O Ibovespa fechou em queda de 0,49% nesta quinta-feira (17), aos 109.702,78 pontos, após uma sessão agitada, com o com o mercado reagindo a um discurso feito na véspera pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e ao anúncio da minuta da chamada PEC do Estouro, que deixou os agentes com receios de uma deterioração fiscal, já que propõe excluir da regra do teto de gastos os desembolsos com o Bolsa Família e outras mudanças orçamentárias.
O principal índice da B3 chegou a cair 2,72% na mínima do dia, chegando aos 107 mil pontos, mas desacelerou as perdas, após notícias como a da saída do ex-ministro Guido Mantega da equipe de transição, enquanto o ex-ministro Aloizio Mercadante indicou que o grande volume de isenções fiscais está sob análise e pode ser uma maneira de elevar receitas futuras sem aumento da carga tributária.
Já o dólar encerrou em alta de 0,45%, negociado a R$ 5,406. Mais cedo, a moeda norte-americana chegou a disparar 2,76%, a R$ 5,5308 na venda, pico desde janeiro deste ano, e operando acima de R$ 5,50 pela primeira vez desde julho, em meio à possibilidade de que o texto da proposta de emenda à Constituição – PEC do Estouro – seja alterado durante a tramitação no Congresso.
Embora tenha moderado as perdas ao longo da sessão, o real foi uma das moedas de pior desempenho no dia entre seus pares globais.
Alguns investidores ponderaram que os mercados já esperavam, no geral, o valor de R$ 175 bilhões embutido na PEC para os gastos com o Bolsa Família e já enxergavam o risco de não haver prazo claro para as exceções ao teto, de forma que o texto não foi uma surpresa.
Além disso, pode ser que a PEC seja modificada ao tramitar no Congresso, disse Leonel Mattos, analista de Inteligência de Mercado da StoneX, ecoando a visão de vários outros agentes do mercado financeiro que acreditam na possibilidade de o texto ser “enxugado” nas negociações com parlamentares.
Martin Castellano, chefe de pesquisa para América Latina do Instituto de Finanças Internacionais (IIF, na sigla em inglês), por exemplo, chamou de “exagerada” a reação inicial dos mercados à PEC e lembrou que muitas discussões internas acontecerão a partir de agora.
Ainda assim, muitos investidores mostravam preocupação com o desenho da PEC e incertezas sobre como será tocada a política fiscal do governo eleito pelos próximos quatro anos.
“Em nossa avaliação, por meio deste projeto de lei, a equipe de transição do presidente eleito Lula está aumentando a aposta e minimizando/ignorando os sinais de preocupação que o mercado tem enviado com relação à sustentabilidade fiscal no médio prazo”, avaliou em relatório Alberto Ramos, diretor de pesquisa macroeconômica para América Latina do Goldman Sachs.
“O que está incomodando o mercado é a combinação de um nível muito alto de gastos que não estarão sujeitos ao teto de gastos, mas também que isso está ocorrendo sem uma equipe econômica designada para analisar o impacto macro dessas disposições e fornecer algumas orientações/bases sobre a política fiscal”, disse Ramos.
Embora tenha anunciado vários economistas para compor sua equipe de transição, Lula ainda não definiu quem integrará de fato seu Ministério da Fazenda a partir do ano que vem. Três fontes disseram à Reuters na quarta-feira que o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad está sendo visto como o favorito do presidente eleito para comandar a pasta.
Alguns agentes financeiros acreditam que a PEC da Transição –muito heterodoxa aos olhos do mercado– indica inclinação de Lula a nomear uma pessoa do “círculo interno” do PT, como Haddad, à Fazenda, o que poderia agravar o descontentamento dos mercados.
Ramos, do Goldman Sachs, destacou que, para além dos efeitos de curto prazo da PEC, “também não há… qualquer discussão sobre o que deve substituir o teto de gastos como âncora fiscal” durante o governo de Lula.
Respaldou a alta do dólar frente ao real nesta quinta-feira o avanço do índice que compara a divisa norte-americana a uma cesta de seis pares fortes, em meio a temores de que a resiliência da economia dos EUA impeça o Federal Reserve de moderar seu aperto monetário.
Esse medo foi reforçado mais cedo por fala do presidente do Federal Reserve de St. Louis, James Bullard, que disse que mesmo num cenário de conduta mais branda por parte do banco central, os juros ainda precisariam subir mais.
O mercado abriu de mau humor, assim como Lula previu no seu discurso no Egito. Ele dobrou a aposta da oposição entre a responsabilidade fiscal e a social, carregou na crítica contra o teto de gastos e contrapôs o pagamento dos juros da dívida pública aos gastos com educação e saúde.
“Não adiantar ficar pensando só em responsabilidade fiscal”, disse Lula, que está na COP27, em Sharm el-Sheik, no Egito, dia seguinte à entrega da minuta da PEC pela equipe de Transição ao Congresso. E afirmou que quando se fala em teto de gastos se tira dinheiro “da saúde, da educação e da cultura”.
Os juros futuros também reagiam de forma negativa, com os contratos para janeiro de 2025 e 2027 subindo mais 70 pontos-base hoje depois da alta de ontem, quando as taxas sinalizaram expectativa de que o Banco Central não consiga começar a redução da Selic em meados do ano que vem. Ao contrário, aumenta a chance de o Copom voltar a subir a taxa para se antecipar aos efeitos que o descontrole fiscal vai provocar na inflação.
Motivo de apreensão nos mercados, a minuta apresentada na véspera pelo vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, traz proposta de “excepcionalizar” do teto de gastos R$ 175 bilhões para o pagamento do Bolsa Família a partir de 2023 no valor de R$ 600, com adicional de R$ 150 por criança, sem um prazo determinado.
As sugestões apresentadas pela equipe de transição incluem ainda uma autorização para que parte de receitas extraordinárias fique fora do teto e possa ser redirecionada para investimentos, em um limite de 23 bilhões de reais, e também propõe retirar da regra do teto de gastos doações a universidades e fundos ligados à preservação do meio ambiente.
Fonte: CNN com Reuters