Cotidiano

Facebook virou uma fábrica de clones de US$ 770 bilhões





Nos últimos anos, a empresa ganhou muito mais manchetes por clonar recursos populares dos concorrentes do que por criar soluções e produtos inovadores

Houve um momento emocionante quatro anos atrás em que parecia que o Facebook estava fazendo algo realmente de cair o queixo. A empresa montou uma divisão de hardware chamada Building 8, lotou-a de cientistas e engenheiros supervisionados por um executivo da DARPA (a Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa do governo dos EUA) e anunciou que iria construir tecnologia para ajudar a digitar com o cérebro e “ouvir” com a pele.

Embora ninguém soubesse se a ideia ousada realmente se materializaria, ela parecia inovadora e diferente de qualquer coisa que a empresa já havia feito. Era uma “moonshot factory”, uma fábrica lunar, como a X do Google. Só que o executivo da DARPA deixou o Facebook alguns meses depois. Um ano depois, a Building 8 foi rebatizada de Portal, o mesmo nome do alto-falante inteligente que o Facebook fez para competir com um produto semelhante da Amazon.

O Facebook continua sendo uma das maiores, mais valiosas e mais conhecidas empresas de tecnologia do mundo. Junto com o Google, domina o mercado de publicidade online. Mas, nos últimos anos, a empresa ganhou muito mais manchetes por clonar recursos populares dos concorrentes do que por criar soluções e produtos inovadores por conta própria.

Em vez da tecnologia cerebral ou outros novos dispositivos de hardware, o Facebook lançou uma longa lista de produtos de imitação inspirados no YouTube, Twitch, TikTok, LinkedIn, Pinterest e Slack. O Facebook lançou um aplicativo de namoro, um concorrente do Craigslist, e gerou controvérsia por roubar o recurso mais popular do Snapchat, o Stories, em 2016, pouco antes da abertura do capital. Além disso, de acordo com uma reportagem publicada recentemente, o Facebook agora está procurando fazer o mesmo com o Clubhouse, o aplicativo focado em áudio mais falado do momento.

Além de imitar, o Facebook comprou concorrentes quando não conseguiu vencê-los. Foi assim com o Instagram em 2012, e também com o WhatsApp e Oculus.

Alguns desses esforços levaram ao escrutínio dos reguladores nos Estados Unidos. O Facebook foi acusado de usar “seu domínio e poder de monopólio para esmagar rivais menores e eliminar a concorrência”, nas palavras da procuradora-geral de Nova York, Letitia James, que está liderando um grupo de promotores públicos na investigação da empresa por possíveis práticas anticompetitivas. (O Facebook respondeu que suas aquisições foram liberadas pelos reguladores e que os usuários escolhem seus serviços porque eles agregam valor). 

Mas os esforços de clonagem consistentes e muito públicos também levantam questões fundamentais sobre a capacidade de inovação do Facebook, que muitas vezes é considerada a força vital de qualquer empresa de tecnologia. O Facebook certamente não é a primeira ou única companhia de tecnologia a copiar produtos. Afinal, todas as plataformas online parecem ter copiado o TikTok em algum grau, incluindo Snapchat e YouTube. Ao mesmo tempo, é difícil lembrar a última vez que o Facebook criou algo verdadeiramente inovador que era seu.

Tucker Marion, um professor associado da Universidade Northeastern, nos EUA, focado em empreendedorismo e inovação, disse que copiar e adquirir rivais não é uma estratégia ruim, mas ela precisa ser alinhada com a busca por ideias originais.

“Não é possível se sustentar sem fazer isso”, disse. “Em algum momento a empresa vai enfrentar um acerto de contas e se olhar no espelho e perceber que é o quarterback velho que precisa fazer outra coisa.” Representantes do Facebook não responderam a um pedido de entrevista para este artigo.

Para ser justo, inovar é difícil e as “moonshots” são apenas isso. Depois de gastar bilhões de dólares em projetos que vão desde seu ambicioso empreendimento de internet por balão a carros autônomos, o Google ficou mais diligente ao realizar experimentos sem tração.

O Facebook passou por algumas mudanças notáveis nos anos desde que lançou o feed de notícias em 2006 — meses após o lançamento do Twitter — e ajudou a mudar a forma como as pessoas consomem informações online. Ele lançou o telefone Facebook (fracassou), experimentou um drone de entrega de pedidos feitos pela internet movido a energia solar (que cancelou), e uma nova criptomoeda (a ser lançada, mas já com algumas batalhas próprias) Muitos outros fracassos podem ser vistos espalhados por toda a página inicial do usuário na forma de botões raramente, ou nunca, usados.

Por outro lado, alguns de seus esforços para imitar os rivais foram extremamente bem-sucedidos. Os stories do Instagram, seu clone do Snapchat, tornaram-se a forma padrão de comunicação e conexão para milhões de pessoas. O marketplace do Facebook surgiu como uma alternativa popular e aparentemente mais segura ao Craigslist nos EUA e se tornou a maneira de muita gente vender coisas localmente (só no ano passado, eu comprei uma mesa de centro, várias peças de arte e uma mesa no Facebook Marketplace).

Na quarta-feira (9), depois de o jornal “The New York Times” relatar que o Facebook está desenvolvendo um produto de chat de áudio semelhante ao Clubhouse, o porta-voz do Facebook Joe Osborne disse que a empresa está “sempre explorando maneiras de melhorar” a experiência de áudio e vídeo. Osborne também acrescentou que a repetição constante e as melhorias em ideias e produtos é a história do Vale do Silício e, como resultado, cria mais opções para os consumidores.

Até certo ponto, portanto, o Facebook abertamente abraçou o papel de um imitador em vez de um inovador.

Como Kevin Systrom, co-fundador e ex-CEO do Instagram, uma vez afirmou quando questionado sobre o problema de cópia: “Imagine que o único carro do mundo hoje fosse o Modelo T. Alguém inventa o carro, é muito legal, mas você culparia outras empresas por também fabricarem carros que têm rodas, volante, ar-condicionado e janelas? A questão é: que material único você constrói a partir de outro?”

De muitas maneiras, isso é verdade. O consumidor típico não se importa quem teve a ideia primeiro, e sim quem a executou melhor. A Apple não inventou o smartphone, apenas construiu o melhor da época. É também por isso que o stories do Instagram rapidamente suplantou toda a base de usuários do Snapchat em menos de um ano, embora não tenha sido o Facebook o autor das postagens que desaparecem. E é também por isso que Reels, o recurso de vídeo em formato curto, tem lutado para ganhar tração e competir com o poderoso algoritmo de recomendação do TikTok.

Mesmo sua tecnologia de digitação com o cérebro não era totalmente nova. Menos de um mês antes, Elon Musk mencionou planos provocadores para conectar cérebros a computadores. Outras interfaces cérebro-computador estão em desenvolvimento há décadas. Mesmo assim, vivo esperando o dia em que o Facebook vai contar que ele de fato inventou algo tão impressionante quanto um leitor de cérebro, em vez de outra versão de um produto que já vimos.

Fonte: CNN Brasil