Ampliar a testagem, atualizar as orientações de isolamento de casos e correr atrás de vacinas.
Para o médico sanitarista Nésio Fernandes, presidente do Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass), essas são as três ações urgentes que o Brasil precisa tomar para conter a varíola dos macacos antes que ela se torne uma crise ainda mais grave.
O especialista, que também é secretário de Saúde do Espírito Santo, aponta que a resposta do país à nova doença é "protocolar" até agora e pode se tornar "insuficiente" nos próximos meses.
"Na nossa avaliação, o Brasil corre o risco de repetir os erros cometidos no começo da pandemia de covid-19", alerta.
"Com o coronavírus, não tivemos critérios de testagem para casos suspeitos logo no início. À época, isso impediu que o país conhecesse o real tamanho do problema com o qual estávamos lidando", contextualiza.
Fernandes explica que, no momento, existe uma espécie de "silêncio epidemiológico" sobre o vírus monkeypox, o causador da condição, em algumas regiões brasileiras.
Em outras palavras, isso significa que o patógeno pode estar se espalhando pela população sem que tenha sido detectado de forma adequada pelos serviços de saúde.
"Por ora, cada Estado está agindo de forma independente e tem critérios próprios de testagem e acompanhamento de casos", avalia.
"Precisamos de uma coordenação nacional para atualizar e padronizar a estratégia em todo o território e não permitir que o monkeypox se torne uma ameaça ainda maior."
"Sem coordenação nacional, a aquisição de insumos, medicamentos e tecnologias também fica muito mais difícil", completa.
De acordo com o portal Our World In Data, há mais de 17 mil casos confirmados de varíola dos macacos no mundo. Desses, 813 foram diagnosticados no Brasil.
Na avaliação de Fernandes, o decreto de emergência de saúde pública de importância internacional feito pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 23 de junho foi um acerto.
"A decisão permite acelerar ações de vigilância e desenvolvimento de tecnologias para responder rapidamente à doença."
"Sem esse estado de emergência, a comunicação e as ações para conter o problema variam muito de país para país", analisa.
O médico sanitarista explica que, em aspectos como as características de transmissão e a ação dos patógenos, não faz sentido comparar o coronavírus e o monkeypox.
"Não podemos usar a covid como critério para reconhecer outras situações como uma emergência de saúde pública. A doença causada pelo monkeypox, mesmo com uma letalidade mais baixa, circula numa velocidade relevante e em proporções internacionais", diz.
Fernandes também argumenta que a noção distorcida de que a doença só acontece em grupos específicos, como jovens, gays, bissexuais ou homens que fazem sexo com homens, representa uma armadilha das grandes.
"É normal e esperado que algumas enfermidades afetem com mais frequência alguns grupos específicos", explica.
"Porém, pelas próprias características do monkeypox, é questão de tempo, talvez de apenas algumas semanas, para que ele comece a ser encontrado cada vez mais também em outros grupos, como heterossexuais ou idosos."
Questionado pela BBC News Brasil sobre quais são as ações concretas que o Brasil precisa tomar agora para lidar com o monkeypox, o presidente do Conass resumiu a necessidade de mudar as políticas públicas em três aspectos.
Primeiro, reconhecer que todos os Estados estão em risco e já devem ter a transmissão comunitária deste vírus.
"A partir disso, precisamos aumentar a nossa capacidade de testagem e ampliar a suspeita clínica, que define quando uma pessoa deve passar por um exame desses", sugere.
Em segundo lugar, Fernandes diz que é preciso ter uma atenção especial com os critérios de isolamento dos casos confirmados ? a principal forma de transmissão do patógeno acontece por meio do contato direto com as feridas de um paciente. Outras vias infecção são gotículas de saliva e o compartilhamento de objetos contaminados.
A restrição de contato de alguém que está com a varíola dos macacos é essencial para quebrar as cadeias de transmissão do vírus na comunidade e impedir um aumento ainda mais acelerado do número de casos.
"Nos preocupa o cenário atual, em que se recomenda apenas o isolamento de quem teve contato direto com alguém infectado. Vemos que, em muitos casos, a doença evolui com sintomas leves e poucas lesões, que podem passar despercebidos", avalia.
"Deveríamos ter medidas objetivas de saúde pública e criar uma comunicação clara sobre o que fazer", complementa.
A terceira e última ação urgente, na visão do especialista, é acelerar a busca por vacinas que protegem contra a enfermidade.
"O Brasil está lento e precisa de esforços mais vigorosos para adquirir esses imunizantes", critica.
"Fora que nós temos no país instituições reconhecidas internacionalmente, que poderiam ser mobilizadas para a produção desta vacina. Nosso país também tem um peso internacional grande, e poderia utilizar essa influência na OMS ou no mercado para garantir as doses", indica.
"Precisamos entender que o Brasil é um ponto de grande circulação de pessoas. Ter essa doença descontrolada no nosso país representa um risco não só para nós, mas para a América Latina e o mundo inteiro."
Por fim, o sanitarista entende que ainda há tempo de controlar a crise sanitária relacionada ao monkeypox.
"Se tivermos respostas atualizadas, que aumentem a testagem, o bloqueio da transmissão e a vacinação, podemos falar num controle dessa doença ao longo dos próximos anos", acredita.
"Porém, os países que subestimarem o monkeypox agora, terão um impacto muito maior", conclui.
A BBC News Brasil entrou em contato com o Ministério da Saúde para buscar um posicionamento oficial a respeito das ações que estão sendo tomadas para lidar com a varíola dos macacos no país, porém não recebemos nenhuma resposta até a publicação desta reportagem.
- Sobe para 813 número de casos de varíola dos macacos no Brasil; veja onde
O Brasil chegou a 813 casos da doença varíola dos macacos, também conhecida como monkeypox, segundo o balanço divulgado nesta semana pelo Ministério da Saúde. A maioria das confirmações está em São Paulo e no Rio de Janeiro.
Em nota enviada o Ministério da Saúde acrescentou que segue em articulação direta com os estados para o monitoramento dos casos e rastreamento dos contatos dos pacientes. A pasta não divulgou quantos casos estão em investigação.
Veja em quais estados foram confirmados casos da varíola dos macacos:
O Brasil é o oitavo país do mundo com mais casos diagnosticados, segundo dados divulgados ontem pelo CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA). Até o momento, os Estados Unidos lideram a lista com 3.846 casos confirmados, seguido da Espanha com 3.125, e a Alemanha em terceiro com 2.352.
No sábado (23), a OMS (Organização Mundial da Saúde) decretou emergência sanitária global para a varíola dos macacos, termo usado quando há "um evento extraordinário que constitui um risco à saúde pública de outros Estados através da disseminação internacional da doença".
Após o decreto, os governos são convocados a intensificarem o monitoramento da doença, já que para lidar com a nova crise será preciso ação coletiva: os países precisam se preparar para medidas de contenção, como detecção precoce, isolamento e gerenciamento de casos.
Dois dias após o anúncio da OMS, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, afirmou que o Brasil "fez o dever de casa" e está preparado para lidar com o surto de varíola dos macacos.
O secretário de vigilância do ministério da Saúde, Arnaldo Medeiros, declarou que a pasta cogita criar um comitê de segurança dedicado especificamente à varíola dos macacos no Brasil.
"Nós estamos analisando, à medida que os casos forem aumentando. Hoje temos um departamento que toma conta dessa vigilância", declarou Medeiros em entrevista ao Globo.
Medeiros avisou que não há previsão para doses da vacina destinadas à população geral. No entanto, pontuou que a pasta está planejando a compra de imunizantes para trabalhadores de saúde e pessoas em constante contato com esse público.
O quantitativo esperado é de 50 mil doses iniciais, previstas para chegar ainda esse ano, de acordo com o secretário.
A varíola dos macacos é causada por um vírus e transmitida pelo contato próximo com uma pessoa infectada e com lesões de pele. O contato pode se dar por meio de abraço, beijo, relações sexuais ou secreções respiratórias. A transmissão também ocorre por contato com objetos, tecidos (roupas, roupas de cama ou toalhas) e superfícies que foram utilizadas pelo infectado.
Não há tratamento específico, mas, de forma geral, os quadros clínicos são leves e requerem cuidado e observação das lesões. O maior risco de agravamento acontece, em geral, para pessoas imunossuprimidas com HIV/AIDS, leucemia, linfoma, metástase, transplantados, pessoas com doenças autoimunes, gestantes, lactantes e crianças com menos de 8 anos de idade.
O paciente pode ter febre, dor no corpo e apresentar manchas, pápulas [pequenas lesões sólidas que aparecem na pele] que evoluem para vesículas [bolha contendo líquido no interior] até formar pústulas [bolinhas com pus] e crostas [formação a partir de líquido seroso, pus ou sangue seco].
Fonte: UOL