A experiência de mais de 100 anos na produção de vacinas foi fundamental para a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) conseguir distribuir, em menos de dez meses, mais de 160 milhões de doses da vacina Oxford/Astrazeneca contra a covid-19 ao Programa Nacional de Imunização (PNI) do governo federal. A instituição celebra, nesta quarta-feira (25), 122 anos.
O acordo assinado pela fundação também permitiu a transferência de tecnologia. A vice-diretora de Qualidade de Bio-Manguinhos, Rosane Cuber, diz que esta cláusula do contrato foi fundamental para garantir a autonomia nacional e permitir que todo processo de produção fosse realizado na própria fábrica: “Não dependemos mais da importação de produtos como o IFA, o ingrediente farmacêutico ativo. Desta forma conseguimos oferecer uma resposta mais rápida para a população."
Para 2022, a previsão é que o Bio-Manguinhos produza mais de 100 milhões de doses da vacina contra a covid-19.
A Fiocruz também avalia a eficiência dos imunizantes. Uma pesquisa está analisando os efeitos da Astrazeneca em cerca de 6,5 mil moradores do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro. O pesquisador da Fiocruz Fernando Bozza diz que eles vão ser acompanhados durante dois anos. “O objetivo é estudar a necessidade da aplicação de novas doses ou possíveis mudanças na fórmula original. Isto vai ser possível com este monitoramento que vai avaliar a produção de anticorpos na população e o nível de eficácia da vacina”, conta Bozza.
Além de produzir e analisar a eficiência das vacinas, a Fiocruz também trata pacientes com covid-19. Para enfrentar a fase crítica da pandemia, foi construído um hospital com 173 leitos. Toda a obra foi realizada num prazo recorde de 12 semanas.
A pedagoga Kátia de Chiara foi tratada no Centro Hospitalar da Fiocruz. Ela ficou 25 dias internada no hospital e conta como foi o atendimento:
“Quando eu entrei no local achei que não iria sobreviver. O meu quadro era grave e só consegui superar a doença devido ao trabalho dedicado de médicos e enfermeiras da Fiocruz. Além do tratamento da covid, eles também me davam apoio psicológico para amenizar a saudade da família provocada pelo isolamento.”
No Centro Hospitalar da Fiocruz, trabalha uma equipe multidisciplinar com mais de 600 profissionais. O coordenador médico da unidade, André Japiassu, diz que o hospital também recebe pacientes com outras doenças infecciosas.
“Como o número de casos de covid diminuiu estamos usando a estrutura para tratar diversos casos graves de infecção. A estrutura moderna do hospital ajuda no tratamento. Uma das grandes vantagens são os leitos isolados em quartos com pressão negativa, o que impede que o ar do local circule pelo hospital evitando a contaminação de outras pessoas.”
O médico André Japiassu diz ainda que os pacientes tratados no hospital da Fiocruz e em outras unidades de saúde do país agora vão poder contar também com um remédio para tratar a covid-19 que vai ser produzido pela fundação.
Trata-se do molnupiravir, um antiviral que ajuda a evitar os casos graves da doença. “Produzir o medicamento na fundação vai gerar uma autonomia que garante a segurança na distribuição. O molnupiravir administrado nos hospitais já mostrou que é eficiente para evitar o agravamento da covid-19”, destaca.
- Fiocruz faz 122 anos fabricando vacinas e remédios para todo o país
No início do ano de 1900, a cidade do Rio de Janeiro enfrentava uma epidemia de febre amarela e peste bubônica. Para conter o avanço destas doenças, há exatos 122 anos, em 25 de maio daquele ano, o governo inaugurou o Instituto Soroterápico Federal. Começava ali a história da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Em 1908, o Instituto Soroterápico recebeu o nome de Oswaldo Cruz, em homenagem ao bacteriologista que foi o primeiro diretor científico do Instituto e que depois assumiu a direção-geral da instituição. A transformação do instituto em fundação, reunindo diversas unidades de pesquisas científicas e de produção de remédios e vacinas, ocorreu em 1970, quando um decreto estabeleceu a criação da Fundação Instituto Oswaldo Cruz.
Nos primeiros anos, os cientistas desenvolviam soros e vacinas em um pequeno prédio que ficava na fazenda de Manguinhos. Um local que na época era considerado bucólico, mas que hoje fica ao lado da Avenida Brasil, a principal via de acesso ao centro do Rio de Janeiro, por onde passam cerca de 250 mil veículos por dia.
A historiadora Simone Kropf, da Casa de Oswldo Cruz, unidade responsável pela preservação da história da Fiocruz, conta que no início do século passado a fazenda onde funcionava o Instituto Soroterápico era um local amplo e Oswaldo Cruz decidiu construir um castelo para se transformar em um símbolo da ciência. “O Castelo [Mourisco] é uma marca da instituição e da saúde pública brasileira. Ele é muito mais do que uma construção imponente. É um castelo vivo que está aberto para a sociedade”.
O Castelo Mourisco foi inaugurado em 1918. A construção tem 50 metros (m) de altura e uma arquitetura que mistura estilos, com um toque inglês nas duas torres e inspiração árabe nas paredes e janelas além de mosaicos franceses e azulejos portugueses.
Ao longo do tempo, a fundação cresceu e se expandiu. Ela está presente nas cinco regiões do Brasil, com núcleos em dez estados, além do Distrito Federal, e ainda tem parcerias com instituições científicas de 50 países e com organizações internacionais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Atualmente, cerca de 5 mil pessoas trabalham na Fiocruz. A funcionária Silvia Motta, de 61 anos, entrou na instituição quando tinha 23 anos de idade. Hoje, 38 anos depois, ela dirige a creche da fundação e não consegue imaginar sua vida longe da Fiocruz.
“Trabalhando na fundação eu me sinto fazendo parte do desenvolvimento do sistema brasileiro de saúde. Eu cuido dos filhos e filhas de pesquisadores que criam vacinas e remédios que são distribuídos para todo o país. O trabalho da creche ajuda quem está desenvolvendo uma pesquisa a se concentrar melhor no estudo, porque sabe que o filho está sendo bem tratado".
Este orgulho que Silvia tem de trabalhar na Fiocruz pode ser explicado em números. A fundação é a maior produtora mundial da vacina contra a febre amarela. A instituição também produz vacinas contra diversas doenças, como sarampo, caxumba, rubéola, poliomielite e covid-19, entre outras. Só no ano passado, o complexo tecnológico da fundação entregou 233 milhões de doses de vacinas ao Programa Nacional de Imunização, do Ministério da Saúde.
Nos próximos anos, o complexo de produção de vacinas de Bio-Manguinhos vai ganhar uma nova fábrica que está sendo construída em um terreno de Santa Cruz, na zona oeste do Rio de Janeiro.
O diretor de Bio-Manguinhos, Mauricio Zuma, diz que este novo complexo vai ser o maior da América Latina e um dos mais modernos do mundo.
No local, poderão ser fabricados 120 milhões de frascos de vacinas por ano, o que vai aumentar a autonomia do Brasil no setor.
“Vamos incorporar novas vacinas e diminuir os custos com a importação. O complexo vai permitir colocar em práticas novos projetos que estão sendo desenvolvidos pela Fiocruz que visam combater as doenças consideradas negligenciadas, que atingem normalmente a população mais pobre.”
Além das vacinas, a Fiocruz também fabrica remédios. A produção é realizada no laboratório de Farmanguinhos, sediado no Rio de Janeiro e que é o maior fornecedor de medicamentos ao governo federal. Ele tem capacidade para produzir mais de 2,5 bilhões de comprimidos em um ano.
A coordenadora de Desenvolvimento Tecnológico de Farmanguinhos, Alessandra Esteves diz que o laboratório é estratégico para o Ministério da Saúde. A produção nacional serve para atender à demanda do Sistema Único de Saúde (SUS) e ainda impulsiona a economia.
“É muito importante o governo dominar a tecnologia e a produção dos medicamentos. Além da soberania nacional, este processo também ajuda a criar empregos. O trabalho de Farmanguinhos é fundamental para o bem-estar da população e também para o desenvolvimento econômico do país.”
A produção nacional de medicamentos e de vacinas só é possível graças ao trabalho dos pesquisadores da Fiocruz. Todos os anos, cerca 800 artigos científicos são produzidos pela instituição. Estes estudos ajudam a enfrentar doenças como aids, malária, tuberculose, hanseníase, sarampo e meningites.
A diretora do Instituto Oswaldo Cruz, Tânia Araújo, diz que estas pesquisas permitem a criação de novos remédios e vacinas, como uma que está sendo testada para combater a esquistossomose e a fasciolose. “Ao longo da história, tivemos diversas conquistas como a erradicação da varíola e a descoberta da doença de Chagas. O investimento permanente em pesquisa permite que a fundação continue oferecendo medicamentos modernos e de qualidade para a população.”
Fonte: Agência Brasil