Cotidiano

Vacinas contra covid: como está a vacinação no Brasil e no mundo





Quando se trata da vacina contra a covid-19, há uma pergunta que a maioria das pessoas está se fazendo - quando ela vai chegar a todos? Afinal, vacinar o mundo contra o novo coronavírus é uma questão de vida ou morte.

Alguns países definiram metas muito específicas, mas para o restante do mundo a imagem é muito menos clara, pois envolve processos científicos complicados, corporações multinacionais, promessas governamentais conflitantes e uma grande dose de burocracia e regulamentação. Não é nada simples.

Cobertura de vacinação

 

Quando vou receber a vacina?

 

No Brasil, a vacinação começou no fim de janeiro. Até agora, segundo a plataforma de dados Our World In Data, mais de 10 milhões de doses já foram administradas. 

Mas uma grande parcela da população ainda falta ser vacinada. 

Foram 5,05 doses por 100 habitantes. Já em Israel, o país com a maior taxa de vacinação do mundo, 106,5. No Chile, o país da América Latina que mais rapidamente tem vacinado sua população, essa taxa é de 32,09.

Em números absolutos, os Estados Unidos são o país que mais administrou doses de vacinas contra a covid-19, cerca de 98,2 milhões até agora.

Especialistas alertam que, em meio ao pior momento da pandemia, a única solução para o Brasil é a adoção de um confinamento mais rígido e a aceleração da vacinação. 

Nos últimos dias, o Brasil vem batendo seguidos recordes de mortes diárias e, em muitos Estados, já não há mais leitos UTI (Unidade de Terapia Intensiva).

Eles dizem que o número alto de mortes pode ser explicado, principalmente, pela livre circulação de pessoas e por uma variante (P.1) do coronavírus mais transmissível e que, de acordo com estudos preliminares, causaria reinfecçãonaqueles que já tiveram a doença. 

Em entrevista recente à BBC News Brasil, o biólogo e divulgador científico Átila Iamarino sugeriu que o Brasil deveria fazer "o que o restante do mundo fez: decretar um lockdown mais rígido e correr com a vacinação. Isso é o mínimo". 

Mas, sem uma estratégia a nível federal, acrescentam, esse objetivo dificilmente será cumprido.

"De que adianta um município ou um Estado decretar um confinamento se as pessoas de municípios ou Estados vizinhos continuarem circulando? Isso faz com que a localidade tenha todo o prejuízo econômico e político de confinar sua população, mas sem o sucesso que poderia ter se essa ação fosse coordenada. A falsa impressão é de que o esforço não funciona, quando, na verdade, ele está sendo sabotado a nível federal", assinalou Iamarino.

"Por isso, digo que temos dois inimigos para enfrentar no Brasil. Um é a nova variante e o outro é a falta de estratégia do governo federal".

"Como resultado, temos pronta a receita para que mais variantes perigosas surjam", acrescentou Iamarino.

Confira o programa de distribuição está acontecendo em todo o mundo.

 

Quantas vacinas foram fabricadas?

 

Até agora, mais de 335 milhões de doses das várias vacinas contra o coronavírus foram administradas, em mais de 100 países em todo o mundo. É o programa de vacinação de maior escala da história.

As primeiras vacinas foram administradas menos de um ano depois que os primeiros casos de um novo coronavírus foram confirmados, em Wuhan, China, mas o lançamento global de vacinas tem sido irregular.

Alguns países garantiram e entregaram doses a uma grande proporção de sua população - mas muitos outros ainda estão esperando a chegada dos primeiros carregamentos.

Em suas rodadas iniciais de vacinação, a maioria dos países está priorizando:

· Maiores de 60 anos 

· Trabalhadores de saúde 

· Pessoas que são clinicamente vulneráveis

 

Qual o desfecho da vacinação até agora?

 

E em países como Israel e Reino Unido, já há sinais promissores de que as vacinas estão reduzindo as internações e mortes em hospitais, bem como a transmissão na comunidade.

Mas, embora quase toda a Europa e as Américas tenham iniciado campanhas de vacinação, apenas uma parcela de países africanos o fez.

Agathe Demarais, diretora de previsão global da Economist Intelligence Unit (EIU), braço de pesquisa e análise da revista britânica The Economist, fez algumas das pesquisas mais abrangentes sobre o assunto.

A EIU analisou a capacidade de produção mundial juntamente com a infraestrutura de saúde necessária para fazer chegar as vacinas aos braços das pessoas, o tamanho da população que um país tem que vacinar e, claro, o que eles podem pagar.

Muitas das descobertas da pesquisa parecem constatar o óbvio: a distribuição desigual das vacinas entre nações ricas e pobres. O Reino Unido e os Estados Unidos estão bem abastecidos com vacinas no momento, porque eles poderiam investir muito dinheiro no desenvolvimento delas e, assim, recebê-las primeiro.

Alguns outros países ricos, como Canadá e os da União Europeia, estão um pouco mais atrás.

A maioria dos países de baixa renda ainda não começou a vacinar, mas há algumas surpresas. Confira o programa de distribuição está acontecendo em todo o mundo.

Gráfico sobre qual vacina tem maior alcance no mundo

 

Os países ricos estão acumulando vacinas?

 

O Canadá enfrentou críticas no fim do ano passado por comprar cinco vezes o suprimento de que precisa para cobrir sua população, mas parece que o país não vai receber as vacinas primeiro.

Isso porque o governo canadense optou por investir em vacinas de fábricas europeias, temendo que os EUA, ainda sob o comando de Donald Trump, proibissem as exportações. Mas essa acabou sendo uma aposta ruim.

As fabricantes europeias têm tido problemas com o abastecimento e, recentemente, foi a UE, e não os EUA, que ameaçou proibir as exportações.

"Enquanto o mercado europeu não tiver vacinas suficientes, acho que as grandes importações para o Canadá vão continuar fora de cogitação", diz Agathe Demarais.

Mas também existem alguns países que estão se saindo melhor do que o esperado.

A Sérvia teve um desempenho melhor do que qualquer país da UE no que se refere à proporção da população já vacinada.

Isso se deve em parte a uma implementação eficiente, mas o país também está se beneficiando da diplomacia de vacinas - uma batalha entre a Rússia e a China por influência na Europa Oriental.

A Sérvia tem acesso à vacina Sputnik V da Rússia, à SinoPharm, da China, à Pfizer dos EUA/Alemanha, e à vacina Oxford AstraZeneca desenvolvida no Reino Unido.

Até agora, a maioria das pessoas parece ter recebido SinoPharm.

 

O que é diplomacia de vacinas?

 

A influência que a China está exercendo aqui provavelmente será de longo prazo. Os países que usam a primeira e a segunda dose da SinoPharm também devem procurar a China para doses de reforço, se forem necessárias no futuro.

Os Emirados Árabes Unidos também confiaram na vacina SinoPharm - em fevereiro, ela representou 80% das doses administradas. Os Emirados Árabes Unidos também estão construindo uma unidade de produção da SinoPharm .

"A China está chegando com instalações de produção e trabalhadores treinados, então vai dar uma influência de longo prazo", diz Agathe Demarais . "Será muito, muito difícil para os governos receptores dizerem não à China para qualquer coisa no futuro."

No entanto, ser uma superpotência global em vacinas não significa que sua população será vacinada primeiro.

A pesquisa da EIU prevê que duas das potências mundiais de produção de vacinas, China e Índia, podem não ser vacinadas o suficiente até o final de 2022. Isso porque os dois países têm enormes populações para enfrentar e uma força de trabalho de saúde limitada.

No Brasil, a vacinação já começou, mas a estimativa é de que a imunização em massa só seja atingida na metade do ano que vem, segundo a EIU.

O estudo destaca que Brasil e México, classificados como países de renda média, terão doses para imunizar grupos prioritários devido aos acordos firmados com os laboratórios em troca da execução de testes clínicos.

Entretanto, a "capacidade de chegar à vacinação em massa depende de outros fatores, incluindo espaço fiscal, tamanho da população, número de profissionais de saúde, infraestrutura e vontade política".

Outros países da América Latina, como Argentina e Chile, também terão vacinação em massa somente em 2022, segundo as estimativas. E Bolívia, Paraguai, Venezuela, Guiana e Suriname, a partir de 2023.

Mulher toma vacina em Mumbai, na Índia

EPA

Apesar de ter se tornado um 'eldorado' de fabricação de vacinas, Índia não será a primeira a vacinar sua população

 

Índia: eldorado da produção de vacinas

 

O sucesso da Índia como produtora da vacina contra a covid-19 se deve em grande parte a um homem, Adar Poonawalla. Sua empresa, o Instituto Serum, é o maior fabricante de vacinas do mundo.

Mas, no meio do ano passado, sua família começou a pensar que ele havia perdido a sanidade. Ele estava apostando centenas de milhões de dólares de seu próprio dinheiro em vacinas, em um momento em que não sabia se (e quais) funcionariam.

Em janeiro, a primeira dessas vacinas, desenvolvida pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, em parceria com a farmacêutica AstraZeneca, foi entregue ao governo indiano. Agora, o Serum está produzindo 2,4 milhões de doses por dia.

Sua empresa é um dos dois principais fornecedores da Índia e também fornece vacinas para o Brasil, Marrocos, Bangladesh e África do Sul.

"Achei que a pressão e toda a loucura acabariam agora que fizemos o produto, mas o verdadeiro desafio é tentar manter todos felizes", diz ele.

"Pensei que haveria tantos outros fabricantes capazes de fornecer. Mas, infelizmente, no momento, pelo menos, no primeiro trimestre, e talvez até no segundo trimestre de 2021, não veremos um aumento substancial na oferta."

Ele afirma que a produção não pode ser aumentada durante a noite.

"Leva tempo", diz Poonawalla. "As pessoas pensam que o Instituto Serum tem um tempero secreto. Sim, somos bons no que fazemos, mas não é uma varinha mágica."

Poonawalla tem uma vantagem competitiva agora porque começou a construir instalações em março do ano passado e a estocar produtos como produtos químicos e frascos de vidro em agosto.

Durante a produção, a quantidade de vacina produzida pode variar muito e há muitos estágios em que as coisas podem dar errado.

"É tanto arte quanto ciência", diz Agathe Demarais, da EIA.

Para os fabricantes que estão iniciando a produção agora, levará meses para produzir vacinas. E o mesmo se aplica a quaisquer reforços que possam ser necessários para lidar com novas variantes.

Poonawalla diz que está comprometido em fornecer primeiro para a Índia e depois para a África por meio do esquema chamado Covax, que visa a distribuição igualitária e acessível de vacinas pelo mundo.

A Covax é uma iniciativa liderada pela OMS, Gavi, a aliança da vacina e o Centro de Preparação para Epidemias (CEPI).

Os países que não podem pagar as vacinas vão obtê-las gratuitamente por meio de um fundo especial. O restante vai pagar, mas a teoria é que eles conseguirão um preço melhor negociando em blocos do que se o fizerem individualmente.

A Covax está planejando começar a distribuir vacinas no fim de fevereiro (a expectativa é de que o Brasil receba 10,6 milhões de doses por intermédio do Covax neste semestre).

Nesse ínterim, o plano da Covax está sendo prejudicado pelo fato de que muitos países envolvidos também estão negociando seus próprios acordos paralelamente.

Poonawalla diz que quase todos os líderes africanos no continente entraram em contato com ele para ter acesso às vacinas de forma independente. Recentemente, Uganda anunciou que havia garantido 18 milhões de doses do Instituto Serum por US$ 7 cada — muito mais do que os US$ 4 pagos pela Covax.

O Instituto Serum afirma estar em negociações com Uganda, mas nega que qualquer acordo tenha sido assinado.

Poonawalla fornecerá 200 milhões de doses da vacina da Oxford/AstraZeneca à Covax assim que obtiver a pré-aprovação da OMS. Ele prometeu à Covax mais 900 milhões de doses, embora não tenha confirmado quando serão entregues.

Embora esteja comprometido com o projeto, ele admite que enfrenta problemas. A Covax está lidando com muitos produtores de vacinas diferentes, diz ele, cada um oferecendo preços e prazos de entrega variáveis.

Agathe Demarais e a EIU também não estão excessivamente otimistas quanto à capacidade da Covax de fazer uma vacinação de amplo alcance. "Será uma pequena diferença marginal, mas não uma virada de jogo", diz Demarais.

Segundo seu estudo para a EIA, alguns países podem não ser totalmente vacinados até 2023 — ou nunca. A vacinação pode não ser uma prioridade para todos os países, especialmente aqueles que têm uma população jovem e não veem um grande número de pessoas adoecendo.

O problema com esse cenário é que, enquanto o vírus prosperar em algum lugar do mundo, poderá sofrer mutações e migrar. Como resultado, variantes resistentes a vacinas continuarão a evoluir.

Nem tudo, porém, são más notícias. As vacinas estão sendo produzidas mais rápido do que nunca, mas a escala da tarefa — imunizar 7,7 bilhões de pessoas — é enorme e nunca foi tentada antes.

Demarais acredita que os governos devem ser honestos com seu povo sobre o que é possível.

"É muito difícil para um governo dizer: 'Não, não vamos conseguir uma ampla cobertura de imunização por vários anos'. Ninguém quer dizer isso."

Pesquisa de dados: Becky Dale e Nassos Stylianou.

 

Fonte: BBC News Brasil