Salvatore Cernuzio/Mariangela Jaguraba – Vatican News
"Tudo está interligado, tudo no mundo está intimamente conexo": ciência e fé, homem e criação. Portanto, é necessário adotar comportamentos e ações modelados na "interdependência" e "corresponsabilidade" e, sobretudo, no "respeito" recíproco, a fim de combater aquelas "sementes de conflito" tais como ganância, indiferença, ignorância, medo e violência que causam feridas tanto no ser humano quanto no meio ambiente. No dia do primeiro aniversário da Encíclica Fratelli tutti, dedicada à fraternidade humana, o Papa Francisco reúne, esta segunda-feira (04/10), na Sala das Bênçãos, no Vaticano, cientistas, especialistas e líderes religiosos (dentre eles o Grão Imame de al-Azhar, Ahmad al-Tayyeb, e o Patriarca Ecumênico de Constantinopla, Bartolomeu I) para o encontro "Fé e Ciência. Rumo à Cop 26". Um evento que - como diz o título – olha para a conferência climática anual da ONU programada para se realizar, em Glasgow, na Escócia, de 31 de outubro a 12 de novembro.
Em meio a música e momentos de silêncio, discursos e debates em vários idiomas, todos os presentes assinaram um apelo conjunto no qual ilustraram vários percursos educacionais e de formação a serem desenvolvidos em favor do cuidado da Casa comum. O Pontífice entregou o documento ao presidente da Cop26, Alok Sharma, e ao ministro das Relações Exteriores italiano, Luigi Di Maio; junto com ele, as três páginas de seu discurso: "Vocês têm a transcrição do que tenho a dizer agora e para não sair fora do tempo necessário para todos falarem, deixo o texto em suas mãos. Vocês podem lê-lo e assim continuamos esta celebração."
No discurso entregue, o Pontífice recorda que “o encontro de hoje, que une muitas culturas e espiritualidades num espírito de fraternidade, reforça a consciência de que somos membros de uma única família humana: cada um de nós tem a sua própria fé e tradição espiritual, mas não existem fronteiras e barreiras culturais, políticas ou sociais que nos permitam isolar-nos”.
Francisco indica três conceitos-chave para refletir sobre esta colaboração recíproca:
“O olhar de interdependência e partilha, o motor do amor e a vocação ao respeito.”
O Papa parte do conceito de "harmonia divina" presente no mundo natural, o que demonstra que "nenhuma criatura é suficiente a si mesma. Cada uma existe apenas na dependência das outras, para se completarem mutuamente, a serviço umas das outras". "Plantas, águas, seres vivos são guiados por uma lei nelas impressa por Deus para o bem de toda a criação", enfatiza o Pontífice.
Reconhecer que o mundo está interconectado significa não apenas compreender as consequências nefastas de nossas ações, mas também identificar comportamentos e soluções que devem ser adotados com olhos abertos para a interdependência e a partilha.
O conceito é o mesmo que foi expresso pelo Papa durante estes longos e difíceis meses de pandemia: "Não podemos agir sozinhos". O Pontífice enfatiza que "o compromisso de cada pessoa de cuidar dos outros e do meio ambiente é fundamental". Um compromisso "que leva a uma mudança urgente de rumo e que também deve ser alimentado pela própria fé e espiritualidade"; um compromisso que deve ser continuamente incentivado pelo motor do amor. "Do fundo de cada coração, o amor cria laços e amplia a existência quando faz a pessoa sair de si mesma em direção ao outro", diz o Papa. Esta "força propulsora do amor" não é "posta em movimento" de uma vez por todas, "deve ser reavivada a cada dia". As religiões e tradições espirituais podem oferecer uma grande contribuição neste sentido.
O amor é o espelho de uma vida espiritual intensamente vivida. Um amor que se estende a todos, além das fronteiras culturais, políticas e sociais; um amor que se integra também e sobretudo em benefício dos últimos, que são muitas vezes aqueles que nos ensinam a superar as barreiras do egoísmo e a derrubar as paredes do eu.
"Este é um desafio", aponta o Papa Francisco, "que enfrenta a necessidade de combater essa cultura do descarte, que parece prevalecer em nossa sociedade e que se acomoda no que o nosso Apelo Conjunto chama de sementes de conflito: ganância, indiferença, ignorância, medo, injustiça, insegurança e violência". As mesmas sementes de conflito que causam "as feridas graves" que infligimos ao meio ambiente: mudanças climáticas, desertificação, poluição, perda de biodiversidade. São feridas que, diz o Papa, citando a Caritas in Veritate, levam à "ruptura daquela aliança entre o ser humano e o ambiente que deve espelhar o amor criativo de Deus, do qual viemos e para o qual caminhamos".
O Papa e o patriarca ecumênico de Constantinopla, Bartolomeu I
O Papa indica "exemplo e ação", por um lado, e "educação", por outro, como os dois "planos" para enfrentar este desafio que tem "o sabor da esperança", já que "não há dúvida de que a humanidade nunca teve tantos meios para atingir este objetivo como hoje". Ele recorda a "vocação ao respeito":
Respeito pela criação, respeito pelo próximo, respeito por si e respeito pelo Criador. Mas também respeito recíproco entre fé e ciência, a fim de entrar num diálogo entre elas orientado para o cuidado com a natureza, a defesa dos pobres, a construção de uma rede de respeito e fraternidade.
"O respeito", sublinha o Pontífice, "não é um mero reconhecimento abstrato e passivo do outro", mas uma ação "empática e ativa" destinada a "querer conhecer o outro e entrar em diálogo com ele a fim de caminhar juntos neste caminho comum". "Uma viagem que levará à Cop 26 em Glasgow que", conclui o Papa, "é urgentemente chamada a oferecer respostas eficazes à crise ecológica sem precedentes e à crise de valores em que vivemos, e assim oferecer esperança concreta às gerações futuras".
- Apelo de cientistas e líderes religiosos: ações rápidas para curar a Casa comum ferida
Salvatore Cernuzio/Mariangela Jaguraba – Vatican News
"Herdamos um jardim: não devemos deixar um deserto para os nossos filhos." A imagem é simbólica, mas o compromisso é concreto. Cientistas e líderes religiosos de diferentes culturas e países assinaram um Apelo conjunto com o Papa, esta manhã (04/10), na Sala das Bênçãos, no Vaticano, para selar o encontro "Fé e Ciência" convocado pelo Pontífice antes da Cop26 de Glasgow. "O conhecimento da ciência e a sabedoria das religiões" se unem para pedir à Comunidade internacional, que estará representada na Escócia de 31 de outubro a 12 de novembro, no evento da ONU, para que "tome medidas rápidas, responsáveis e compartilhadas para salvaguardar, restabelecer e curar nossa humanidade ferida e a Casa confiada aos nossos cuidados". Concretamente, isto se traduz em "atingir zero emissões de gás carbônico o mais rápido possível, assumindo a iniciativa de reduzir nossas próprias emissões e financiar a redução de emissões das nações mais pobres" (Leia o apelo completo aqui).
Todos os governos devem adotar uma trajetória que limite o aumento da temperatura média global a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais.
Olhamos para o futuro, para as novas gerações que "não nos perdoarão se perdermos a oportunidade de proteger nossa Casa comum", mas devemos agir no presente: "Agora é o momento de tomar medidas transformadoras como resposta comum", afirma o documento. Urgentes, na verdade, são os "desafios sem precedentes que ameaçam nossa bela Casa comum", todos ligados a "uma crise de valores, de ética e espiritualidade".
As nossas crenças e espiritualidades ensinam o dever de cuidar da família humana e do ambiente em que se vive. Somos profundamente interdependentes uns dos outros e do mundo natural. Não somos donos ilimitados de nosso planeta e de seus recursos.
Portanto, é uma "obrigação moral" cooperar na cura do planeta e ser "guardiães do ambiente natural com a vocação de cuidar dele". Isto deve ser feito trabalhando "a longo prazo", "num âmbito de esperança e coragem", e ao mesmo tempo mudando "a narrativa do desenvolvimento". "As mudanças climáticas são um ameaça grave", dizem os signatários do Apelo, e imploram as nações com maior responsabilidade e capacidade a "fornecerem apoio financeiro substancial aos países vulneráveis e acordarem novas metas que lhes permitam tornar-se resistentes ao clima, adaptar-se às mudanças climáticas e enfrentá-las".
Os direitos dos povos indígenas e das comunidades locais devem receber uma atenção especial.
Os governos também são chamados a adotar "práticas de uso sustentável da terra que respeitem as culturas locais e a promover estilos de vida e modelos de consumo e produção sustentáveis". "Deve-se considerar plenamente os efeitos da força de trabalho desta transição", afirma o documento, que convida as instituições financeiras, bancos e investidores a "adotarem um financiamento responsável" e as organizações da sociedade civil a "enfrentarem estes desafios num espírito de parceria".
Foi feita a promessa de um compromisso conjunto das diferentes religiões de "aprofundar os nossos esforços para provocar uma mudança de coração entre os membros de nossas tradições na forma como nos relacionamos com a Terra e com outras pessoas", bem como de "encorajar nossas instituições educacionais e culturais a fortalecer e priorizar a educação ecológica integral", participando "ativamente" no discurso público sobre questões ambientais e engajando congregações e instituições para "construir comunidades sustentáveis, resilientes e justas".
- Papa e o Grão Imame: um livro sobre o caminho do Documento de Abu Dhabi
Silvonei José - Vatican News
Uma crônica precisa dos passos dados para chegar à elaboração, à partilhar e à assinatura em Abu Dhabi do histórico Documento sobre a Fraternidade Humana, o livro O Papa e o Grão Imame. O caminho espinhoso. O livro, publicado por “San Paolo”, traz a importante assinatura de Mohammad Abdulsalam, juiz do Conselho de Estado egípcio e, por mais de nove anos, assessor jurídico e processual do Grão Imame Ahmed Al-Tayyeb. Hoje, ele é Secretário Geral do Comitê para a Fratrnidade Humana, que foi estabelecido após a assinatura da Declaração Conjunta.
Abdulsalam, membro do Centro Al-Azhar para o Diálogo Inter-religioso, foi testemunha, em algumas passagens também ocular, do desenvolvimento das relações cada vez mais respeitosas e amigáveis entre Francisco e Al-Tayyeb, através de encontros informais, visitas de cortesia e audiências. A última, na manhã desta segunda-feira, 04 de outubro, no Palácio Apostólico após o encontro no Vaticano "Fé e Ciência. Rumo à Cop26”.
O autor colaborou e testemunhou pessoalmente a intensificação do diálogo e da compreensão mútua entre os dois importantes personagens e relata a gênese da ideia de uma Conferência sobre a fraternidade universal e de um Documento a ser assinado em conjunto diante do mundo. O evento ocorreu em 4 de fevereiro de 2019, no contexto da viagem do Papa aos Emirados Árabes Unidos, que iniciou um processo de reconstrução das relações entre muçulmanos e cristãos.
O livro também destaca o papel desempenhado pelos Emirados Árabes Unidos (EAU) no apoio à iniciativa tomada pelos dois líderes religiosos, como uma contribuição ao diálogo entre muçulmanos e cristãos e à paz mundial. O livro da editora “San Paolo” tem um prefácio do Grão Imame e do Papa Francisco, que lembra em seu texto que "o caminho da fraternidade é comum, longo e difícil, mas é a âncora de salvação para nossa humanidade". Os "verdadeiros crentes", escreve o Papa, "são aqueles que protegem os direitos dos outros com a mesma força com que defendem os seus, porque o único extremismo que um crente pode aceitar é o do amor".
- A ajuda do Papa ao Sudão do Sul e à Grécia atingidos por enchentes e incêndios
Benedetta Capelli – Vatican News
Francisco fez sentir sua "proximidade espiritual" tanto com o Sudão do Sul quanto com a Grécia. Através do Dicastério para o Serviço de Desenvolvimento Humano Integral enviou sua contribuição para apoiar as populações em dificuldade, e para expressar – lê-se numa declaração do Dicastério - o "incentivo paternal" para com o povo e para com os territórios afetados. Uma proximidade que vai de mãos dadas com a oração e a "ajuda que está sendo ativada em toda a Igreja Católica, que também envolve numerosas organizações caritativas".
O Papa Francisco enviou 75 mil dólares para o Sudão do Sul como contribuição às atividades de emergência e programas de subsistência para a população afetada, particularmente na diocese de Malakal. O país foi atingido por fortes chuvas e enchentes devastadoras em agosto passado. Uma calamidade que obrigou o deslocamento de mais de 12 mil pessoas, com cerca de 6 mil casas danificadas ou destruídas e danos materiais consideráveis, especialmente para a agricultura, uma das principais atividades da população. Nos últimos dias, Médicos Sem Fronteiras lançaram o alarme sobre o agravamento das condições de saúde da população devido à falta de água potável e à escassez de alimentos.
Save the Children também relatou a situação das crianças do país, apontando que a fome forçou muitas delas a abandonarem a escola, colocando as meninas em risco de casamento precoce e exploração sexual e forçando alguns jovens ao crime. Além disso, o Sudão do Sul, o estado mais jovem do mundo, está no auge de uma grave crise política que vem se verificando há anos e para a qual parece difícil encontrar uma solução imediata. Um relatório recente das Nações Unidas lançou luzes sobre numerosos episódios de corrupção, com milhões de dólares fluindo dos cofres do Estado para os bolsos de dezenas de líderes políticos, militares e homens de negócio.
Além do país africano, o Papa também pensou na Grécia, enviando uma contribuição inicial de 50 mil euros para apoiar as pessoas que, desde agosto passado, sofreram graves prejuízos devido aos incêndios que irromperam na ilha de Evia, na península da Ática e na região do Peloponeso, destruindo mais de 100 mil hectares de terra, campos e culturas. De acordo com a declaração emitida pelo Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral, esta soma será utilizada para atividades promovidas pela Caritas Hellas na região.
O que ocorreu na Grécia causou mais de 70 mortes, grandes danos com três cidades afetadas, oito vilarejos isolados, turistas e moradores forçados a evacuar. O arcebispo de Atenas, dom Sebastianos Rossolatos, falou então de "um verdadeiro inferno, uma carnificina", apontando o dedo também para as ações indiscriminadas do homem e a falta de respeito pela Criação.
- Telegrama de pesar do Papa pela morte do cardeal Jorge Medina Estévez
Gabriella Ceraso – Vatican News
Nesta segunda-feira (04) será realizado na Catedral Metropolitana de Santiago do Chile o funeral do Cardeal Jorge Medina Estévez, bispo de Rancagua, Valparaíso, que faleceu dia 3 de outubro aos 94 anos. Uma longa vida dedicada ao serviço da Igreja e da Santa Sé pela qual ocupou numerosos cargos importantes, em particular o de Prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos e de cardeal protodiácono, função com a qual anunciou publicamente o nome de Bento XVI, eleito em 19 de abril de 2005, impondo-lhe depois o Pálio Petrino na cerimônia de início de seu Pontificado em 24 de abril de 2005.
O Papa Francisco enviou um telegrama de pesar pela morte do Cardeal Jorge Arturo Medina Estévez endereçado a Dom Alberto Ortega Martin, Núncio Apostólico no Chile. Em seu telegrama Francisco o recorda como “um dedicado prelado que durante anos e com fidelidade, deu sua vida ao serviço de Deus e da Igreja universal também como Prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos”. Em seguida escreveu: “ofereço sufrágios para o descanso eterno de sua alma, para que o Senhor Jesus lhe conceda a coroa da glória eterna”.
O Cardeal Jorge Arturo Medina Estévez nasceu em Santiago do Chile em 23 de dezembro de 1926. Na mesma cidade completou seus estudos primários e secundários no Liceu Alemán e, antes de ingressar no Seminário Maior, frequentou a Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Chile, obtendo o título de Bacharel em Letras e Biologia.
Sua ordenação sacerdotal foi em 12 de junho de 1954. No ano seguinte, formou-se em Teologia e começou a lecionar na Faculdade da Pontifícia Universidade Católica do Chile até 1994. Durante alguns anos também foi reitor da Faculdade de Teologia e mais tarde pró-grão chanceler da Pontifícia Universidade, assim como Cônego Penitenciário da Catedral Metropolitana de Santiago e, durante alguns anos, juiz do Tribunal Eclesiástico de Santiago.
Em 1962, o Papa João XXIII o nomeou como especialista no Concílio Vaticano II e esta nomeação lhe permitiu acompanhar todas as suas etapas e, em particular, algumas das comissões do Concílio, especialmente a teológica.
Foi eleito bispo titular de Tibili e ao mesmo tempo nomeado auxiliar de Rancagua em 18 de dezembro de 1984, recebeu a ordenação episcopal no ano seguinte, na solenidade da Epifania, por João Paulo II na Basílica de São Pedro. Entre 1986 e 1987 foi administrador apostólico da diocese de Rancagua e depois bispo, antes de ser nomeado bispo de Valparaíso por João Paulo II em 1993.
Foi chamado para a Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos em 21 de junho de 1996, quando João Paulo II o nomeou pró-prefeito da Congregação e, dois anos mais tarde, prefeito do dicastério, onde permaneceu no cargo até 2002. Nos mesmos anos recebeu a púrpura: foi João Paulo II quem o criou cardeal no Consistório de 21 de fevereiro de 1998. Em 24 de fevereiro de 2005 foi nomeado protodiácono do Colégio dos Cardeais. Participou do Conclave de 18-19 de abril de 2005, como cardeal protodiácono, anunciou o nome do recém-eleito Bento XVI e na cerimônia de início de seu pontificado impôs o pálio Petrine, em 24 de abril de 2005.
O Cardeal Jorge Medina Estévez escreveu numerosas publicações sobre eclesiologia, espiritualidade e direito canônico. Por sua participação no Concílio Vaticano II, o cardeal recebeu um doutorado honorário da Universidade de Notre Dame, Indiana, em 1996. Também seu ensinamento e publicações foram a base para a concessão do grau de Doutor Scientiae et honoris causa da Pontifícia Universidade Católica do Chile. Foi também nomeado Capelão Honorário do Hospital Soberano e da Ordem Militar de São João de Jerusalém, de Rodes e de Malta.
Com o falecimento do Cardeal Jorge Arturo Medina Estévez, que não era eleitor, o Colégio Cardinalício é agora formado por 215 cardeais, 121 dos quais são eleitores e 94 são não-eleitores.
- Vaticano, religiões unidas pelo planeta: mudar o rumo para ter futuro
Alessandro Di Bussolo/Mariangela Jaguraba – Vatican News
A caneta para assinar o apelo sobre o qual estão trabalhando desde o início do ano, o silêncio para rezar juntos, cada um de acordo com seuss próprios credos, mantendo no coração os pobres, os primeiros a serem danificados pelas mudanças climáticas, a voz para reiterar o compromisso de salvar a Terra, nossa Casa comum, e por fim a mão para derramar um copo de terra no vaso de uma jovem oliveira plantada nos Jardins Vaticanos.
Quatro gestos e momentos resumem o evento histórico realizado na manhã de 4 de outubro, festa de São Francisco de Assis, na Sala das Bênçãos, no Vaticano, intitulado "Fé e Ciência: rumo à Cop26", promovido pelas embaixadas do Reino Unido e da Itália junto à Santa Sé, junto com a própria Santa Sé. Os protagonistas foram 22 dos 40 líderes religiosos que prepararam e depois aderiram ao apelo assinado e entregue hoje ao presidente da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas a ser realizada, em Glasgow, na Escócia, de 31 de outubro a 12 de novembro, mas também dois jovens participantes do evento "Youth4Climate" em Milão, que prepararam propostas para a Cop26, os cientistas presidentes das Pontifícias Academias das Ciências e Ciências Sociais.
O encontro, apresentado pelo diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, Matteo Bruni, abriu-se com a leitura de um resumo do apelo, enquanto os líderes presentes e os representantes daqueles que não puderam comparecer (mas enviaram mensagens em vídeo transmitidas no final da manhã) assinaram o apelo. Após a última assinatura, a do Papa Francisco, Bruni convidou os participantes a um momento de oração silenciosa "levando no coração sobretudo os mais pobres e marginalizados, aqueles que primeiramente e de maneira mais forte sofrem os danos causados pelas mudanças climáticas".
O secretário de Estado Vaticano, cardeal Pietro Parolin, saudou todos os participantes, ressaltando que, como seres humanos, "somos interpelados por vários pedidos sobre como estamos interagindo dentro de nossa Casa comum em relação à criação e ao próximo". Não apenas pelas gerações presentes, mas também pelas futuras, representadas pelos jovens", como as presentes na sala depois de Youth4Climate. O secretário de Estado sublinhou que "a ciência denunciou o perigo da trajetória do caminho que a humanidade está tomando" e que não faltam apelos "pedindo uma mudança de rumo urgente diante desses fracassos que testemunham uma perda de valores". Nós, líderes religiosos, conclui Parolin, "arautos da consciência moral da humanidade, temos a tarefa de favorecer esta mudança de rumo e fazer reflorescer os muitos desertos que se encontram no caminho da humanidade".
Federica Gasbarro, da Cop dos jovens, levou a perspectiva dos jovens e suas expectativas para o futuro, que fala sobre quatro prioridades identificadas pelos dois jovens delegados para cada país membro da conferência. Em primeiro lugar, o apoio econômico aos países vulneráveis, "porque eles não podem enfrentar sozinhos as catástrofes do aquecimento global, e não podem iniciar a transição energética porque não têm energia". Depois, há o compromisso de alcançar zero emissões de gás até 2030, a educação escolar sobre o meio ambiente e as mudanças climáticas e, por último, a necessidade de "dar aos jovens outras oportunidades, após Youth4Climate, para que possam participar ativamente do processo de tomada de decisões".
Após a breve intervenção do Papa, convidando as pessoas a ler o seu discurso para deixar espaço para todos os testemunhos, o presidente da Cop26, parlamentar britânico de origem indiana Alok Sharma, ao receber o apelo de Francisco, enfatizou que "este é um apelo muito forte à ação para o mundo inteiro. Agradeço-lhe por sua força". Ao seu lado, o ministro das Relações Exteriores italiano Luigi Di Maio sublinhou que "a contribuição dos líderes religiosos é crucial", assim como "a participação dos jovens é essencial, quando falamos do nosso e do seu futuro". Di Maio falou da importância da "diplomacia climática" para garantir a paz, pois o aquecimento global é um multiplicador de riscos, focalizando o Sahel, "a região que aquece 20 vezes mais". Ele também ressaltou que a cúpula de chefes de Estado e de governo do G20 que a Itália presidirá em Roma nos dias 30-31 de outubro poderá dar uma contribuição importante para a Cop26.
O primeiro dos líderes religiosos a tomar a palavra, para um breve discurso, foi o Grão Imame da Universidade Al-Azhar, no Cairo, Al-Tayyeb, que assinou com o Papa o Documento de Abu Dhabi sobre a Fraternidade Humana. Ele saudou Francisco chamando-o de "irmão" e resumiu em três pontos a abordagem do Islã sobre o ambiente. A religião de Maomé também atribui uma consciência aos animais e plantas, "elementos vivos que glorificam a Deus em sua linguagem, que nós humanos não podemos compreender". A história da Criação no Alcorão "reitera que Deus designou a Terra ao primeiro homem como seu servidor, e o advertiu contra corrompê-la". Por fim, "Deus encarregou os profetas para lembrar os humanos de não corromper a Terra". Portanto, é claro, concluiu o Grão Imame, a autoridade máxima do Islã sunita, "que Deus confiou a Terra ao homem e lhe pediu que se relacionasse com animais e plantas de amigo para amigo". Al-Tayyeb pediu aos jovens muçulmanos "para que denunciem qualquer atividade que corrompa o ambiente", e exortou seus irmãos religiosos "a assumirem sua responsabilidade nesta crise, exercendo sua influência espiritual sobre os que tomam decisões políticas, construtores e líderes empresariais, para torná-los conscientes dos riscos da corrupção ambiental".
O Patriarca Ecumênico de Constantinopla Bartolomeu ressaltou que o gesto dos líderes religiosos que assinaram o apelo "é um gesto simbólico de grande força, porque é o resultado de um diálogo e de um apelo para continuar". Um diálogo antes de tudo entre todas as religiões do mundo e os fiéis para preservar a criação doada por Deus, porque "as gerações futuras merecem herdar um mundo melhor e mais limpo". Um diálogo entre fé e ciência, que tem sido fortalecido nos últimos meses, e por fim, "o diálogo entre as criaturas e nosso Criador, de modo que, como nós cristãos rezamos no Pai-Nosso, a vontade de Deus possa ser feita no céu como na terra". Precisamos deste diálogo, concluiu o Patriarca Ecumênico, "para respirar com simplicidade e amar-nos uns aos outros com simplicidade".
Então o rabino Noam Marans, do Comitê Judaico Internacional para Consultas Inter-Religiosas, reiterou como todos os líderes estão "unidos na preocupação pela Terra que Deus nos confiou, conforme escrito na Torá, para trabalhá-la e protegê-la". E se está escrito no Talmud que "salvar uma vida é como salvar o mundo inteiro, se conseguirmos salvar o mundo, salvaremos muitas vidas criadas à imagem de Deus". Pedimos aos líderes políticos, conclui o rabino, "que ajam e façam o que devem para preservar nossa Casa comum".
O Arcebispo de Cantuária, Justin Welby, Primaz da Igreja Anglicana, deixou claro que "uma peregrinação em direção a uma economia limpa que reduz as emissões de carbônio e aumenta o uso de fontes renováveis" é indispensável. De acordo com Welby, uma economia verde global também deve ser apoiada através de novos taxas que penalizem aqueles que não a seguem. Uma verdadeira parceria com o hemisfério sul também é essencial, não apenas para evitar os danos causados pelo aquecimento global, mas também para dar a esses países a chance de cooperar com o Ocidente mais desenvolvido "como motores de mudança". Por fim, o primaz anglicano enfatizou que neste último século "declaramos guerra à criação e esta guerra afeta antes de tudo os mais pobres entre nós". O mundo tem pouco tempo para fazer o que é certo".
Entre os vinte e dois, breves intervenções se destacam como a do diretor do gabinete europeu do "Soto Zen Budista", Shoten Mineghisi, que sublinhou, como budista, que está "profundamente consciente do fato de que tudo está interligado: se fizermos ações concretas em nosso cotidiano, o mundo inteiro pode mudar”. E enfatiza a importância de “uma vida simples, que siga a tradição e dependa o máximo possível da reciclagem”. A verdadeira riqueza da vida, conclui, “não é material, mas espiritual, para chegar a uma perspectiva de vida em harmonia com todos os seres vivos”. Depois dele, o metropolita Hilarion, representante do patriarca de Moscou Kirill, explicou que a Igreja Ortodoxa Russa "promove um senso de responsabilidade compartilhada para com a criação de Deus". Que este apelo, é o seu desejo, “seja um novo começo para as nossas comunidades e para o mundo inteiro: é necessária uma conversão do coração. A destruição ecológica foi provocada pelo desejo de enriquecimento injusto de uns em detrimento de outros”.
Fonte: Vatican News