Se você tem menos de 35 anos, já deve ter ouvido de seus pais que, na época deles, era preciso ralar para se fazer na vida. Marina Roale, millennial e head de pesquisa da Consumoteca, conta que já teve essa conversa com o pai várias vezes. "Ele fala que, na época dele, tinha uma fase de plantar e uma fase de colher. (...) Era um contrato muito claro a ideia de que ele ia ter que ralar em uma fase da vida e que isso ia impactar a qualidade do sono, a qualidade da comida, e que ele ia abrir mão de um monte de coisa para ter uma conquista lá na frente", conta ela, no 6° episódio de CAOScast veiculado aqui em TAB (ouçaabaixo a partir de 8:30).
Hoje, essa ideia entra em conflito com a bandeira do bem-estar, e não é para menos. Os níveis de ansiedade vêm crescendo desde a adolescência, e a onda de autocuidado vem com força proporcional em resposta. Mas, se o trabalho e o estudo antes eram os principais motivadores do estresse, agora a própria corrida pelo bem-estar também parece estar causando problemas.
Não é suficiente se sentir bem e estar saudável. É preciso trabalhar na "melhor versão de si mesmo" e ainda por cima metrificá-la, seja com aplicativos que acompanham a qualidade do sono, o tempo diário de exercícios físicos, a alimentação? "A gente vê uma mudança de mindset das pessoas. A lógica do trabalho, meio do empreendedor, que tem que se provar todos os dias e honrar sua vaga 'PJ' para não ser mandado embora, (...) A gente leva essa lógica do trabalho, de precisar se provar todos os dias, para a vida. Só que fica uma coisa muito perversa disso. A gente começa sempre a viver operando um branding de nós mesmos", avalia a pesquisadora Rebeca de Moraes, também no CAOScast (a partir de 9:50).
CAOScast vai ao ar às quintas-feiras.
Em uma pesquisa realizada para o podcast, Moraes relata que 35% dos brasileiros disseram se sentir mais negativos ao acompanhar a vida das outras pessoas nas redes sociais, e 52% seguem algum perfil motivacional. Com isso, a felicidade vira uma competição, e queremos tudo para já. Quem tem tempo de trabalhar duro hoje para colher os frutos daqui a 20 anos?
Na hora de lidar com nossas angústias, um tratamento psicológico que pode durar anos também já não parece bastar. Ganha quem promete resultados rápidos. "Os gurus digitais estão aí se multiplicando a rodo por isso. A gente quer algo que entenda nossa demanda com a urgência do nosso tempo, tudo na nossa mão e tudo pra ontem. A gente quer se entender e se conhecer e evoluir nessa urgência, nesse formato e no tempo que o mercado exige", diz Roale (a partir de 16:58).
Fonte: UOL