Diferença de remuneração entre a base e o topo da PM é de 15 vezes; pesquisa comparou ganhos das forças de segurança do país
Uma pesquisa inédita sobre as carreira e o salário das forças de segurança brasileiras diz que a distância média de remuneração entre um soldado da PM (Polícia Militar) e um coronel –cargo que está no topo da corporação– é de 15,2 vezes. Segundo o estudo, a desigualdade na remuneração das polícias afeta o cotidiano dos profissionais, principalmente os que estão na base da carreira.
O levantamento faz parte do 15º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado nesta 5ª feira (15.jul.2021) pelo FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública). Segundo a pesquisa, a mediana da remuneração das polícias militares é de R$ 5.655,87. Já a mediana de salário nacional de um coronel da PM é de R$ 25.416,16.
“É uma disparidade muito grande”, disse ao Poder360 o diretor-presidente do Fórum, Renato Sérgio de Lima. “Nenhuma organização que seja saudável em termos de gestão de pessoas tem 15 níveis de diferença entre a base e o teto. Imagina esse policial indo para a quebrada, sendo colocado para subir o morro e tendo que lidar com situações que são exigidas e voltando para casa sabendo que o chefe dele ganha 15 vezes mais”.
Segundo a pesquisa, a ausência de planos de carreira dentro das instituições policiais e a falta de incentivos para as funções mais baixas fazem com que governos adotem soluções de curto prazo, como a progressão automática por tempo de serviço.
A estratégia, aliada à estrutura das polícias militares, similar à das Forças Armadas, também gera distorções para o cumprimento do serviço. Em média, para cada sargento (posto com função de supervisão e fiscalização), existem 2,3 cabos e soldados cumprindo funções operacionais. Em Tocantins, Acre, Distrito Federal, Rio Grande do Norte e Amazonas existem mais chefes do que chefiados.
“Compromete-se o planejamento e a estimação de quantitativos para novos concursos e as polícias ficam engessadas por uma estrutura das FFAA (Forças Armadas) que, mesmo que essas polícias sejam militares, não faz sentido no dia-a-dia do ser e fazer polícia. É preciso rever as estruturas e, mais, se pensar que planos de carreiras não são sinônimo de postos e patentes”, diz a pesquisa.
O estudo mapeou as condições de 86 corporações policiais do Brasil, envolvendo Polícias Federal, Rodoviária Federal, Civis, Penais e Militares da União, Estados e do Distrito Federal, além de 27 Corpos de Bombeiros Militares. As informações foram coletadas a partir de dados públicos disponíveis nos Portais da Transparência do governo federal e de 25 Unidades da Federação. Ficaram de fora os Estados da Bahia e Rio de Janeiro, que não têm sistemas de consulta sobre o rendimento dos servidores públicos.
O resultado foi a compilação de informações sobre 574.338 profissionais da segurança. O total de policiais em atuação no Brasil entre fevereiro e março de 2021, incluindo os Estados sem dados disponíveis, é de 686.733.
A maior parte desses servidores é composta de policiais militares. A categoria representa 53,5% do total do efetivo no país (406.426 pessoas). São Paulo é o Estado com mais militares ativos –são 82.009. O número inclui também os bombeiros, corporação que é vinculada à Polícia Militar paulista.
A questão salarial esteve no centro de episódios delicados envolvendo as forças de segurança, como o motim de policiais militares do Ceará, em fevereiro de 2020. A valorização desses profissionais, segundo o pesquisador, acaba ficando restrita na maioria das vezes a aumento de remuneração. Lima afirma que o foco das reivindicações e do debate sobre a condição de trabalho dos policiais não passa pelo questionamento da estrutura de funções, cargos e carreiras.
O movimento teve também a política como uma questão de fundo, com intenção de desestabilizar o governo cearense sob o comando do petista Camilo Santana. O contexto da gestão do presidente Jair Bolsonaro no país também favoreceu a ação. “Bolsonaro e seu grupo têm historicamente apoiado policiais amotinados pelo país, propondo anistias. Ele tende a ter mão leve nessas situações. O próprio Bolsonaro foi um amotinado, e por isso foi expulso do Exército”, disse, à época do motim, Rafael Alcadipani, integrante do FBSP e professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas).
Defensor da polícia desde os tempos em que exercia mandato como deputado federal, Bolsonaro continua se associando à categoria. Durante um passeio de moto em São Paulo, em junho de 2021, o mandatário posou para fotos abraçado a policiais fardados. Ele também participa de eventos de formatura de novos soldados.
Apesar do apoio, os gestos tratam-se de um movimento para “fidelizar” a base sem se preocupar com mudanças substantivas, segundo Renato de Lima. “Ele[Bolsonaro] prefere fazer uma retórica inflamada sobre excludente de ilicitude, de aumento no número de armas de fogo, dando margem para a milicianização da área da segurança pública. O que a gente vê na politização é que há muito barulho nas questões que mobilizam sua base, mas um silêncio omisso no que diz respeito aos reais problemas dos policias brasileiros”.
Um elemento que fragiliza essa discussão, segundo o pesquisador, é a proposta de reforma Administrativa do governo federal, em tramitação na Câmara. O projeto cria novos tipos de vínculos de servidores com o Estado, e estipula um período de experiência de 2 anos para novos funcionários antes da efetiva posse no cargo. A modalidade inclui policiais.
Parte das forcas de segurança critica Bolsonaro, principalmente depois projetos como a reforma da Previdência e a PEC Emergencial, que afetaram as categorias. A UPB (União dos Policiais do Brasil), afirmou que o governo Bolsonaro trata os profissionais da segurança pública com “desprezo”.
“Os policias não são a categoria pior remunerada, mas eles também não são marajás. Eles não ganham o equivalente a carreiras típicas de Estado”, disse Lima. “Eles têm o ônus de lidar no cotidiano com a violência, criminalidade, milicianização, com maus feitos dos próprios colegas que eventualmente caminham para corrupção. É um pressão extremamente ruim”, declara.
O relatório também traz especificidades de outras duas carreiras da segurança pública: as polícias Penal e Civil.
No 1º caso, a corporação foi criada em 2019 e ainda tem problemas relacionados à falta de uniformidade e de regulamentação. Aprovada pela Câmara em novembro, a Polícia Penal foi promulgada no mês seguinte, e passou a constar na Constituição ao lado das outras forças policiais. São 97.059 policiais penais, cerca de 12,8% de todo efetivo policial brasileiro.
“As estruturas administrativas que cuidavam da área prisional, que não eram polícias e não estavam sujeitas a controle externo da atividade policial por parte do MP (Ministério Público), por exemplo, foram convertidas em polícias e assim continuam operando. As polícias penais têm, após 2 anos de terem sido criadas, baixo nível de regulamentação e governança, inserindo-se no sistema de segurança pública de modo não totalmente articulado. Elas passaram a integrar o SUSP (Sistema Único de Segurança Pública), mas os ajustes e compatibilizações ainda não foram feitos”, afirma o estudo.
A regulamentação da carreira ainda não foi feita a nível federal, e só 4 Estados o fizeram: Goiás, Maranhão, Rio Grande do Norte e Santa Catarina. Outros 19 têm propostas tramitando nas assembleia legislativas ou em grupos de trabalho.
A remuneração dos policias penais é menor que a dos militares. A mediana nacional é de R$ 4.161,22, com mínimo de R$ 2.446,02 e máxima de R$ 38.541,46. “São Paulo, que administra 29,0% dos presos do país, destaca-se por ter a maior distância entre remunerações brutas mínimas e máximas, de 15,4 vezes. Já Amazonas é o estado com a menor distância entre as Unidades da Federação com informações desagregadas (exceto União, Bahia, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul), com apenas 1,5 vez de diferença entre a menor e a maior remuneração bruta identificada no seu Portal da Transparência”.
A polícia civil é a 3ª carreira policial com maior contingente no Brasil. São 93.143 servidores, divididos em: 11.568 delegados, 18.858 escrivães, e 62.717 investigadores.
O estudo afirma que há um “gargalo” no processo penal, ao constatar que há um número menor de delegados em relação a integrantes do MP (12.915) e do Judiciário (14.455). As quantidades referem-se a todos os níveis e esferas (exceto Justiça do Trabalho).
Com papel de polícia judiciária, a polícia civil exerce por meio dos delegados o 1º passo no sistema de justiça criminal, que é o da investigação. Denúncia e julgamento são atribuições do MP e do Judiciário, respectivamente.
“Em outras palavras, os números sugerem que a capacidade de processamento de casos nas etapas de denúncia e julgamento de processos penais é mais ou menos similar, mas há problemas da etapa de investigação, cujo volume de casos é muito grande, que poderiam ser mitigados tanto por reformas das carreiras policiais quanto, mesmo, na gestão do próprio Judiciário, como, por exemplo, os juízes de garantia, que poderiam aproximar Judiciário e Polícias e otimizar os esforços de todos os envolvidos no fluxo do sistema”, afirma a pesquisa.
Fonte: Poder360