Política

Simples busca na internet revelaria preço da Covaxin, diz CGU





custo elevado da vacina indiana Covaxin (US$ 15 por dose) em relação às vacinas concorrentes poderia ter sido objeto de checagem e análise por parte do Ministério da Saúde a partir de uma simples busca na internet, segundo analisa a CGU (Controladoria-Geral da União) em nota técnica encaminhada neste mês à CPI da Covid.

O documento foi finalizado em julho a partir de uma apuração do órgão sobre as circunstâncias e cláusulas do acordo da Covaxin, assinado em fevereiro pelo Ministério da Saúde com a Precisa Medicamentos, intermediária da negociação com o laboratório indiano Bharat Biotech.

Uma parte do relatório deu fundamento, no fim de junho, à suspensão do contrato que previa a aquisição de 20 milhões de doses pelo Ministério da Saúde, ao custo de R$ 1,6 bilhão.

Além de indícios de irregularidades detectadas pela CGU, o recuo também foi motivado pelo avanço das investigações da CPI da Covid e do MPF (Ministério Público Federal), sobretudo após os depoimentos dos irmãos Luis Miranda —deputado federal pelo DEM-DF— e Luis Ricardo Miranda —servidor da área técnica do ministério que denunciou suposta pressão interna para avalizar a importação da Covaxin.

A análise feita pela Controladoria-Geral revela que o ministério ignorou normas estabelecidas pela Lei 14.124/2021 —resultante de uma medida provisória que flexibilizou regras para compra de vacinas durante a pandemia— e deixou de apresentar estimativa e/ou justificativa em relação aos valores da vacina indiana. A dispensa teria ocorrido por decisão da pasta, em caráter "excepcional".

"Entretanto, o referido normativo, de forma excepcional, dispensa a apresentação da estimativa de preços, mediante justificativa da autoridade competente. Porém, não foram observadas a existência de estimativa de preços ou a justificativa para a sua dispensa, de forma excepcional", diz trecho da nota da CGU.

O órgão de controle relata ainda que, até a assinatura do contrato, em 25 de fevereiro, a pasta da Saúde ainda não havia se manifestado com o objetivo de explicar a ausência de estimativa/justificativa de preços, tampouco havia informado os motivos da dispensa em caráter excepcional.

Em seguida, o relatório destaca que, apesar das restrições normativas e de dificuldades para elaborar estimativas de preços de vacinas em um contexto de pandemia, as autoridades brasileiras poderiam ter recorrido a "sítios da internet de domínio amplo".

Por outro lado, em que pese as dificuldades acima relatadas, era possível a busca de informações em sítios da internet de domínio amplo ou mesmo a partir de uma solicitação de explanação da estimativa/justificativa de preços do Ministério da Saúde à fabricante da vacina com fins de suprir essa deficiência."Trecho de nota da CGU

A CGU informou ter solicitado diretamente ao fabricante, Bharat Biotech, informações sobre a tabela de preços do imunizante —diferentemente do que fez o governo, que se limitou a negociar com a Precisa Medicamentos, intermediária do acordo.

A resposta, enviada em 9 de julho, "confirmou que os preços ofertados a diversos países se encontram na faixa de 15 a 18 dólares por dose, sendo que há outros países da própria América do Sul que receberam oferta de valores superiores (US$ 18) ao preço do contrato assinado junto ao Brasil (US$ 15)". "Ademais, a empresa informou a pactuação de quatro contratos com diferentes países em nível global, todos com preço unitário por dose de US$ 15."

Com uma pesquisa na internet, a CGU também verificou que os preços praticados pela Bharat Biotech para o mercado internacional variam de US$ 15 a US$ 20. "Por sua vez, o preço praticado no mercado interno da Índia é de 600 rúpias [aproximadamente, US$ 8] e para os hospitais privados indianos, o preço praticado seria de 1.200 rúpias [aproximadamente, US$ 16]."

Além disso, é reiteradamente noticiado que a vacina, fabricada naquele país, é a mais custosa para o mercado local, mesmo considerando as decorrentes de importações realizadas. Ainda neste ponto, nas redes sociais oficiais da empresa Bharat Biotech, foi identificado comunicado quanto aos preços praticados no mercado internacional."Trecho de nota da CGU

Embaixada na Índia alertou Brasília

Antes de acertar o contrato com a Precisa, o governo brasileiro já havia sido alertado sobre o custo elevado da Covaxin pela Embaixada do Brasil na Índia.

Durante as conversas da Saúde com a empresa, a diplomacia brasileira na Índia comunicou ao Ministério das Relações Exteriores que o custo da Covaxin estava em discussão no país da Ásia meridional e que o governo do primeiro-ministro Narendra Modi sofria críticas. A informação consta de ofício do Itamaraty enviado em 15 de janeiro à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), ao qual o UOL teve acesso.

Além do preço mais alto da vacina, o Itamaraty enviou alerta ao governo brasileiro sobre questionamentos que ocorriam na opinião pública da Índia em relação à autorização para uso emergencial da Covaxin.

Em 3 de janeiro deste ano, o órgão de regulação sanitária do país asiático concedeu aval para as vacinas Covaxin e AstraZeneca/Oxford. As autoridades locais então passaram a cogitar começar a campanha de vacinação naquele país nas duas semanas seguintes.

No entanto, a rapidez e o modo como a aprovação se deu não convenceu a todos. As críticas pairaram especialmente em relação à Covaxin, autorizada para uso restrito "em modo de testes clínicos".

CPI revela mensagens e aponta tentativa de favorecer Precisa na Saúde

CPI da Covid revelou hoje mensagens antes sob sigilo e apontou suposta tentativa de favorecer a Precisa Medicamentos em compra do Ministério da Saúde de testes rápidos de detecção do novo coronavírus.

Segundo a cúpula da Comissão Parlamentar de Inquérito, há indícios de que o ex-secretário da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e depoente desta quinta-feira (26), José Ricardo Santana, atuou em suposto esquema para que empresas mais bem colocadas do que a Precisa no processo fossem desclassificadas com a eventual ajuda do então diretor de logística do Ministério da Saúde, Roberto Dias. O contrato seria de mais de R$ 1 bilhão, segundo os senadores.

O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), revelou durante o depoimento de Santana prints de mensagens trocadas entre o depoente e o suposto lobista da Precisa Marconny Albernaz Faria, de acordo com o senador.

Uma das mensagens divulgadas cita a "arquitetura ideal para prosseguir" (no processo de compra) e um passo a passo para que a negociação na pasta seja revista por "Bob", quem os senadores acreditam se tratar de Roberto Dias.

Reprodução de mensagem atribuída a Marconny Albernaz e José Ricardo Santana revelada na CPI da Covid - Reprodução - Reprodução
Reprodução de mensagem atribuída a Marconny Albernaz e José Ricardo Santana revelada na CPI da Covid
Imagem: Reprodução

Randolfe afirmou que a mensagem foi encaminhada por Maximiano a Marconny em 4 de junho de 2020. Este, por sua vez, a teria encaminhado a Santana para que chegasse até Dias.

Uma segunda mensagem apresentada por Randolfe, a quem ele atribuiu a Marconny, e que teria sido enviada a Santana, afirma que "Bob está lá no MS [Ministério da Saúde]. Estava indo agora a [sic] pouco ao gabinete do ministro". Ela é datada de 5 de junho do ano passado.

Em outra conversa, Marconny escreve: "Boa tarde! Só para você compreender que a equipe lá dentro está afinada, aguardando o Bob evocar o processo. Veja como ficaria o passo a passo". Para Randolfe, o passo a passo citado se refere à mensagem anterior com a explicação.

Já numa quarta mensagem apresentada pelos senadores, Marconny afirma para Santana: "Isso tudo a toque de caixa, pois a fundamentação da desclassificação dos concorrentes que estão à frente já montamos e já está com o time de dentro".

"É a arquitetura do crime. Essa era a arquitetura da fraude em licitação que deveria vir a ocorrer para desclassificar duas empresas que já tinham vencido o certame licitatório e beneficiar quem? A Precisa."Randolfe Rodrigues (Rede-A), senador

O relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), afirmou que o documento era "inédito" por ser "a primeira vez em que alguém descreve o caminho do crime".

O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), avaliou ser "espantoso o general Pazuello e o coronel Elcio Franco não terem descoberto que equipe, que time é esse". Ainda, disse ser preciso falar com o procurador-geral da República, Augusto Aras, "pra saber por que não foi recomendado o afastamento desses servidores envolvidos em maracutaia". 

Questionado pelos senadores sobre o teor das mensagens, Santana preferiu permanecer em silêncio, apoiado em habeas corpus do STF (Supremo Tribunal Federal) que o permite não responder perguntas em que possa se autoincriminar.

As mensagens foram entregues à comissão pelo Ministério Público Federal no Pará, em julho, e estavam sob sigilo. No entanto, logo antes de serem reveladas, a CPI aprovou a quebra de sigilos delas.

A vencedora do processo foi a Abbott, com a Bahiafarma em seguida, informou Randolfe. Um primo de Roberto Dias foi presidente desta última e uma das mensagens trocadas entre os participantes do suposto esquema teria "algo" no sentido de que "pode ter interesse do Bob, por conta da Bahiafarma", segundo o vice da CPI.

Na avaliação de Randolfe, a fraude só não foi posta em prática por causa da operação Falso Negativo, que apurou série de irregularidades na venda de testes rápidos de covid-19 de baixa qualidade ao governo do Distrito Federal.

Dias foi nomeado ao comando da diretoria de logística da pasta da Saúde em 9 de janeiro de 2019. Ele teve a exoneração do cargo publicada em 30 de junho deste ano, após denúncia do policial e lobista da Davati Medical Supply, Luiz Paulo Dominghetti, de que o então diretor teria pedido propina de US$ 1 por dose de vacina AstraZeneca para que negociação de supostas 400 milhões de unidades do imunizante fosse levada adiante. Dias nega qualquer pedido de vantagem ilícita.

Em mensagens obtidas pela CPI, apontou o senador Humberto Costa (PT-PE), há indício de que haveria uma reunião no início de junho de 2020 para "tratar de 12 milhões de testes rápidos" e que Santana teria dito haver "o propósito de desatar um nó".

O ex-secretário da Anvisa teria citado ainda a participação de um senador no encontro e mencionou coronel Blanco, ex-assessor do Ministério da Saúde, que também esteve no jantar do suposto pedido de propina.

Indagado sobre quem é o senador, Santana permaneceu em silêncio. 

Suspeita de vazamento de operação

A cúpula da CPI também suspeita que alguém tenha vazado a operação Falso Negativo a Maximiano. A Precisa é uma das investigadas na ação.

Isso porque, em 2 de julho de 2020, dia em que a primeira fase da operação cumpriu mandados, Marconny enviou mensagem a Maximiano às 5h16 dizendo "Operação vazou?", apontou Randolfe. De acordo com o senador, a essa hora, a operação ainda não tinha sido deflagrada.

Às 8h26, Maximiano liga para Marconny e pede que ele lhe retorne, o que é feito. Depois, Marconny envia duas mensagens a Maximiano e as apaga. Em seguida, Santana avisa Marconny sobre notícia na mídia da operação ao que este responde: "Já tinha visto, o Max me avisou". Todas essas informações foram dadas por Randolfe na CPI.

"Quem é que informa o Francisco Maximiano da operação, às 5h11? De onde é que vazou a informação da operação? Uma operação da Polícia Federal só quem sabe é a Polícia Federal ou o Ministério Público Federal. Uma operação não começa às 5h16, horário de Brasília, porque, por regra, tem que o sol nascer para iniciar uma operação da Polícia Federal. Antes da operação iniciar, o Marconny e o Maximiano conversam sobre a operação", declarou.

Apesar de Randolfe ter dito que a operação é da Polícia Federal, ela teve como ponto de partida investigação do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado, do Ministério Público, e contou com apoio da Polícia Civil.

Santana preferiu não se manifestar sobre o caso.

Suposta apresentação na casa da advogada de Bolsonaro

Outro ponto abordado na CPI hoje foi que Marconny e Santana teriam seconhecido em evento na casa de Karina Kufa, advogada do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), em 23 de maio do ano passado, segundo senadores com base em mensagem do depoente enviada ao colega.

"Marconny, foi um prazer te conhecer hoje na casa da Karina. Aliás, ela me passou seu telefone. Obrigado pelo bate-papo agradável. Se eu puder te ajudar em algo, conte comigo. Boa noite", teria escrito Santana a Marconny.

Questionado pelos parlamentares, Santana afirmou hoje não se lembrar em quais circunstâncias conheceu Marconny.

Procurada pelo UOL, a assessoria de Kufa informou que ela deu um churrasco naquela data e não acompanha a conversa dos convidados.

Fonte: UOL