Política

CPI da Covid: 'Ministro lamentou mas disse que meu nome não ia passar', diz médica sobre saída de secretaria





A infectologista Luana Araújo afirmou, em sessão da CPI da Covid desta quarta-feira (2/6), que não sabe por que houve recuo, por parte do governo federal, em nomeá-la para a Secretaria Extraordinária de Enfrentamento à Covid-19.

Araújo, que posiciona-se publicamente contra o uso da hidroxicloroquina e ao chamado "tratamento precoce", foi questionada pelos senadores da CPI a respeito dos motivos do cancelamento de sua nomeação.

Ela respondeu que essa pergunta deveria ser encaminhada ao ministro Marcelo Queiroga, que a contratou. 

"O que me foi dito é que existia um período entre a criação da secretaria e um apostilamento de cargos, para que minha nomeação fosse publicada no diário oficial. Era para ser numa segunda-feira, não saiu, numa terça, não saiu. Na quarta eu já tinha entendido o que havia acontecido. E fui comunicada que infelizmente (minha nomeação) não iria acontecer", declarou Araújo.

"O ministro disse que lamentava, mas que meu nome não ia passar pela Casa Civil", agregou. "Não sei se é esse o processo. Com toda hombridade que ele (Queiroga) teve ao me chamar, ele disse que lamentava mas minha nomeação não sairia e meu nome não seria aprovado."

Ao ser questionada pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Araújo afirmou que seria a única infectologista da equipe que respondia ao ministro Queiroga nos esforços de enfrentamento da pandemia. "O que torna ainda mais grave a não concretização de sua nomeação", disse o senador.

Randolfe pediu que ela recontasse como foi o dia de sua saída do cargo: "Trabalhei o dia inteiro nesse dia, na tentativa de organizar a estrutura do ministério, quando já havia preocupação com a identificação da variante indiana (do vírus)", ela respondeu. 

"Aí, no final da tarde, eu fui chamada no gabinete e achei que teria a oportunidade de discutir essas coisas, eu tinha acesso bastante livre ao ministro. Quando entrei no gabinete ele falou que tinha optado pela minha nomeação, não duvidada da minha capacidade técnica, pelo contrário, mas minha nomeação não tinha sido aprovada, e precisaria abrir mão de mim. (...) Ele não disse por que e eu também não perguntei, porque a gente sabe como funcionam as questões políticas. (...) O que posso dizer é que (a decisão) não parece ter sido dele. Existia um pesar em abrir mão (da nomeação) porque a gente estava fazendo um trabalho positivo."

 

Evidências são 'transparentes' contra cloroquina, diz médica

 

Luana Araújo é infectologista, consultora em saúde pública com mestrado na Universidade Johns Hopkins (EUA) e havia sido anunciada, em 12 de maio, como secretária extraordinária de enfrentamento à covid-19, mas teve seu nome retirado apenas dez dias depois. As circunstâncias desse episódio é o que senadores da CPI da Covid querem esclarecer - a suspeita é de que seria por críticas prévias de Araújo ao tratamento com hidroxicloroquina.

Em seu depoimento (ainda em curso), Araújo afirmou que no curto período em que trabalhou no Ministério da Saúde, nunca teve discussões sobre cloroquina ou sobre o chamado "tratamento precoce" - que ela ressaltou que, do ponto de vista científico, não existe.

Luana Araújo na CPI

Ag Senado

'A imunidade de rebanho natural do Sars-Cov-2 é impossível de ser atingida. Não é uma estratégia inteligente', disse Araújo na CPI

Perguntada se achava que a divergência dela quanto ao uso da cloroquina como política de saúde pública no Brasil era responsável por sua saída do cargo, Araújo respondeu:

"Acho que essa pergunta deve ser direcionada ao ministro. A minha posição pública não é uma opinião. Na medicina a gente tem opinião até substituir por evidências. As evidências são transparentes".

Mais tarde, agregou que seria a favor de uma terapia precoce se esta existisse. "Quando não existe, não pode se tornar política de saúde pública. Quando disse um ano atrás que estávamos na vanguarda da estupidez mundial, infelizmente mantenho isso em vários aspectos. Não tem lógica, é como discutir de qual borda da Terra plana a gente vai pular. Estamos aqui discutindo algo que é ponto pacificado no mundo inteiro."

Embora não tenha comentado diretamente as falas do presidente Jair Bolsonaro em defesa da hidroxicloroquina, Araújo afirmou que "qualquer pessoa que defende algo sem comprovação científica expõe seu grupo a vulnerabilidades e todo mundo tem responsabilidade sobre o que acontece depois."

"Temos estudos, nesse caso uma meta-análise feita de forma correta, de estudos de alta qualidade, mostrando que existe aumento da mortalidade com o uso de cloroquina e hidroxicloroquina. Quando você transforma isso em decisão pessoal é uma coisa, quando transformo em política pública é outra. A autonomia médica faz parte da nossa prática, mas não é licença para a experimentação."

Sobre a tese da imunidade de rebanho por contaminação - que não foi adotada oficialmente pelo Ministério da Saúde, mas circulou amplamente até mesmo em falas de Bolsonaro -, Araújo afirmou que "isso não existe e é muito estranho que a gente esteja discutindo esse tipo de coisa".

"O vírus de RNA tem tendência a sofrer mutações com muita facilidade. Enquanto estamos falando aqui ele está mutando centenas de vezes", declarou. "A imunidade de rebanho natural do Sars-Cov-2 é impossível de ser atingida. Não é uma estratégia inteligente. Com a vacinação a gente induz uma resposta imune muito mais sólida e em tempo muito mais curto. E com ela a gente atinge a imunização sem sofrimento (pela doença)."

Randolfe Rodrigues mostrou a Araújo um vídeo compilando falas de Bolsonaro em favor da cloroquina e pediu a opinião da médica. Ela disse que não queria politizar um assunto técnico, mas agregou: "Não é possível ouvir um conjunto de declarações de quem quer que seja, e não estou personificando na figura do presidente, sem sofrer um impacto quase que emocional, para além do racional. A mim, como médica e infectologista, educadora em saúde, isso me suscita a ideia de que eu preciso trabalhar mais, informar melhor, me parece que falta informação de qualidade. (...) A mim, me dói."

 

Convite à secretaria especial

 

Araújo afirmou que seu contato com o ministro Marcelo Queiroga começou quando ela foi convidada a assumir a secretaria e que, nos dez dias em que ficou no cargo, manteve contato apenas com ele e com alguns integrantes do ministério.

Questionada se haveria aconselhamento paralelo ao do Ministério da Saúde - tese que tem sido levantada na CPI por senadores críticos ao governo -, ela disse que não se encontrou com ninguém que pudesse fazer parte desse grupo. "Não encontrei com o presidente da República, fiquei praticamente isolada nesse período", declarou.

Sobre Queiroga, disse que o ministro era "extremamente capaz, competente, orientado pelos valores corretos, da ciência".

Araújo contou que tentou formar uma equipe própria na secretaria, mas seus convidados resistiram a assumir cargos no governo federal.

Randolfe Rodrigues, Omar Aziz e Renan Calheiros na CPI

Agência Senado

CPI acaba de completar seu primeiro mês de trabalho

"Infelizmente, por tudo o que vem acontecendo, por essa polarização esdrúxula, os maiores talentos dessas áreas não estavam exatamente à disposição para trabalhar nessa secretaria. Não queriam trabalhar (nela)."

Em seu discurso de abertura na CPI, Araújo disse que lhe fora apresentado um "projeto sólido e a necessidade de alguém técnico e competente para conduzir esses trabalhos".

Sua primeira frase no discurso foi de que seriam necessários 320 dias para se fazer um minuto de silêncio para cada vítima da pandemia no Brasil até agora. "Isso é intolerável e toda pessoa deve fazer o que está ao seu alcance para impedir essa hecatombe."

 

Queiroga negou pressão do Planalto

 

O motivo da saída de Araújo não foi detalhado na época pelo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, nem pelo ministério, que informou apenas que buscaria "outro nome com perfil profissional semelhante: técnico e baseado em evidências científicas".

Na ocasião, Queiroga negou que tivesse havido pressão, por parte do Palácio do Planalto, contra a nomeação da médica. Em audiência no Congresso, o ministro afirmou que Araújo não chegou a ser nomeada e agregou que em cargos do tipo "é necessário que exista validação técnica e também validação política, para todos os cargos".

Reportagem do jornal O Globo, porém, mostrava que Araújo havia se manifestado em suas redes sociais contra o uso da cloroquina e de outros remédios que o governo chegou a promover ativamente como "tratamento precoce", apesar de as evidências científicas apontarem que esses medicamentos não têm eficácia contra a covid-19 - e podem, ao contrário, trazer efeitos colaterais graves e gerar uma falsa sensação de proteção.

Após o depoimento de Araújo, o ministro Queiroga deverá ser reconvocado para depor à CPI.

O relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), afirmou durante o depoimento de Araújo que o recuo na nomeação dela como secretaria "demonstra que o ministro (Queiroga) continua sem autonomia técnica para definir sua equipe".

O presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM) também fez críticas ao governo, afirmando que "não estão interessados em quem está capacitado para gerenciar a crise, estão interessados em quem compactua com o tratamento precoce e a imunidade de rebanho e com a política de colocar goela abaixo a cloroquina".

O senador governista Marcos Rogerio (DEM-RO) afirmou que a confirmação de Araújo de que ela não teve nenhum contato com o Planalto aponta que existe uma "falsa narrativa" de interferência de um gabinete paralelo na condução da pandemia.

O senador agregou que não é incomum que nomeações como a de Araújo sejam revistas dentro da estrutura governamental. "Apesar da estranheza que se mostra aqui, todos aqui sabem que não existem no Poder Executivo nomeações automáticas", declarou. "Em todos os cargos há liberdade plena para nomear e exonerar. É uma histeria que se tem praticado dentro do Parlamento quando este ou aquele é ou não nomeado."

Omar Aziz respondeu que isso não deveria se aplicar para um período emergencial como a pandemia: "Numa guerra alianças são feitas, e estamos em uma guerra".

Fonte: BBC News Brasil