Política

Fim da estabilidade é ponto de maior divergência na reforma administrativa, mostra webinar





A economista Zeina Latif e a professora Gabriela Lotta, da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, defenderam uma reforma administrativa que melhore a qualidade do serviço público oferecido ao cidadão brasileiro. Essa foi a posição em comum manifestada pelas duas convidadas a abertura do webinarpromovido pelCongresso em Foco sobre a reforma administrativa. O debate, que também conta com a participação do deputado Professor Israel (PV-DF), é mediado pelo fundador do site, Sylvio Costa. As discussões mostraram que um dos grandes desafios da reforma será a discussão da estabilidade do servidor público. 

"Há um apagão das canetas", disse Gabriela em sua primeira intervenção, ao apontar o receio de gestores públicos em tomar decisões devido a mecanismos muitas vezes disfuncionais. "A reforma administrativa deveria ser a reestruturação do aparelho do Estado", defendeu.

Zeina destacou que "ninguém está feliz". Para ela, parte dos servidores se sente desprestigiada e incomodada com as desigualdades dentro das carreiras. A consultora entende que a proposta de reforma do governo não pode ser chamada de fiscalista, como apontam seus críticos, porque os seus resultados só deverão aparecer em médio e longo prazos.

Coordenador da Frente Parlamentar em Defesa do Serviço Público, Professor Israel se posicionou contra a proposta do governo. Para o deputado, o governo erra no remédio que pretende aplicar e trata o servidor público como vilão ao propor o fim da estabilidade da maioria das carreiras.

Consultora econômica, Zeina afirmou que considera importante a estabilidade do serviço público, mas ponderou que ela não deve ser absoluta nem alcançar todas as categorias. A economista lembrou da importância da estabilidade, por exemplo, para a descoberta das pedaladas fiscais da ex-presidente Dilma Rousseff. Sem esse tipo de garantia, segundo ela, os servidores não teriam a mesma liberdade para investigar. “A sociedade só ficou sabendo porque funcionários públicos denunciaram”, ressaltou.

Na análise dela, o fim da estabilidade é um estímulo à meritocracia no serviço público, incentivo que falta, no entendimento dela, para “aqueles funcionários públicos que têm o espírito público de servir à sociedade”.

Para Zeina, apenas reforçar os processos avaliativos é insuficiente para uma reforma administrativa que estimule o servidor. “Hoje não temos meritocracia no serviço público, existe descontentamento, servidores se sentem desvalorizados”, avaliou.

A professora Gabriela defendeu a discussão sobre a estabilidade no serviço público, mas destacou que a proposta do governo sobre esse tema é problemática. "Não é discussão que pode ser feita como cheque em branco, que é a forma com que é feita pela proposta do governo", considerou.

A proposta, por exemplo, não detalha como serão definidas as carreiras atípicas, aquelas que continuarão a ter estabilidade. "A PEC não menciona como isso será definido", disse. Segundo ela, durante as discussões no Congresso, cada categoria puxará para o seu lado, apresentando-se como uma carreira atípica, que não pode abrir mão da estabilidade.

Professor Israel afirmou que é importante manter a estabilidade para evitar interferências políticas na atuação do servidor. Segundo ele, é esse tipo de garantia que dá ao funcionalismo a liberdade funcional, independentemente do governante de plantão.

O deputado afirmou que os servidores não têm medo de avaliação periódica, mas não aceitam ingerência política. "Servidor não aceita perseguição política, não aceita subjetividade na avaliação", declarou. "Estabilidade é inegociável", completou, dizendo que não se pode considerar essa garantia como privilégio.

O coordenador da frente parlamentar pró-serviço público disse que aposta na incapacidade e na tibieza do governo Bolsonaro para que a reforma não seja aprovada. No entendimento do deputado,  os parlamentares devem barrar a proposta. “Nós estamos fazendo isso desde 2019”. Ele acredita que isso ocorrerá na segunda metade da atual legislatura e do governo Bolsonaro, que começa no início de 2021.

Para Gabriela Lotta, o governo Bolsonaro falhou ao não incluir um diagnóstico sobre o serviço público na proposta de reforma. “Essa reforma é um cheque em branco. Ela não veio com uma boa análise de como é a realidade do serviço público”, criticou. Na avaliação da professora da FGV, o debate precipitado pela proposta do governo gira em torno de suposições.

Zeina Latif aponta que a própria dificuldade do governo brasileiro de enfrentar a pandemia mostra a necessidade de uma reforma administrativa. “Perdemos a capacidade de fazer planejamento e o próprio funcionalismo também", afirmou. “Percebe-se uma baixa qualidade do serviço o público", acrescentou.

A economista destaca que o Brasil gastou recursos públicos como poucos países do mundo, mas, na avaliação dela, faltou qualidade nesse gasto. “Não podemos dizer que agora na pandemia faltou recursos, não faltou recursos. Também precisamos questionar a capacidade do funcionalismo público. Incapacidade de fazer planejamento", acrescentou.

“A sociedade está insatisfeita com a qualidade dos serviços públicos e, mesmo quando há recursos, a gente percebe um problema grave de gestão", afirmou Zeina.

Em posição divergente em relação a Zeina, Gabriela Lotta ressaltou que o governo não garantiu equipamentos de proteção individual a todos os profissionais de saúde, em um sinal de seu pouco caso com o funcionalismo. “Os nossos problemas são problemas estruturantes do funcionalismo do Estado brasileiro”, disse. "Dizer que ele não é produtivo porque ele é servidor público não é verdade”, ressaltou.

Reforma administrativa? Qual?

Afinal, é ou não necessário reformular a administração pública brasileira? Em caso positivo, que objetivos essa reforma deve ter? Economizar despesas e reduzir o tamanho do Estado ou capacitar o Estado para prestar melhores serviços? E mais: para ter bons resultados, ela deve passar por mudanças profundas, na linha indicada pela Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32/2020, apresentada pelo governo? Ou o país precisa apenas de ajustes pontuais para corrigir distorções setoriais?

Durante o evento, também foram divulgadas as primeiras informações sobre a edição de 2021 do Prêmio Congresso em Foco, projeto que será realizado pela 14ª vez, uma vez mais  com a intenção de propagar a mensagem de valorização do Poder Legislativo e da democracia por meio da escolha – por um júri especializado, pelos jornalistas e pelo público que vota na internet – dos congressistas mais bem avaliados do país.

Sete organizações já formalizaram apoio à nova edição do prêmio: Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup), Todos pela Educação, Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF), Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais (Anadef), Associação Nacional dos Advogados da União (Anauni) e Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef).

Fonte: Congresso em foco