Saúde

Brasil deve receber 226 milhões de vacinas contra a Covid-19 até o final do ano





Tendência é que a distribuição de doses de reforço para a população seja ampliada

O Brasil conta com diferentes fornecedores de vacinas contra a Covid-19 para abastecer o Programa Nacional de Imunizações (PNI), do Ministério da Saúde, responsável pela distribuição aos estados e municípios, e, de acordo com as estimativas da pasta, o país deve receber no último trimestre deste ano, entre outubro e dezembro, um total de 226 milhões de doses dos imunizantes.

As previsões de entregas de vacinas pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) são semanais e atualizadas de acordo com a disponibilidade do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA). Segundo a Fiocruz, a AstraZeneca tem garantido entregas mensais de lotes de IFA, conforme acordado. A importação de 8 milhões de doses do Instituto Serum da Índia ainda está sendo negociada, em cronograma sem previsão, de acordo com a fundação.

A Fiocruz entregou na sexta-feira (24) mais de 2 milhões de doses da AstraZeneca ao Ministério da Saúde, somando 4,5 milhões de doses nesta semana. Em oito meses, foram cerca de 101 milhões de imunizantes disponibilizados ao PNI.

As remessas de doses da Pfizer acontecem com regularidade, mais de uma vez por semana. Nesta quinta-feira (23), mais 2 milhões de doses do imunizante chegaram ao país, em dois voos, no Aeroporto Internacional de Viracopos, em Campinas (SP). O primeiro lote veio com um total de 918 mil doses; e outro, com 1,1 milhão.

A chegada de novas doses da vacina da Janssen depende de acordo firmado com a farmacêutica. Já o envio de lotes do Covax Facility é feito segundo planejamento do consórcio global.

O Instituto Butantan, produtor da Coronavac no Brasil, entregou no dia 15 de setembro o último lote destinado ao PNI, com 6,9 milhões de doses de um total de 100 milhões previstas no contrato com o Ministério da Saúde. Nesta quarta-feira (22), o Butantan anunciou a entrega de 2,5 milhões de doses da vacina para cinco estados brasileiros, Ceará, Espírito Santo, Mato Grosso, Pará e Piauí.

Pela primeira vez, o instituto fornece imunizantes diretamente aos estados e não mais via Programa Nacional de Imunizações. “Temos plena capacidade para atender às necessidades do Brasil e também de boa parte dos países do mundo, principalmente os países mais necessitados”, afirmou o presidente do Butantan, Dimas Covas, em anúncio à imprensa.

Doses de reforço

O Brasil já aplicou mais de 394 mil doses de reforço e adicionais contra a Covid-19, segundo o Ministério da Saúde. O envio de 2,2 milhões de vacinas da Pfizer é direcionado para o reforço da imunidade de idosos, imunossuprimidos e indígenas.

De acordo com a orientação do ministério, 1,1 milhão de doses foram enviados para idosos acima de 70 anos, mesma quantidade para reforçar a imunização de pessoas com alto grau de imunossupressão, e 16 mil para a vacinação de indígenas.

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, anunciou na sexta-feira que profissionais de saúde também receberão dose de reforço — vacinas da Pfizer também serão usadas neste caso.

Panorama da vacinação

Segundo o balanço do Ministério da Saúde atualizado nesta sexta-feira (23), o Brasil distribuiu desde o início da vacinação 287 milhões de imunizantes, dos quais 143 milhões para a primeira dose e 85 milhões para a segunda dose e doses únicas (Janssen). Até esta sexta, 229 milhões de doses foram aplicados na população do país.

Atualmente, o ministério distribui os imunizantes com os objetivos de completar os esquemas vacinais nos estados e incluir as doses adicionais e doses de reforço nos públicos prioritários.

Quando os ciclos de duas doses ou dose única forem encerrados, a tendência é que a distribuição de doses de reforço para a população em geral seja ampliada.

- Covid: Registros de casos somem, reaparecem e expõem subnotificação no país

No último sábado (18), o Brasil bateu recorde de novos casos de covid-19. Dois dias depois, o país registrou números negativos de diagnósticos. Ao menos 15 estados recentemente relataram instabilidades na inserção de dados no sistema nacional. Mais de um ano após o início da pandemia, o Brasil ainda tem alta subnotificação nos números, em especial de casos leves da doença.

Segundo levantamento do UOL, Acre, Amazonas, Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Paraíba, Mato Grosso do Sul, Rondônia, Roraima, Santa Catarina e Tocantins notificaram problemas para lidar com a plataforma e-SUS Notifica, onde são registrados todos os diagnósticos e casos leves de covid-19.

No dia 8 de setembro, o sistema passou por uma atualização, segundo informou o Ministério da Saúde. A pasta não entrou em detalhes sobre quais foram as mudanças e citou apenas a inclusão automática dos dados de vacinação, "permitindo a análise de casos em pessoas já vacinadas", e mais campos relacionados à testagem.

A alteração se deu na chamada API (sigla para Application Programming Interface) que é um padrão de programação que permite a comunicação entre sistemas. Por meio da API, os estados conseguem coletar os dados de casos de covid-19 inseridos pelos municípios e hospitais.

Porém, desde a mudança, as secretarias estaduais de saúde alegam instabilidade no sistema e passam dias inserindo números baixos de casos, até que ocorre uma "explosão", devido ao represamento. Também há relatos de dados duplicados, que exigem limpeza e revisão dos números para baixo.

Porém, um problema mais recente identificado após as mudanças do e-SUS foi com dados sendo "encontrados" pelas secretarias. Com a antiga API, alguns casos registrados pelos municípios simplesmente não apareciam para os estados. Com a atualização, eles surgiram.

O exemplo mais gritante aconteceu no Rio de Janeiro no último sábado, quando "encontrou" mais de 92 mil casos não computados pelo sistema estadual. Desses, cerca de 38% ocorreram em 2020.

Dias antes, em 9 de setembro, o estado já havia notificado outros 17.736 casos represados das semanas anteriores devido às mudanças no e-SUS.

A inserção dos números retroativos do sábado levou o país a registrar 125.053 diagnósticos naquele dia, o maior número de toda a pandemia. Até então, o recorde havia sido em 23 de junho, com 114.139.

São Paulo foi o estado que mais notificou problemas, inclusive com outro sistema: o Sivep-Gripe, que registra os casos graves e mortes. No último dia 20, a secretaria estadual de saúde informou que o balanço de óbitos estava "inferior ao esperado devido a uma instabilidade no serviço do Sivep".

Até o último dia 22, duas semanas após as mudanças no sistema, mais dois estados relataram dificuldades: Santa Catarina e Acre. O primeiro registrou mais de 15 mil diagnósticos "que haviam sido notificados pelos municípios, mas que não estavam sendo contabilizados no sistema nacional".

Já o Acre, além de identificar problemas no e-SUS, reportou ter encontrado 18 óbitos registrados nos municípios no SIM (Sistema de Informação de Mortalidade), mas que não constavam na contagem estadual.

A Bahia relatou instabilidade nos dias 11 e 21 de setembro e em ambos os registros ressaltou que a falha é "recorrente desde o lançamento da nova versão, em 8 de setembro de 2021".

Ao UOL, o Ministério da Saúde disse que as alterações no e-SUS são para "melhor atender as ações de vigilância". A pasta disse ter realizado um treinamento remoto com os profissionais que trabalham com a extração de dados por meio do sistema e se colocou à disposição para prestar suporte a quem tivesse problemas.

"No entanto, até o momento, o ministério não foi procurado por nenhum estado relatando problemas", finaliza. À reportagem, porém, diversos estados disseram ter informado os problemas para a pasta.

Números negativos e duplicidades

Dois dias depois do recorde artificial, no dia 20, o país registrou mais de 2.000 casos negativos de covid-19. Isso porque o Ceará retirou 12.028 diagnósticos que estavam registrados no IntegraSUS, a plataforma de saúde do estado.

Com isso, o país teve 2.389 retirados dos mais de 20 milhões de diagnósticos. O Brasil nunca havia registrado números negativos de casos desde a criação do consórcio de veículos de imprensa.

Ao UOL, o Ceará justificou com duplicidade de dados. "Foram detectados diagnósticos positivos para covid-19 no e-SUS Notifica em pessoas cadastradas no mesmo período com nomes diferentes na base de dados do Sivep-Gripe. Essas pessoas estavam contabilizadas como dois casos positivos", informou em comunicado.

O Pará também relatou ter encontrado duplicidades em fichas de pacientes. "Nas últimas semanas, tivemos algumas dificuldades com o Sistema e-SUS como frequente instabilidade no sistema e duplicidade ao salvar fichas e, ainda, também tivemos instabilidade ao acessar o Sivep"

O Maranhão chegou a identificar casos quadruplicados de um mesmo paciente, que teve suas duas doses de vacinas inseridas tanto no SI-PNI quanto no e-SUS. "Quando as doses de um cidadão são inseridas no SI-PNI, em regra, o e-SUS deveria bloquear automaticamente a inclusão dos mesmos dados no seu sistema."

As duplicidades são constantemente apontadas pelas secretarias de saúde e também pelo Ministério da Saúde como a causa para as diferenças nos dados a nível municipal, estadual e federal.

Segundo Domingo Alves, pesquisador do Laboratório de Inteligência em Saúde, da FMUSP-RP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto), essa bagunça nos dados atrapalha a observar o comportamento da pandemia no Brasil.

Ainda assim, já é possível ver o início do aumento dos casos, possivelmente ligado à disseminação da variante delta. "É possível notar já, mesmo com toda essa bagunça de dados, nesta segunda quinzena de setembro, um aumento significativo do número de casos", diz.

E completa: "Essa mudança de comportamento bate com as previsões da disseminação da delta aqui no Brasil, mas ainda está bem aquém do que estava previsto para os números de infecções".

Muito provavelmente isso já são consequências dessa bagunça de dados, que pode ter uma motivação maior aí, no sentido de tentar mostrar de que a pandemia já está sob controle. Mas só vão conseguir enrolar por um tempo limitado porque, se as nossas previsões com a delta estiverem corretas, esses números devem explodir ainda em setembro e começo de outubro." Domingo Alves, pesquisador

- Por que as vacinas não são solução para acabar com pandemias

Vacinas para o covid-19

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"Não podemos nos concentrar em uma vacina para cada novo microorganismo."

Em dezembro de 2020, foram aprovadas as primeiras vacinas contra a SARS-CoV-2.

Ao longo das campanhas de vacinação, as análises mostraram a alta eficácia desses imunizantes.

Isso não mudou, mesmo diante das novas variantes. As vacinas continuam sendo essenciais quando se trata de reduzir a probabilidade de formas graves da covid-19: hospitalização, internações em UTI (Unidade de Terapia Intensiva) e mortalidade.

Como resultado desses excelentes resultados, foi divulgada a mensagem de as vacinas como uma ferramenta fundamental de saúde pública, e a ciência por trás de sua realização como única saída para a situação atual.

Esse quadro de análise da pandemia — e do conceito de saúde pública que daí surge — carece de profundidade e procura pela raiz dos problemas que esta crise tem evidenciado.

"A medicina é uma ciência social e a política nada mais é do que uma medicina em grande escala", disse o patologista Rudolf Virchow (1821-1902) no século 19.

Da mesma forma, nossa análise deve ir mais longe para tentar compreender um fenômeno que não pode ser reduzido exclusivamente à sua dimensão de saúde.

Passageiros de metrô

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Pessoas com renda mais baixa que não puderam trabalhar remotamente foram mais expostas durante pandemia

 

Surtos e doenças com perspectiva histórica

 

Se olharmos para a história das doenças infecciosas, parece difícil imaginar um cenário onde possamos viver sem nos preocupar com os microrganismos presentes em nosso meio.

Apesar de o ônus das doenças infecciosas ter diminuído nos últimos 30 anos, o número de surtos epidêmicos aumentou.

Isso significa que, embora em termos globais, doenças crônicas como o câncer e as doenças cardiovasculares ainda sejam responsáveis pelo maior número de mortes, estamos em uma situação de vulnerabilidade a novas infecções com potencial pandêmico.

Essa alteração ocorre principalmente em surtos de origem zoonótica, nos quais um microrganismo salta de animais para humanos .

Portanto, focar nosso olhar no SARS-CoV-2 torna difícil tentarmos entender as causas do aumento desses fenômenos e seu impacto em nossas sociedades.

Isso colocou as interações com os animais e a destruição dos ecossistemas no centro da pesquisa de novas doenças infecciosas.

Cachoeira em uma montanha

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Problemas estruturais de saúde afetam impacto individual "rio abaixo"

O conceito de One Health (uma integração da saúde das pessoas, animais e meio ambiente) já é reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma das principais abordagens para enfrentar os problemas de saúde emergentes.

 

As causas das causas das pandemias

 

Uma das principais funções da epidemiologia é descobrir quais são os elementos que nos fazem ter uma saúde cada vez melhor.

Esses determinantes são encontrados em diferentes níveis: alguns respondem às nossas características individuais, mas outros estão associados a elementos estruturais como o sistema de saúde, o local de residência ou mesmo o sistema econômico e político.

É o que pesquisadores e organizações internacionais têm chamado de "determinantes sociais da saúde".

Às vezes são representados como um rio: os determinantes individuais são encontrados na parte inferior, enquanto as "causas das causas" estão na parte superior.

Estes, por sua vez, influenciam as causas que estão "rio abaixo".

Se aplicarmos essa abordagem à pandemia covid-19, podemos localizar três eixos principais de análise:

 

1. Aumento da frequência de zoonoses

 

O surgimento de zoonoses depende de um delicado equilíbrio entre pessoas, patógenos e biodiversidade.

No momento em que um desses elementos (como os humanos) altera o equilíbrio de um ecossistema, as consequências podem ir além do impacto inicial.

Vírus de cores diferentes

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Há cada vez mais surtos que podem se transformar em pandemias

Isso pode favorecer o contato com patógenos desconhecidos ou a alteração da biodiversidade que mantinha certos microrganismos em baixo risco para zoonoses.

Algumas das atividades humanas que têm sido relacionadas à maior frequência desses fenômenos têm sua origem em um modelo de produção e extração de recursos que acarreta mudanças no uso do solo, desmatamento ou modificações de microclimas que acabam alterando o equilíbrio dos ecossistemas.

 

2. Rápida disseminação de doenças transmissíveis

 

Com a generalização do acesso a meios de transporte como o aéreo, o surgimento em uma parte do mundo de uma zoonose que se transmite entre humanos pode se espalhar internacionalmente a uma velocidade maior do que a capacidade de resposta dos sistemas públicos de saúde.

Além disso, devemos também considerar o impacto ambiental de certos modelos de mobilidade que podem alterar o equilíbrio que mencionamos no primeiro ponto.

 

3. Impacto desigual da epidemia

 

Embora a princípio os principais líderes tenham tentado estabelecer um marco de solidariedade argumentando que a pandemia afetou a todos nós igualmente, essa afirmação logo foi desacreditada pelas evidências que estavam sendo coletadas em diferentes partes do mundo.

Pessoas com renda mais baixa que tiveram que continuar trabalhando pessoalmente foram mais expostas durante a pandemia.

Terminada a primeira onda pandêmica, os sistemas de vigilância permitiram observar que o risco de contágio aumentava à medida que diminuía o poder socioeconômico, devido à maior participação em empregos presenciais e à precariedade do trabalho, ou mesmo às condições de moradia que dificultavam o isolamento.

Além disso, a probabilidade de morrer de covid-19 também não seguia uma distribuição homogênea entre os grupos sociais.

Os grupos mais marginalizados têm maior prevalência de patologias — como diabetes ou obesidade — que estão associadas a um quadro grave da doença.

Esse fenômeno de uma pandemia que atua sobre as desigualdades de saúde pré-existentes é conhecido como "sindemia".

Mulher sendo vacinada

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Saúde pública com foco nos determinantes sociais não pode se limitar a uma campanha de vacinação

 

As causas das causas

 

Como dissemos no início, diante dos bons resultados das vacinas comercializadas, estabeleceu-se um discurso que coloca a vacina como a única ferramenta para mitigar a pandemia.

No entanto, se olharmos para a análise de algumas das possíveis causas das causas da situação atual, a vacina não é dirigida contra nenhuma delas.

As pandemias não são apenas fenômenos virológicos, mas fenômenos sociais cuja forma é determinada pela atividade humana e pela organização de nossa sociedade.

Portanto, se queremos minimizar seu impacto no futuro, não podemos nos concentrar em uma vacina para cada novo microrganismo, mas sim em implementar os meios necessários para reduzir a probabilidade de seu aparecimento, sua rápida disseminação e seu impacto diferencial na população.

Não é uma dicotomia absoluta, mas a atenção às causas das causas requer estratégias e recursos de longo prazo que não produzirão resultados imediatos.

Uma saúde pública com foco nos determinantes sociais não pode se limitar a uma campanha de vacinação, mas deve compreender os fenômenos que estão por trás do surgimento de novas doenças e sua distribuição desigual na sociedade.

Só assim podemos começar a falar da verdadeira saúde pública como ferramenta para resolver os problemas de saúde coletiva.

*Mario Fontán Vela é doutorando em Epidemiologia e Saúde Pública pela Universidade de Alcalá (UAH), em Madri, na Espanha, e Pedro Gullón Tosio, professor-assistente de saúde pública da mesma universidade.

Fonte: UOL - CNN Brasil - BBC News Brasil