aprovada, vai abrir espaço de mais R$ 91,6 bilhões para novos gastos em 2022. 

Notas de 50 reais e 100 reais

Getty Images

Manobra do governo para alterar o teto de gastos é criticada por especialistas

Nem todo esse valor, no entanto, será usado no Auxílio Brasil. Segundo o governo, o excedente seria gasto em ajustes de benefícios vinculados ao salário mínimo, elevação de outras despesas obrigatórias e despesas de vacinação contra a covid-19. 

O que a oposição e analistas de contas públicas apontam, no entanto, é que as mudanças promovidas pela proposta também abrem espaço para o uso do dinheiro para as chamadas "emendas de relator" - um tipo de emenda que começou a vigorar no ano passado e na qual o relator define quanto e onde os recursos serão aplicados. 

Esse tipo de emenda foi duramente criticada pelo Secretário-Geral de Controle Externo do TCU (Tribunal de Contas da União), Leonardo Albernaz, em uma audiência pública neste ano. Ele argumentou que não há um "critério objetivo que norteie a distribuição" dessas emendas. Ou seja, é dinheiro público cujo uso e distribuição é determinado sem transparência e sem regras, e que acaba servindo como moeda de troca pelo governo para garantir apoio de parlamentares.

Segundo Gil Castelo Branco, da associação Contas Abertas, esse tipo de emenda também facilita a corrupção - e o espaço no orçamento aberto pela PEC na prática vai acabar sendo usado para financiá-la. 

"Parte do valor para o Auxílio Brasil já está prevista na lei orçamentária. Dos R$ 91 bilhões que o governo anunciou, R$ 50 bi iria para o auxílio", diz Castelo Branco à BBC News Brasil. "O resto o governo diz que é para poder corrigir os parâmetros do orçamento, mas a gente sabe que na prática ele vai para as emendas." 

"Acompanho o orçamento há 40 anos e não vejo algo tão promíscuo desde o escândalo dos anões do orçamento", afirma o analista. O escândalo dos anões do orçamento foi uma série de fraudes cometidas por parlamentares com recursos do orçamento da União entre o fim dos anos 1980 e o começo da década de 1990 . 

 

Objeções desde o início

 

A PEC tem sido motivo de grande discussão desde o meio do ano porque o teto de gastos é visto como essencial para a responsabilidade fiscal e sua flexibilização gera desconfiança do mercado.

Além disso, o não pagamento dos precatórios é visto como fator de insegurança jurídica por analistas, membros da oposição e até por deputados da própria base do governo. Entre os prejudicados, podem estar professores da rede pública que seriam pagos com dinheiro do pagamento de dívidas da União com Estados e Municípios. 

A ameaça ao teto de gastos, contrária aos princípios liberais que o ministro da Economia Paulo Guedes sempre disse defender, gerou inclusive uma debandada no alto escalão da pasta. O ministério disse que as pessoas saíram por motivos pessoais. 

Jair Bolsonaro e Paulo Guedes

AFP

A ameaça de furar o teto de gastos gerou uma demandada do Ministério da Economia, comandado por Paulo Guedes

Após reações negativas do mercado e rumores que Guedes iria sair, o ministro deu uma declaração defendendo a aprovação da medida. 

"As pessoas falam: 'Você não é defensor do teto?' Eu sou defensor do teto. Eu vou continuar defendendo o teto", disse ele. "Agora, o presidente tem que tomar uma decisão política muito difícil: se ele respeita o teto ou deixa 17 milhões de famílias passando fome. Então, ele tem que pedir uma ação social que proteja a população. E eu tenho que calibrar essa ajuda", disse.

A oposição, que não é majoritária, já fechou posição contra a aprovação da PEC dos Precatórios.

Enquanto isso, o governo tem trabalhado nas últimas semanas para obter apoio suficiente na Câmara para aprovar a proposta. Mas a PEC não tem apoio total nem mesmo de deputados que normalmente votam com o governo. 

"Não terá meu voto se não partir da premissa do pagamento integral dos precatórios", diz Marcelo Ramos (PL-AM). 

Ramos é um dos defensores de uma mudança na proposta que preveja o pagamento de parte dos precatórios fora do teto de gastos, algo rejeitado pelo governo. 

Confira outras notícias:
- Relator prepara votação do PL das Fake News para novembro 

Já aprovado no Senado Federal e agora tramitando na Câmara, o Projeto de Lei (PL) 2630/2020, conhecido como ‘PL das Fake News’, deverá ser votado até a terceira semana de novembro, conforme planeja seu relator, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP). O projeto não altera somente o entendimento público sobre a divulgação de notícias falsas, mas toda a política de transparência em plataformas de rede social e de circulação de informações na internet brasileira.

O relatório foi protocolado na Câmara e uma última reunião do grupo de trabalhos está prevista para acontecer na quinta-feira (4). Na semana seguinte, Orlando Silva deve se reunir com os líderes da Câmara para discutir a votação. A ideia é  que o texto seja votado na semana do dia 16. “A fase que estamos agora é de muita conversa, para que possamos amadurecer o texto e apresentar no plenário”, afirmou.

O grupo de trabalho responsável pelo PL elaborou mudanças significativas ao longo de sua tramitação na Câmara. Entre elas, a inclusão de plataformas de pesquisa como Google e Yahoo no escopo da lei, até então direcionada apenas a redes sociais e serviços de mensagem instantânea, como Whatsapp e Telegram.

Outro elemento de peso no projeto é a proibição da venda e distribuição de softwares que permitam a divulgação de disparos em massa em aplicativos e serviços de mensagens instantâneas. A própria prática dos disparos em massa fica restrita a serviços comerciais, e os provedores das ferramentas ficam responsáveis por monitorar para que não sejam feitos disparos do tipo com finalidades eleitorais.

A exclusão de conteúdo e demais sanções por parte das plataformas de rede social passa a contar com algumas regras. Provedores ficam obrigados a notificar os usuários sobre a natureza da sanção aplicada, e a orientar o usuário sobre qual caminho seguir caso queira contestar a decisão. Provedores também deverão ser transparentes quanto a mudanças nas regras de moderação de conteúdo.

O poder público também contará com novas responsabilidades ao promover conteúdo em rede. Perfis de órgãos públicos deverão oferecer mecanismos para que usuários possam denunciar fake news, e ficam proibidos de usar recursos públicos para impulsionar conteúdo em plataformas de empresas que não tenham sede no Brasil.

Prós e contras

De acordo com o professor de direito constitucional Thiago Sorrentino, o PL das Fake News possui elementos positivos e negativos no regramento da internet no Brasil. Seu temor está nas propostas relacionadas ao poder das agências de fact checking, considerando que “o PL dá poder excessivo às agências de verificação, que são entidades privadas alheias a qualquer tipo de fiscalização ou controle”. Essas agências passam, na atual forma do texto, a poder contar com um representante dentre os membros do Comitê Gestor da Internet.

Por outro lado, o jurista considera que “Em essência, o projeto cria mecanismos para obrigar as empresas a manterem meios de identificação dos emissores de mensagens em massa ou consideradas falsas. Dada a maior chance de identificação dos emissores, os políticos, candidatos e respectivas equipes provavelmente terão mais cuidado sobre o que divulgarão”.

Orlando Silva considera que, independente de quais elementos do projeto forem ou não aprovados, há no Brasil a necessidade de uma lei que deixe claro o entendimento do Estado sobre fake news e transparência no meio digital. “É necessário regulamentar os meios de enfrentamento às fake news para que nós possamos sair dessa ‘zona cinza’. O judiciário, o executivo e o legislativo precisam de segurança jurídica. Não basta apenas termos interpretações do judiciário sem que tenhamos uma lei estabelecendo quais são as devidas responsabilidades”, disse ao Congresso em Foco.

Fonte: CNN Brasil - Congresso em Foco - BBC News Brasil