Política

Governo diz que sempre apoiou vacinação. Declarações mostram o contrário





A Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) divulgou em suas redes sociais nesta terça-feira (23) um vídeo acusando a imprensa de divulgar notícias falsas sobre a posição do governo federal com relação às vacinas contra a covid-19.

No vídeo, a Secom aponta a matéria "Governo adota discurso antivacina e diz que imunização não é obrigatória", do Congresso em Foco, como mentirosa. Em setembro de 2020, o site noticiou que o presidente Jair Bolsonaro disse a apoiadores que "ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina". Na época, a mensagem foi compartilhada pela conta oficial da Secom, conforme mostra a reportagem.

Além do Congresso em Foco, a Secom também ataca a BBC e o UOL por divulgar matérias "descontextualizadas" e diz que a imprensa faz "demagogia midiática". Além de estar na conta oficial da Secom, o vídeo também foi compartilhado pelas redes sociais do presidente e de seu filho Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ).

Em outubro de 2020, em guerra política contra João Doria (PSDB-SP), Bolsonaro desautorizou o então ministro da Saúde Eduardo Pazuello e disse que o governo não compraria a vacina chinesa CoronaVac desenvolvida pelo laboratório Sinovac Biotech, em parceira com o Instituto Butantan, em São Paulo. Na época, os estudos para o imunizante estavam em fase avançada, na terceira e última etapa de testes clínicos.

A declaração repercutiu globalmente Bloomberg, Forbes, BBC, Al Jazeera e El País foram alguns dos veículos de imprensa estrangeira que destacaram o anúncio feito pelo presidente ao desautorizar seu ministro. O site da revista Forbes deu destaque à frase de Bolsonaro de que “o povo brasileiro não será cobaia de ninguém”, referindo-se aos chineses.

Em 16 de outubro de 2020, Jair Bolsonaro reafirmou que a vacina contra a covid-19 não seria obrigatória. O presidente disse que os governos estaduais poderiam, com anuência prévia do Ministério da Saúde, propor medidas legislativas visando o cumprimento das vacinações, mas que o governo federal não via a necessidade de determinar vacinação compulsória e que não recomendaria a ação por gestores locais.

Pelo menos três projetos de lei foram apresentados à Câmara dos Deputados com o objetivo de garantir a imunização da população brasileira. Em linha oposta, a deputada Bia Kicis (PSL-DF) apresentou projeto que suprimia a menção direta à vacinação compulsória no rol de medidas que as autoridades poderiam adotar. A bolsonarista  Carla Zambelli (PSL-SP) e o deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP) também são autores de um projeto com objetivo semelhante ao de Bia Kicis.

No mesmo mês, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski encaminhou diretamente ao Plenário do STF ações ajuizadas por partidos políticos sobre a vacinação da população contra a covid-19. Em dezembro, o Plenário decidiu que a vacinação compulsória era constitucional.

Em novembro, após interrupção temporária dos estudos da vacina por causa da morte de um dos voluntários, Bolsonaro respondeu a um seguidor nas redes sociais dizendo que "a vacina jamais poderia ser obrigatória".

Na primeira transmissão ao vivo de 2021, ao lado de Eduardo Pazuello, o presidente levantou suspeita sobre a qualidade das vacinas contra a covid-19 e disse que elas ainda não tinham comprovação científica. "E você vê, é uma vacina emergencial. Não tem uma comprovação científica ainda”.

O primeiro sinal de mudança no discurso do governo começou a acontecer em janeiro, poucos dias antes da Anvisa aprovar o uso emergencial da CoronaVac e da vacina AstraZeneca/Oxford. Em live, Bolsonaro disse que “a Anvisa certificou qualquer vacina, não interessa de onde [vamos adquirir]”.

Kit-covid

Diferentemente do discurso dispensado à vacina, desde o início da pandemia, quando afirmou que a covid-19 seria apenas uma gripezinha, Bolsonaro vem defendendo com frequência o uso de medicamentos sem comprovação de eficácia contra a doença.

Em fevereiro, o Congresso em Foco mostrou que o governo federal deve gastar ao menos R$ 23,4 milhões em propagandas defendendo o chamado "tratamento precoce". A Secretaria de Comunicação mantinha até então uma campanha de nome "Covid-19 – Cuidado Precoce", lastreada por um contrato de R$ 19,9 milhões, firmado pelo antigo Ministério do Esporte, com uma única empresa que já emitiu 260 comerciais em em estações de rádio, programas de TV e outdoors sobre o tema, entre 16 de novembro e 30 de dezembro de 2020.

O Ministério da Saúde entrou com R$ 3,4 milhões na “Campanha de Cuidado Precoce”, com base em três outros contratos. No auge da crise da falta de oxigênio no Amazonas, a pasta lançou o aplicativo TrateCov, que indicava "tratamento precoce" para a covid-19.

A forma de funcionamento do formulário virtual, que já saiu do ar, receitava um coquetel de cloroquina, hidroxicloroquina, ivermectina, azitromicina, doxicicilina, sulfato de zinco e dexametasona para quase qualquer sintoma, até mesmo sinais de ressaca.  Os medicamentos não têm eficácia para a covid-19.

O Comitê Extraordinário de Monitoramento covid-19 (CEM Covid) da Associação Médica Brasileira (AMB) publicou, nesta terça-feira (23), um boletim com uma série de recomendações de protocolos médicos a serem seguidos durante a pandemia. O grupo é taxativo ao pedir que cloroquina e outros remédios do "kit-covid" defendido por Jair Bolsonaro sejam banidos do tratamento.

Recordes de mortes

Após críticas, Eduardo Bolsonaro apagou publicação com a frase "nossa arma agora é a vacina" 

Reprodução redes sociais 

Com a escalada dos casos e mortes por covid-19 desde o fim de fevereiro deste ano e as cobranças de diversos setores da sociedade por medidas mais enérgicas do Executivo no enfrentamento à pandemia, o governo federal vem mudando sua postura sobre o tema.

Pelas redes sociais, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) publicou um post no último dia 9 dizendo que "agora" a nossa arma é a vacina. Na época, o Brasil registrava 268.370 vítimas fatais da doença.

Após ser criticado pelo uso da palavra "agora", o filho do presidente apagou a imagem de um Zé Gotinha usando uma seringa como fuzil e repostou com a frase: "nossa arma é a vacina".

No sábado (20), o Itamaraty publicou em suas redes sociais que, em coordenação com o Ministério da Saúde, está em tratativas com o governo dos Estados Unidos desde o dia 13 para viabilizar a importação pelo Brasil de vacinas do excedente disponível nos Estados Unidos.

Na sexta-feira, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil protocolou um pedido de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) juntamente com um pedido de medida cautelar no STF para pressionar o governo a comprar vacinas em quantidade suficiente, garantindo a realização da vacinação em massa da população de maneira "célere".

No mesmo dia, o governo federal anunciou a compra de mais 138 milhões de doses de vacinas covid-19, em um acordo com  Pfizer e Janssen. Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que com esta aquisição, o Brasil já tem mais de 562 milhões de doses de vacinas contratadas para 2021. No entanto, os dados da pasta levam em consideração imunizantes que ainda não têm contrato assinado ou autorização para uso no Brasil como o imunizante da própria Janssen e a vacina russa Sputnik V. Assim, a falta imediata de imunizantes de primeira ou segunda doses ainda continua, o que já levou muitas cidades a suspenderem o processo de vacinação.

Pesquisa Datafolha do último dia 16, indica que a rejeição ao presidente subiu seis pontos percentuais em dois meses, e alcançou 54% da população. O agravamento da crise sanitária da covid-19 e a falta de auxílio emergencial à população influenciam na avaliação, segundo o instituto. Em janeiro, 48% desaprovavam o presidente.

Após a morte do senador Major Olímpio (PSL-SP) por covid-19 na semana passada, os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) e Câmara, Arthur Lira (PP-AL), refletindo cobranças mais fortes dos parlamentares ao governo,marcaram uma reunião com Bolsonaro e o presidente do STF, Luiz Fux, para tentar formar um comitê central de crise.

Nesta terça-feira (23), Jair Bolsonaro empossou, fora da agenda oficial, o novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. O médico cardiologista é o quarto chefe da pasta em pouco mais de um ano de pandemia.

Ainda que o discurso antivacina tenha abrandado, o governo federal ainda se mostra contra medidas de isolamento social e lockdown. Hoje, o ministro Marco Aurélio Mello, decano do Supremo Tribunal Federal (STF), negou o pedido de Jair Bolsonaro para considerar ilegais decretos dos estados da Bahia, Rio Grande do Sul e Distrito Federal que ordenavam fechamento total do comércio e toque de recolher para combater a pandemia de covid-19.

 

Fonte: Congresso em Foco