A divulgação nas notas da edição de 2020 do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) é seguida por um questionamento entre os estudantes: minha nota será suficiente para entrar no curso que eu quero? Como posso usá-la?
As respostas a essas dúvidas esbarram, neste ano, nas dificuldades adicionais impostas pela pandemia do novo coronavírus, que bagunçou não apenas o calendário do Enem - previsto inicialmente para novembro de 2020, mas aplicado em janeiro e fevereiro deste ano -, mas o de outros processos seletivos ligados ou não ao Enem.
A primeira informação importante é que o Sisu (Sistema de Seleção Unificada), plataforma do governo que reunirá, neste ano, 209,1 mil vagas em 5,6 mil cursos de graduação de 110 universidades públicas (federais, estaduais ou municipais) do país, ajustou seu calendário às datas do Enem 2020.
Com isso, alunos que prestaram o Enem - e não zeraram na prova de redação - podem se inscrever no Sisu entre 6 e 9 de abril. O resultado é previsto para 13 de abril, quando começa também a valer uma lista de espera, até o dia 19.
A startup de educação Evolucional criou um site de simulações gratuito usando como parâmetro os resultados do Enem 2019 para que, antes de o Sisu abrir, os estudantes do Enem 2020 simulem a probabilidade de conseguirem entrar nos cursos desejados.
"É uma forma de os estudantes entenderem a dinâmica do Sisu, que não é um sistema estático - é atualizado diariamente", explica à BBC News Brasil Vinícius Freaza, diretor de inovação pedagógica da Evolucional.
Isso porque, à medida que os alunos vão se cadastrando, o Sisu vai contabilizando a demanda pelas vagas em cada curso. Os candidatos são selecionados a partir das melhores notas.
Reuters
Alunos chegando para prestar o Enem 2020 em 17 de janeiro; prova teve abstenção recorde
Desse modo, Freaza recomenda aos alunos que entrem múltiplas vezes no Sisu entre 6 e 9 de abril, "para entender o peso das notas de ciências humanas e exatas em cada curso e exercitar suas opções, testar vários cursos e universidades" - de forma a averiguar quais escolhas estarão a seu alcance com base na sua nota do Enem e contemplar diferentes cenários.
Por conta da mudança de calendário, Freaza recomenda que estudantes entrem também no site das universidades públicas que desejam cursar e confirmem se elas aderiram ao Sisu neste ano. "Algumas não conseguiram realizar um vestibular próprio no último ano e aderiram ao Sisu, usando as notas do Enem; outras resolveram não usar o Enem. Houve mudanças significativas."
Para Vinícius de Andrade, criador do projeto Salvaguarda, que ajuda jovens de baixa renda no ingresso ao ensino superior, uma preocupação adicional neste ano é o fato de haver menos vagas disponíveis no Sisu, por conta das mudanças de datas provocadas pela pandemia.
As 209 mil vagas cadastradas no Sisu nesta edição são menos do que as 237 mil ofertadas no ano passado.
"O primeiro efeito disso seria diminuir o leque de opções de alguns estudantes e, em algum nível, aumentar a concorrência em algumas opções", diz Andrade.
Para além do Sisu, outros dois programas do governo que permitem o uso da nota do Enem tiveram seu calendário comprometido neste ano de interrupções: o Prouni (que concede bolsas de estudo em universidades particulares) e o Fies (de financiamento estudantil público a universidades particulares) já fizeram suas seleções, as quais acabaram restritas a quem tinha prestado o Enem em 2019.
A expectativa é de que a nota do Enem 2020 possa ser usada apenas em processos seletivos do Fies e do Prouni no segundo semestre de 2021.
Nesse sentido, ficou mais difícil o planejamento do estudante agora, explica Freaza.
"Em uma situação de normalidade, o estudante se inscrevia no Sisu e, se não conseguisse (vaga em universidades públicas), logo tentava bolsas no Prouni e em seguida financiamento no Fies. Neste ano, vai ter que tentar o Sisu agora, mas depois esperar para se organizar no segundo semestre. A minha recomendação é de que esse estudante não fique apenas esperando: se não conseguir no Sisu, que já comece a estudar para se preparar para o vestibulares do meio do ano", sugere.
O efeito secundário das circunstâncias atuais, diz Vinícius Andrade, é que a concorrência por vagas no Fies e no Prouni fique mais acirrada no segundo semestre.
Realizado em meio a uma alta de casos do novo coronavírus no Brasil, o Enem 2020 registrou um recorde de abstenções: mais da metade dos inscritos não realizaram a prova em papel e mais de 70% faltaram à prova digital.
Foi, como pontuou Freaza, uma "tragédia para a educação brasileira", por evidenciar uma redução no contingente de estudantes que tentarão o ingresso no ensino superior do país, tornando esse ingresso ainda mais desigual.
Para Andrade, as circunstâncias da pandemia aumentaram um já alto "muro" que separava os jovens mais vulneráveis do ensino superior.
Embora a abstenção alta não influencie nas notas mínimas e máximas do Enem (cuja prova é calibrada justamente para compensar variações), isso pode influenciar nas notas de corte das universidades cadastradas no Sisu, explica Freaza. É mais um motivo para que quem prestou o Enem se inscreva no Sisu e teste diferentes possibilidades de cursos e universidades.