Política

Reverendo chora na CPI e diz ter culpa: 'Queria vacina para o Brasil'





Líder da entidade privada Senah (Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários), o reverendo Amilton Gomes de Paula chorou hoje durante a CPI da Covid e se disse culpado por "ter estado nessa operação das vacinas".

Ele também afirmou que queria "vacinas para o Brasil" após a morte de um conhecido em decorrência da covid-19. O reverendo é apontado pelo policial militar Luiz Paulo Dominghetti como intermediador de uma oferta supostamente superfaturada de 400 milhões de doses de vacinas de Oxford/AstraZeneca ao Ministério da Saúde.

Dominghetti se apresenta como representante da Davati Medical Supply — empresa americana sem base formal no Brasil —, que teria se juntado a Amilton para o negócio. A oferta não tinha autorização da farmacêutica.

Eu abri a porta da minha casa num momento assim em que eu estava enfrentando a perda de um ente querido da minha família, e eu queria vacina para o Brasil. Eu me sinto... Tenho culpa, sim. Hoje de madrugada, antes de vir para cá, eu dobrei os meus joelhos, orei, e aí eu peço desculpas ao Brasil. O que eu cometi não agradou primeiramente aos olhos de Deus."Reverendo Amilton

Amilton se pôs a chorar brevemente após o senador governista Marcos Rogério (DEM-RO) o questionar sobre o seu papel na suposta oferta de vacinas da AstraZeneca e dizer ter dúvidas se o reverendo faz parte de uma "tríade de golpistas" ou se realmente foi enganado, como o depoente alega.

Foi um erro que, se pudesse voltar atrás, eu voltaria. Peço perdão a todos os Senadores, a todos os Deputados, e o que eu puder fazer para melhorar a vida de alguém... Para quem me conhece como pastor e hoje está me assistindo, está dizendo: "esse eu conheço." Jamais fraudei ou tirei algo de alguém e estou aqui para contribuir com o Brasil sempre."Reverendo Amilton

O presidente da CPI e senador Omar Aziz (PSD-AM) chegou a perguntar ao reverendo: "Chorou e se arrependeu do quê?". Segundo Amilton, ele se arrepende de "ter estado nessa operação das vacinas".

reverendo Amilton Gomes de Paula, depoente de hoje na CPI da Covid, irritou senadores do colegiado ao fornecer respostas imprecisas e com contradições.

Em um dos breves momentos de maior clareza de raciocínio, a testemunha confirmou ter atuado como um dos elos para que a Davati Medical Supply conseguisse ofertar ao Ministério da Saúde o suposto lote de 400 milhões de doses da vacina AstraZeneca.

Em 29 de junho, Dominghetti foi à imprensa para denunciar um suposto pedido de propina por parte de Roberto Dias, ex-diretor do departamento de logística do Ministério da Saúde. Posteriormente, em depoimento ao colegiado, o policial ratificou a versão.

Apesar de reuniões no Ministério da Saúde, Amilton afirmou não conhecer "ninguém do governo" e não saber o motivo de tamanha celeridade por parte do governo para recebê-los. Ele teria tido uma reunião no ministério horas depois de mandar um email com base apenas em buscas na internet, alegou.

Segundo reportagem da Agência Pública, o reverendo parece ter bom trânsito no meio político de Brasília. Em suas redes sociais, ele tem fotos com o filho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ).

Recentemente, o pastor apareceu na divulgação da "Conferência Nacional de Liderazgo" ao lado da deputada federal bolsonarista Carla Zambelli (PSL-SP).

O líder religioso também participou da criação da Frente Parlamentar Mista Internacional Humanitária pela Paz Mundial (FremhPaz) junto ao pastor Laurindo Shalom, da Associação Internacional Cristã Amigos Brasil-Israel, e do deputado federal Fausto Pinato (PP-SP), em 17 de setembro de 2019.

Durante a explanação, o reverendo Amilton se mostrou confuso, gaguejou em alguns momentos e caiu em contradição em relação ao dia do email enviado à pasta. Antes de esclarecer que o contato havia sido realizado em 22 de fevereiro, ele declarou que a mensagem eletrônica tinha sido enviada em 18 de fevereiro.

"Pressão de Dominghetti"

De acordo com Amilton, ele sofreu "pressão" de Dominghetti e do outro representante da Davati, Cristiano Carvalho, para conseguir as reuniões com o governo federal.

Dominghetti relatou ter tido reunião com Lauricio ao lado de representantes da Senah na primeira vez em que esteve no Ministério da Saúde.

Amilton teria feito o contato político para que, ao lado de Dominghetti, conseguissem o encontro com Lauricio, segundo o policial. Como vacinas não eram a área de Lauricio, este teria dito que encaminharia os vendedores ao então secretário-executivo da pasta, Elcio Franco, responsável por essas aquisições, contou Dominghetti.

Hoje, Amilton negou qualquer encontro com o presidente da República ou com a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, e argumentou que a Senah foi usada "de maneira ardilosa".

Hoje, com a série de eventos divulgados, entendemos que fomos usados de maneira ardilosa para fins espúrios e que desconhecemos. Vimos um trabalho de mais de 22 anos de uma ONG, entidade séria, voltada para ações humanitárias, educacionais, jogado na lama, trazendo prejuízo na sua credibilidade e atingindo seus integrantes nas relações profissionais e familiares."Reverendo Amilton

O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), apresentou documentos que mostram uma comunicação do dono da Davati, Herman Cardenas, ofertando dose da AstraZeneca por US$ 10 ao Ministério da Saúde. No entanto, o reverendo Amilton teria apresentado uma oferta de dose a US$ 11. O US$ 1 adicional é o mesmo valor citado por Dominghetti como suposta propina pedida por Roberto Dias.

Amilton afirmou aos senadores "desconhecer o documento de US$ 10, que não acompanha a oferta [feita ao Ministério da Saúde]". Segundo ele, o documento que ofertava vacinas a US$ 10 não tem ligação com o email que cita o preço de US$ 11 por unidade.

Em cartas timbradas da Senah e assinadas por Amilton, a entidade costumava usar logotipos da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e da ONU (Organização das Nações Unidas), entre outras instituições.

"Tem um documento aqui que o senhor diz: 'Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários, uma organização sem fins lucrativos e de apoio humanitário com atuação em mais de 190 países, reconhecida pela Organização das Nações Unidas e pela Confederação Nacional dos Bispos do Brasil'", disse Randolfe.

Questionado por senadores, Amilton admitiu não ter autorização oficial para tanto.

O líder da Minoria no Senado, Jean Paul Prates (PT-RN), afirmou que estar "evidente o intuito da organização do depoente de iludir os recipientes dessas cartas, desses documentos, pegando emprestadas essas autoridades e essas organizações".

Na avaliação dele, há falsidade ideológica e estelionato na situação. "Nós estamos diante de falsários e estelionatários que tentam enganar incautos na administração pública e/ou beneficiar espertos e oportunistas", declarou Prates.

A CPI voltou hoje aos trabalhos formais com depoimentos após recesso parlamentar de cerca de 15 dias.

Fonte: UOL