Depois de ensaiar moderação nas últimas semanas, o presidente Jair Bolsonaro(sem partido) retomou hoje uma narrativa mais enfática em defesa do uso de medicamentos sem eficácia científica comprovada, como a hidroxicloroquina, no tratamento da covid-19.
O governante também reconheceu um "isolamento mundial" em relação à postura adotada frente à pandemia do coronavírus, mas disse que não dá importância para eventuais danos à sua "biografia". "Estou me lixando para 2022", declarou ele, em referência ao ano que vem, quando disputará a reeleição.
"Por que essa campanha mundial contra médicos, métodos e contra quem fala do tratamento imediato [em referência ao uso de medicamentos]? O que está acontecendo com o mundo?", questionou o presidente.
"Eu acho que eu sou o único líder mundial que apanha isoladamente. O mais fácil é ficar do lado da massa, da grande maioria, você evita problemas. Não é acusado de genocida e não sofre ataques por parte de gente que pensa diferente de mim."
Ainda de acordo com o Bolsonaro, o inimigo do país não seria "o presidente", "o governador" ou "o prefeito", e sim "o vírus".
As declarações ocorreram durante visita ao município de Chapecó, em Santa Catarina, na manhã de hoje. O prefeito, João Rodrigues (PSD), também é defensor do uso da hidroxicloroquina e de outros medicamentos testados no combate à covid-19 (mas que não possuem eficácia científica comprovada).
Durante o discurso, apesar da clara referência, Bolsonaro evitou citar diretamente o nome de medicamentos, mas no final sugeriu que a pandemia não atingiu a África com força porque a hidroxicloroquina e ivermectina são usadas com maior frequência por causa de outras doenças. Não há nenhum indício desta relação.
Bolsonaro ainda citou o tratamento ao qual foi submetido quando contraiu a doença, dizendo que não iria dizer o nome do medicamento que tomou, mas que se curou em 24 horas. O presidente já disse anteriormente que fez uso da hidroxicloroquina. Porém, não há como fazer a relação entre a melhora do quadro clínico com o uso do medicamento, uma vez que a maior parte dos infectados não tem complicações da doença.
O presidente ainda repetiu um discurso ao qual recorre desde o início da pandemia, defendendo que médicos tenham liberdade na escolha dos tratamentos para a covid-19. "Não sei como salvar vidas, não sou médico, mas não posso tolher liberdade do médico",
Bolsonaro voltou a atacar medidas de restrição e o "lockdown" —alternativas importantes para conter o espalhamento do vírus, segundo avaliações feitas por especialistas em saúde e autoridades na área de epidemiologia e controle sanitário. Para o presidente, o isolamento social e a interrupção de atividades comerciais trazem danos à economia e lançam o país em um abismo econômico e social.
O chefe do Executivo disse que, no que depender dele, não haverá "lockdown nacional'.
Ontem, o Brasil pela primeira vez superou a marca de 4.000 mortes por covid-19 registradas em 24 horas (4.211). Nos últimos sete dias, morreram, em média, 2.775 pessoas em decorrência da doença no país. Já são 75 dias em que a média fica acima de mil.
Bolsonaro visitou Chapecó depois de elogiar o prefeito da cidade durante esta semana, especialmente por sua defesa do tratamento precoce. Ele disse que a cidade catarinense era um exemplo a ser seguido, apesar de ter registrado 541 mortos por covid-19, sendo que mais de 410 foram registrados neste ano.
Porém, conforme mostrou o UOL Confere, João Rodrigues (PSD), distorceu dados da covid-19 ao divulgar um vídeo afirmando que, em 60 dias, o município passou "dos piores resultados do Brasil aos melhores números". Embora nos últimos dias as notificações pela doença tenham reduzido, Rodrigues omitiu que a cidade adotou medidas restritivas e citou apenas que seguiu "todos os protocolos".
Ao fim de fevereiro, a cidade também implementou medidas restritivas para tentar frear o avanço do vírus. A falta de leitos levou à transferência de pacientes para o Espírito Santo e, mesmo após o fim do decreto municipal, Chapecó aderiu às restrições implementadas pelo estado de Santa Catarina.
Além disso, o município também ampliou a testagem da população e criou enfermarias próprias para atender pacientes com coronavírus, aliviando a pressão sobre outras unidades de saúde.
O fechamento completo dos serviços é uma das medidas criticadas pelo presidente. Desde o início da pandemia, Bolsonaro também apoia, sem comprovação científica, o uso da hidroxicloroquina e ivermectina como suposto "tratamento precoce" contra a covid-19. Na semana passada, a OMS descartou o uso da ivermectina em pacientes em tratamento contra a covid-19. O medicamente foi liberado apenas para uso em ensaios clínicos.
*Colaborou Fábio Castanho, de São Paulo
Fonte: UOL