Cotidiano

'Traficantes de drogas devem permanecer presos', diz ministro André Mendonça





Mendonça comandava a Advocacia Geral da União (AGU) quando o governo sancionou a lei do pacote anticrime. Ex-ministro Moro diz que foi contra trecho que baseou decisão de Marco Aurélio Mello para soltar chefe de facção paulista.

O ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, disse neste domingo (11) que "os traficantes de drogas, principalmente aqueles que exercem uma alta função nos comandos do crime organizado, devem permanecer presos". 

A declaração foi dada após a soltura do traficante André Oliveira Macedo, um dos chefes da facção paulista Primeiro Comando da Capital, o PCC. André do Rap, como é conhecido, deixou a cadeia após decisão do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF). 

Apesar da declaração, André Mendonça era ministro da Advocacia Geral da União (AGU) quando o presidente Jair Bolsonaro sancionou a lei do pacote anticrime e não vetou o trecho que prevê a revisão de prisões preventivas a cada 90 dias. Essa norma foi citada por Marco Aurélio para determinar a soltura de André do Rap. 

A decisão do ministro foi suspensa horas depois pelo presidente do STF, Luiz Fux, que mandou prender de novo o traficante. A polícia de São Paulo tenta localizá-lo e investiga se ele saiu do país. 

“A decisão [de Marco Aurélio] foi revertida. Na nossa visão, o tráfico de drogas é um crime gravíssimo, é um crime que corrói as estruturas da sociedade brasileira, o Estado democrático. E os traficantes de drogas, principalmente aqueles que exercem uma alta função nos comandos do crime organizado, devem permanecer presos", afirmou André Mendonça.

O ex-juiz e ex-ministro Sérgio Moro, que comandava o Ministério da Justiça e Segurança Pública na época em que foi proposto o pacote anticrime, disse em nota divulgada neste domingo que foi contra incluir na lei o trecho sobre as prisões preventivas. A medida entrou no texto durante as discussões no Congresso. 

Moro afirmou que temia justamente "solturas automáticas" de presos perigosos. “O artigo que foi invocado para soltura da liderança do PCC não estava no texto original do projeto de lei anticrime e eu, como MJSP [ministro da Justiça e Segurança Pública], me opus a sua inserção por temer solturas automáticas de presos perigosos por mero decurso de tempo."

André do Rap foi preso em setembro de 2019, em uma operação feita pela Polícia Civil de São Paulo em um condomínio de luxo em Angra dos Reis, no litoral do Rio de Janeiro, e é investigado por ter função de chefia dentro do PCC e gerenciar o envio de grandes remessas de cocaína à Europa. 

Ao ser libertado no sábado (10), o traficante disse residir no Guarujá, no litoral paulista, mas não foi encontrado pela polícia no endereço informado. 

Em publicação nas redes sociais na noite de sábado, o governador João Doria (PSDB) disse ter determinado uma força-tarefa da polícia para prender o traficante. Antes de o presidente do STF suspender a soltura, Doria divulgou nota criticando a decisão de Marco Aurélio Mello. 

Decisão de Marco Aurélio Mello

Na decisão que determinou a soltura, divulgada na sexta-feira (9), o ministro do STF Marco Aurélio Mello afirmou que o traficante estava preso há muito tempo provisoriamente. 

A legislação processual brasileira mudou em 2020, com o pacote anticrime, determinando que prisões provisórias sejam revistas a cada 90 dias para verificar se há necessidade de manutenção da prisão, o que, segundo Marco Aurélio, não ocorreu no caso de André do Rap. 

De acordo com decisão do ministro, André do Rap deveria ser solto imediatamente porque já tinha um outro habeas corpus concedido a favor dele, expedido pelo próprio ministro, em outro processo em que foi condenado a 15 anos, 6 meses e 20 dias de prisão, mas sem decisão definitiva (trânsito em julgado). 

O Ministério Público de São Paulo e a Procuradoria Geral da República (PGR) recorreram da decisão. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, atendeu ao pedido da PGR e suspendeu a liminar (provisória) do ministro Marco Aurélio Mello.

 

Decisão diferente no STF

 

A decisão do ministro Marco Aurélio se baseia em um trecho do pacote anticrime que não constava na versão original escrita pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro e por uma comissão de juristas comandada pelo ministro Alexandre de Moraes, também do STF, tendo sido adicionado ao pacote pelos parlamentares durante a tramitação do texto. 

O dispositivo diz que um juiz que determina uma prisão preventiva deve "revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal". 

Em outro caso envolvendo um preso por tráfico no Ceará, o ministro Edson Fachin, do STF, negou revogar a preventiva por falta da revisão periódica do juiz sobre os fundamentos da prisão. A preventiva foi decretada em fevereiro do ano passado. Na decisão, Fachin afirmou que não houve excesso de prazo na prisão e que é preciso comprovar o prejuízo sofrido pela ausência da reavaliação no prazo. 

"Ao tempo em que reconheço a existência de constrangimento ilegal pela ausência de ato judicial que deveria ser periodicamente realizado, nos termos do art. 316, parágrafo único do CPP, não visualizo, ao menos no momento, hipótese de nulidade a autorizar a imediata revogação da prisão preventiva", afirmou na decisão.

 

Vetado por Moro e sancionado por Bolsonaro

 

Ainda, na decisão que determinou a soltura, divulgada na sexta-feira (9), o ministro do STF Marco Aurélio Mello se baseou em um trecho do pacote anticrime aprovado em 2020 que mudou a legislação processual brasileira. 

Apesar de o pacote ter sido uma iniciativa do então ministro da Justiça, Sergio Moro, que escreveu a versão original junto com uma comissão de juristas comandada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, esse trecho foi adicionado pelos parlamentares durante a tramitação do texto no Congresso. 

A mudança foi fruto de emenda feita pelo deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG) e foi criticada, à época, por Moro. 

Em parecer assinado pela área jurídica do Ministério da Justiça, em dezembro de 2019, a pasta pediu o veto do parágrafo único do artigo 316 também do Código de Processo Penal. 

“Aqui, por sua vez, é estabelecido dever do magistrado de rever, no prazo de noventa dias, de ofício, a decisão de decretação da preventiva. Mesmo ausente fato novo, o juiz deverá reavaliar a situação, sob pena de tornar a prisão ilegal, indo também nesse ponto de encontro ao dever constitucional do Estado de garantia a incolumidade das pessoas”, diz o documento. 

O presidente Bolsonaro sancionou o conjunto de medidas de combate ao crime, duas semanas depois de o Congresso ter provado o chamado pacote anticrime, e vetou 25 itens do texto, mas manteve as mudanças introduzidas pelo artigo 316. 

 

Prisão em condomínio de luxo

 

O traficante André de Oliveira Macedo foi preso em setembro de 2019, em Angra dos Reis, por uma equipe da Divisão Antissequestro do Departamento de Operações Policiais Estratégicas (Dope). 

Ele era procurado pela Interpol e a operação contou com uma equipe de 23 policiais do Garra, o Grupo Armado de Repressão a Roubos e Assaltos, do Gope, o Grupamento de Operações Penitenciárias Especiais e da Divisão Antissequestro. 

André do Rap foi encontrado em um condomínio de luxo no bairro Itanema, que fica às margens da BR-101 (Rodovia Rio-Santos). Na residência, foram apreendidos dois helicópteros, um deles um B 4 avaliado em mais ou menos R$ 7 milhões e uma lancha de 60 pés, avaliada em R$ 6 milhões. A casa era alugada, mas ele tinha uma mansão na cidade, fora de um condomínio. 

O preso era dono de um sítio investigado pelo Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) em Bertioga. Segundo o Deic, ele substituiu Wagner Ferreira, o “Cabelo Duro”, assassinado na porta de um hotel no bairro do Tatuapé, Zona Leste, logo depois das mortes de Gegê do Mangue e do Paca, no Ceará.

Fonte: G1