O Papa Francisco recebeu em audiência, nesta quinta-feira (23/03), na Sala do Consistório, no Vaticano, os participantes da plenária da Comissão das Conferências Episcopais da União Europeia (COMECE).
Depois de agradecer a COMECE pelo "trabalho exigente, mas também apaixonante", o Papa refletiu sobre "dois pontos centrais, que correspondem aos dois grandes "sonhos" dos pais fundadores da Europa: o sonho da unidade e o sonho da paz".
Sobre a unidade, Francisco ressaltou que a unidade europeia "deve ser uma unidade que respeite e valorize as singularidades, as peculiaridades dos povos e culturas que a compõem". "A riqueza da Europa reside na convergência de diferentes fontes de pensamento e experiências históricas. Como um rio, vive de seus afluentes. Se os afluentes estiverem enfraquecidos ou bloqueados, todo o rio é afetado e perde força", sublinhou o Papa.
Esta é a primeira ideia para a qual chamo a atenção de vocês: a Europa tem futuro se houver realmente união e não redução dos países com as respectivas características. O desafio é precisamente este: a unidade na diversidade. E é possível se houver uma forte inspiração; caso contrário, prevalece o aparato, prevalece o paradigma tecnocrático, que, no entanto, não é fecundo porque não entusiasma as pessoas, não atrai as novas gerações, não envolve as forças vivas da sociedade na construção de um projeto comum.
Segundo o Papa, muita coisa mudou, hoje, "mas permanece sempre verdade que são os homens e as mulheres que fazem a diferença. Portanto, a primeira tarefa da Igreja neste campo é formar pessoas que, lendo os sinais dos tempos, saibam interpretar o projeto europeu na história de hoje".
A seguir, o Papa refletiu sobre o segundo ponto: a paz. Segundo Francisco, "a história de hoje precisa de homens e mulheres animados pelo sonho de uma Europa unida a serviço da paz".
Depois da II Guerra Mundial, a Europa viveu o mais longo período de paz de sua história. No entanto, houve várias guerras no mundo. Nas últimas décadas, algumas guerras se arrastaram por anos, até hoje, tanto que se pode agora falar de uma terceira guerra mundial. A guerra na Ucrânia é vizinha, e abalou a paz europeia. As nações confinantes fizeram o máximo para acolher os refugiados; todos os povos europeus participam do esforço de solidariedade com o povo ucraniano. Esta resposta coral em termos de caridade deveria corresponder, mas é claro que não é fácil nem óbvio, a um compromisso coeso pela paz.
"Este desafio é muito complexo, porque os países da União Europeia estão envolvidos em várias alianças, interesses, estratégias, uma série de forças que é difícil reunir num único projeto", sublinhou o Papa, ressaltando que "no entanto, um princípio deve ser compartilhado por todos com clareza e determinação: a guerra não pode e não deve mais ser considerada uma solução para os conflitos".
Se os países da Europa hoje não compartilham desse princípio ético-político, isso significa que eles se afastaram do sonho original. Se, por outro lado, o compartilham, devem comprometer-se a implementá-lo, com todo o esforço e complexidade que a situação histórica exige. Porque «a guerra é um fracasso da política e da humanidade».
Neste desafio da paz, a COMECE pode e deve dar a sua contribuição profissional, pois segundo o Papa o organismo é "por natureza uma "ponte" entre as Igrejas na Europa e as instituições da União". Por missão, os membros da COMECE "são construtores de relações, encontro e diálogo. E isso é trabalhar pela paz. Mas não é suficiente". De acordo com Francisco, "é preciso profecia, é preciso previsão, é preciso criatividade para promover a causa da paz". "O verdadeiro construtor da paz deve ser arquiteto e artesão. É o verdadeiro construtor da paz", concluiu o Papa.
Mariangela Jaguraba
- Papa: não a uma moral de escrivaninha, a teologia deve estar atenta à vida real
O Papa Francisco recebeu nesta quinta-feira (23) cerca de 300 pessoas na Sala Clementina, no Vaticano, que participaram durante dois dias da Conferência "Santo Afonso, pastor dos últimos e doutor da Igreja", promovida pela Pontifícia Academia Afonsiana, de Roma. A instituição com 74 anos de fundação, especializada em teologia moral dentro da Pontifícia Universidade Lateranense, promoveu o encontro em modalidade virtual a partir da Aula Magna para aprofundar três temas centrais: a consciência (moral fundamental), a justiça social (moral social) e a pessoa (bioética). A reflexão, entre desafios e perspectivas, foi feita por professores locais e de outras realidades acadêmicas da Itália e também do exterior.
No discurso do Papa, de encerramento da conferência, o Pontífice começou agradecendo pelo "serviço de formação" oferecido pela Academia à Igreja no âmbito da teologia moral, inclusive o trabalho de professores eméritos e ex-estudantes. Refletindo sobre a consciência e o dinamismo da formação, toda proposta teológico-moral, disse Francisco, "deve ajudar os fiéis a compreender a grandeza de levar a caridade de Cristo ao mundo" (cf. Decr. Optatam totius, 16), "o amor de Deus" que guia as escolhas de cada um. Por isso a importância de "entrar em uma relação viva com o Povo de Deus", especialmente com os últimos, dando respostas às dificuldades reais através da luz de Cristo e não de uma abordagem "moral fria de escrivaninha":
"Fiéis à tradição afonsiana, vocês procuram oferecer uma proposta de vida cristã que, respeitando as exigências da reflexão teológica, não seja uma moral fria, uma moral de escrivaninha, eu diria uma moral "casuística" e digo isso sabendo porque, infelizmente, estudei uma moralidade 'casuística' naquela época. Imaginem que não podíamos, era proibido ler o primeiro livro de Häring, 'A Lei de Cristo': 'Não! É herético, não se pode ler!' E eu só estudei com aquela moralidade: 'Pecado mortal se faltam duas velas na mesa, venial se falta apenas uma'... E toda a casuística assim e digo isso humildemente... Graças a Deus que aquilo é passado, era uma moral fria de escrivaninha. O que se exige de vocês é uma proposta que responda a um discernimento pastoral carregado de amor misericordioso, visando compreender, perdoar, acompanhar e sobretudo integrar (cf. Exortação Apostólica pós-sinodal Amoris laetitia, 312). Ser eclesial pressupõe isto: integrar."
Sobre o campo "complexo" da bioética, Francisco convidou a exercer a paciência da escuta, a não ter medo diante de situações de conflito, a adotar métodos de pesquisa transdisciplinar que permitam "abordar novos desafios com maior competência e capacidade crítica, à luz do Evangelho e da experiência humana (cf. Gaudium et spes, 46)". O Papa também exortou a se "afastar de dinâmicas extremistas de polarização, mais típicas do debate mediático do que da pesquisa científica e teológica saudável e fértil", e, sobretudo, recomendou a "tornar acessível" e com uma "linguagem do povo" o trabalho realizado pelos profissionais da área:
“'A linguagem do povo', prestem atenção, não esqueçam do santo povo fiel de Deus; mas não pensem neles como são, não: mas nas tuas raízes que estão no santo povo de Deus. Não esqueça que você foi retirado do rebanho, você é deles. Não esqueça o clima do povo, o pensamento do povo, o sentimento do povo. E isso não é comunismo, socialismo, não! Esse é o povo santo e fiel de Deus que é infalível 'em credendo'. Não se esqueçam disso! Vaticano I e depois Vaticano II.”
O Papa, depois, refletiu sobre o terceiro tema da conferência da Academia Afonsiana, isto é, as questões de moralidade social pertinentes à crise ambiental, à transição ecológica, à guerra, ao sistema financeiro, à construção de fraternidade entre os povos, e mais atualmente, à migração e à pedofilia, para estimular a pesquisa e o diálogo. A Igreja espera, concluiu Francisco, que a Pontifícia consiga "conciliar rigor científico e proximidade ao santo povo fiel de Deus", dando "respostas concretas aos problemas reais", atentas "à Verdade salvadora e ao bem das pessoas". Assim como fez Santo Afonso de Liguori, "um grande teólogo", mas capaz de compor canções natalinas confirmando "a beleza da alma", sendo formadores de consciências e maestros de esperança:
"Procuremos então entrar com humildade e sabedoria no complexo tecido da sociedade em que vivemos, a fim de conhecer bem sua dinâmica e propor aos homens e mulheres de nosso tempo caminhos adequados de maturação nessa direção (cf. Gaudium et spes, 26). E eu falo de caminhos, caminhos adequados, não de soluções matemáticas. Os problemas se resolvem caminhando eclesialmente como povo de Deus. E caminhar com as pessoas no estado moral em que se encontram. Carminhar com eles e procurar uma maneira de resolver seus problemas, mas caminhando, não ficar sentados como doutores que, com o dedo assim, condenam sem se importarem."
Fonte: Vatican News