A não violência como um “guia do mundo”, um mundo que aprende a se descobrir feito de irmãos. Esse é o desejo com o qual o Papa acompanhou o nascimento, que ocorreu na tarde deste dominigo, 29 de setembro, do Instituto Católico para a Não Violência, fundado pela iniciativa católica para a não violência da Pax Christi International, um movimento para a promoção da paz formado por 120 organizações de todo o mundo. O instituto com sede em Roma, irá se dedicar à promoção da não violência como um ensinamento base da Igreja, embarcando na ambiciosa missão de tornar a pesquisa e os recursos que ela produz mais acessíveis não apenas aos líderes da Igreja, mas também às comunidades e instituições globais.
Dom Giovanni Ricchiuti, presidente nacional da Pax Christi, transmitiu a saudação do Papa Francisco, que disse estar “calorosamente satisfeito com a louvável iniciativa” e desejou “uma adesão renovada aos valores da paz e da fraternidade” para os participantes do evento. O Papa também exortou a “trabalhar juntos para garantir a defesa dos direitos de toda criatura”, bem como a se tornar “construtores de uma sociedade fundada no amor mútuo”. “Que sejam a caridade e a não-violência a guiarem”, escreveu ele, "o mundo e o modo como tratamos uns aos outros".
O evento foi realizado no Instituto Maria Santissima Bambina com a presença do cardeal Charles Maung Bo, arcebispo de Yangon, a maior cidade de Mianmar, e do cardeal Robert Walter McElroy, bispo de San Diego, dos Estados Unidos, juntamente com a Irmã Teresia Wachira, do Instituto da Beata Virgem Maria, e a renomada autora e pesquisadora Maria Stephan, que moderou o evento.
Em uma entrevista à margem do evento com a mídia do Vaticano, o cardeal McElroy enfatizou a dificuldade objetiva de compartilhar um ideal de nãocviolência em um contexto, aquele atual, marcado por conflitos e violência. “No entanto, parece-me que é a única mensagem que temos à luz do Evangelho e dos tempos em que estamos vivendo”. O caminho a ser seguido, disse o cardeal, é aquele “indicado pela Fratelli tutti”, que nos questiona sobre como mostrar a cada um de nós “o amor que somos chamados a ter por nossos irmãos e irmãs no mundo nessas situações muito difíceis, que incluem conflitos armados e conflitos internos”.
A resposta a essas perguntas, de acordo com o cardeal, “não pode ser aquela de continuar a guerra e o de retomar ataque após ataque, ou de gerar novos ataques". Pelo contrário, ela deve ser “baseada em uma disposição de tomar medidas, e às vezes correr riscos, para alcançar a paz, preservá-la ou fortalecê-la”. Para o cardeal McElroy, isso concretiza o “chamado do Evangelho”, que apresenta uma definição de não violência capaz de ir além da mera passividade em relação às crueldades do mundo, resultando em um “método eficaz para enfrentar o mal que existe e que frequentemente gera conflitos”.
Não devemos nos iludir, pois ela “não resolve todos os problemas”, mas, ainda assim, permanece como “a posição fundamental que a Igreja deve ter, enraizada em nossas tradições mais antigas e certamente articulada pelo Papa Francisco de maneira muito eficaz e coerente”. A não violência representa o “fundamento” da Igreja e “seu testemunho e esforços devem tender a ajudar situações particulares de conflito no mundo”. Uma tarefa “difícil”, “nem sempre eficaz”, mas ainda assim “o caminho cristão na sua essência”.
O próximo a falar foi o cardeal Bo, que colocou a figura de Jesus, “Príncipe da Paz”, ao lado das de outros grandes “apóstolos da paz: Mahatma Gandhi e Martin Luther King”. Eles “nos incentivam a marchar corajosamente em direção a uma terra prometida onde todos os irmãos e irmãs vivam com dignidade, paz e prosperidade”.
O cardeal relembrou os sofrimentos das populações israelense, palestina e ucraniana e os de sua terra natal, Mianmar. “Somos chamados a parar e refletir: podemos continuar nesse caminho destrutivo? Ou devemos, como família humana, fazer uma mudança profunda, passando de um paradigma de guerra e violência para um de paz e não violência?”. Retomando o conceito expresso pelo cardeal McElroy, o cardeal explicou como “a rejeição da violência por parte de Jesus não representa um estado de fraqueza; ele proclamou que o amor é mais forte do que o ódio, que a paz dura mais do que a guerra e que a justiça, se construída sobre o alicerce da não violência, é inabalável. Como ele nos disse nas bem-aventuranças, 'bem-aventurados os pacificadores, pois serão chamados filhos de Deus'”.
Nesse contexto, a criação do Instituto “nos ajudará a recuperar a não violência de Jesus, valendo-nos da sabedoria da reflexão teológica, das estratégias práticas para lidar com a violência e, acima de tudo, das experiências vividas pelas comunidades marginalizadas que incorporam esse chamado radical à paz”. É com essas comunidades”, disse o arcebispo de Yangon, "que aprenderemos o verdadeiro significado da não violência centrada no Evangelho".
A Ir. Teresia Wachira falou em seguida, lembrando que a base da não violência é “a aceitação de todos, até mesmo do inimigo”. Uma lição aprendida em sua infância no Quênia, remontada pela memória dos ensinamentos de sua mãe, em oposição às noções que lhe foram ensinadas na universidade. “Estávamos discutindo a violência de gênero e foi dito que era correto um homem bater na esposa. Isso porque nossa cultura diz que quando um homem bate em sua esposa, ele a ama. E eu estava me perguntando: como isso é possível?” Com muita frequência, “na cultura africana, a única pela qual posso falar, a violência estrutural pode se tornar uma norma”.
Em seguida, Stephan questionou novamente o cardeal McElroy, que enfatizou que a não violência continua sendo “um sonho”, mas algo “muito melhor do que o pesadelo que estamos vivendo atualmente, que está destruindo as pessoas e suas conexões”. Qualquer pessoa que participe das atividades do Instituto estará “sonhando” e ajudando outras pessoas a reconhecerem como a não violência “pode funcionar”. “Esse é o grande obstáculo”, de acordo com o cardeal: ”que tudo continue sendo apenas um sonho. Em vez disso, devemos dizer que isso pode se tornar realidade”.
As atividades do instituto incluirão convidar teólogos, pesquisadores e profissionais importantes da não violência como associados, trabalhando em áreas como a não violência evangélica, práticas não violentas e poder estratégico, e experiências contextuais de não violência. Entre os membros do Conselho Consultivo já estão María Clara Bingemer, professora do Departamento de Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, no Brasil; o arcebispo Peter Chong, de Suva, capital de Fiji; e Erica Chenoweth, que, como reitora e professora da Universidade de Harvard, é considerada uma das maiores autoridades em não violência estratégica. Já em outubro, seguindo as considerações sobre o tópico da não violência relatadas pela 16ª Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, o Instituto oferecerá seminários que abordarão exatamente essas questões em relação à autodefesa e ao gerenciamento de conflitos em larga escala.
- O Papa: custodiar a beleza de cada criatura, não segundo modelos efêmeros e massificantes
O Papa Francisco recebeu em audiência, nesta segunda-feira (30/09), na Sala Clementina, no Vaticano, os participantes do projeto “Custódios da Beleza” promovido pela Conferência Episcopal Italiana (CEI).
Em seu discurso, o Pontífice ressaltou que "ser “Custódios da Beleza” é uma grande responsabilidade, mas também uma mensagem importante para a comunidade eclesial e para a sociedade como um todo". O Papa refletiu sobre o nome desse projeto "que não é um simples slogan, mas indica um modo de ser, um estilo, uma escolha de vida orientada para duas grandes finalidades: custodiar e beleza".
"Custodiar significa proteger, conservar, zelar e defender. É uma ação multifacetada, que exige atenção e cuidado, pois parte da consciência do valor de quem ou do que nos é confiado. Por isso, não permite distrações e preguiça", disse Francisco, acrescentando:
“Quem custodia fica de olhos bem abertos, não tem medo de perder tempo, de se envolver, de assumir responsabilidades.”
E tudo isto, num contexto que muitas vezes nos convida a não “sujar as mãos” e a delegar, é profético, porque exige um compromisso pessoal e comunitário. Cada um, com as suas capacidades e competências, com inteligência e coração, pode fazer algo para proteger as coisas, os outros, a Casa comum, numa perspectiva de cuidado integral da criação.
São Paulo diz, na Carta aos Romanos, que "a criação toda geme e sofre". "O seu grito une-se ao de muitos pobres da terra, que pedem urgentemente decisões sérias e eficazes destinadas a promover o bem de todos, numa perspectiva que não pode ser apenas ambiental, mas deve tornar-se ecológica num sentido mais amplo e mais integral", disse ainda o Papa.
“Hoje há muitas pessoas à margem, descartadas, esquecidas numa sociedade cada vez mais eficiente e implacável: os pobres, os migrantes, os idosos e os deficientes sozinhos, os doentes crônicos. No entanto, cada um é precioso aos olhos do Senhor.”
É por isso que eu os exorto, em seu trabalho de regeneração de muitos lugares deixados ao abandono e à degradação, a manter sempre como seu objetivo principal o cuidado das pessoas que vivem e frequentam esses lugares. Somente dessa forma vocês restaurarão a beleza da criação.
A seguir, o Papa falou sobre a beleza, ressaltando que "hoje se fala muito sobre ela, a ponto de torná-la uma obsessão". "Muitas vezes, porém, ela é considerada de forma distorcida, confundindo-a com modelos estéticos efêmeros e massificantes, mais ligados a critérios hedonistas, comerciais e publicitários do que ao desenvolvimento integral das pessoas", disse Francisco.
Tal abordagem é deletéria, pois não ajuda a florescer o melhor de cada um, mas leva à degradação do ser humano e da natureza. Se, de fato, «não se aprende a parar para admirar e apreciar a beleza, não é estranho que tudo se transforme em objeto de uso e abuso inescrupuloso«, frisou o Papa, citando um trecho de sua Encíclica Laudato si'.
Em vez disso, é uma questão de aprender a cultivar a beleza como algo único e sagrado para cada criatura, pensada, amada e celebrada por Deus, desde as origens do mundo, como uma unidade inseparável de graça e bondade, de perfeição estética e moral.
“Essa é sua missão; e eu os encorajo, como cooperadores no grande projeto do Criador, a não se cansarem de transformar a feiura em beleza, a degradação em oportunidade, a desordem em harmonia.”
Francisco pediu a São José de Nazaré que acompanhe os participantes do projeto “Custódios da Beleza”, ele que foi "o custódio humilde e silencioso do «mais belo dos filhos do homem», do Verbo encarnado em quem todas as coisas foram criadas e existem". "Com sua fidelidade discreta e trabalhadora, São José ajudou a devolver a beleza ao mundo", concluiu o Papa.
- O pesar do Papa pela morte do cardeal Alexandre do Nascimento aos 99 anos
O Papa Francisco recebeu "com pesar a notícia da morte do venerado irmão cardeal Alexandre do Nascimento", arcebispo emérito de Luanda, ocorrida no último sábado, 28 de setembro, aos 99 anos de idade. Ele estava internado em um hospital da capital da Angola. O Pontífice enviou um telegrama - escrito em português - ao arcebispo Filomeno do Nascimento Vieira Dias, dirigindo uma mensagem de solidariedade aos bispos auxiliares, ao clero, às comunidades religiosas, fiéis e familiares pela "partida de tão ilustre pastor":
"Recordo os cuidados dispensados pelo querido dom Alexandre ao seu rebanho, em tempos conturbados e difíceis, tendo sido para todos expressão do rosto misericordioso de Jesus, bom samaritano da humanidade. A fé em Cristo e a esperança na vida eterna fizeram dele um homem corajoso e livre, capaz de orientar os seus passos em prol do bem comum, tendo inclusive colaborado com esta sede apostólica no seu zelo em favor dos mais pobres e necessitados, ao guiar os rumos da Cáritas Internacional."
De fato, dom Alexandre do Nascimento foi presidente da Caritas Internacional em 1983 e re-eleito em 1987. Também era considerado o mais idoso membro do Colégio dos Cardeais, tendo nascido em 1 de março de 1925, em Malanje, em Angola. A Igreja local inclusive se preparava para comemorar um duplo jubileu em 2025: os 100 anos de vida do cardeal e os 50 anos de episcopado.
Dom Alexandre foi um dos purpurados que conduziram a Igreja africana ao novo milênio. Um homem que também viu um possível fim violento pela frente, quando em 15 de outubro de 1982 foi sequestrado - durante uma visita pastoral - por um grupo de homens armados, que o libertaram em 16 de novembro seguinte. João Paulo II havia feito um apelo pela libertação do bispo angolano no Angelus de domingo, 31 de outubro, para, no ano seguinte, em 1983, conferir a púrpura cardinalícia.
Durante a Quaresma de 1984, dom Alexandre pregou os exercícios espirituais no Vaticano para a Cúria Romana, com a presença de João Paulo II. Tornou-se arcebispo de Luanda em 16 de fevereiro de 1986 e governou a arquidiocese até 23 de janeiro de 2001.
"Por tudo quanto o senhor realizou nele e por meio dele, dou graças a Deus", escreveu o Papa Francisco no telegrama, "implorando-lhe que envolva com a luz da misericórdia este seu fiel servo e lhe abra as portas da vida em plenitude, ao mesmo tempo que concedo de coração, a todos quantos participam nas exéquias, a minha bênção". Além da "comunhão da oração" do Pontífice "para que a ninguém falte o conforto da ressurreição", o presidente da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST), dom José Manuel Imbamba, também lamentou a morte de dom Alexandre, enaltecendo o profundo legado do cardeal considerado por muitos como humanista, homem da caridade e promotor da paz e reconciliação.
- Cardeal Parolin na ONU: não deixar ninguém para trás para promover a paz
“A Santa Sé está profundamente preocupada com o fato de que, neste momento específico, estamos testemunhando um aumento alarmante no número de conflitos em todo o mundo e na gravidade de sua violência. Esses conflitos são responsáveis por uma perda significativa de vidas inocentes e uma vasta quantidade de destruição, o que representa um desafio para avaliar com precisão a extensão dos danos causados à infraestrutura civil, incluindo locais de culto, instituições educacionais e instalações médicas, bem como o impacto sobre o meio ambiente”. Essas foram as palavras proferidas pelo secretário de Estado do Vaticano, cardeal Pietro Parolin, no sábado, 28 de setembro, em discurso na 79ª Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas em Nova York. O cardeal abordou o tema: “Não deixar ninguém para trás: agir em conjunto para o avanço da paz, do desenvolvimento sustentável e da dignidade humana para as gerações presentes e futuras”.
A Santa Sé, durante seu mandato ininterrupto como Observadora das Nações Unidas, cujo aniversário de 60 anos ocorre este ano, “promoveu uma série de princípios fundamentais”, disse Parolin, “incluindo o respeito pela dignidade humana intrínseca dada por Deus a todos os indivíduos, a soberania igualitária dos Estados, a busca da paz e do desarmamento e o cuidado com a nossa casa comum”. No entanto, “parece que 75 anos após a ratificação das Convenções de Genebra, o direito humanitário ainda está sendo minado” e que “as quatro convenções, que estabelecem regras claras para proteger as pessoas que não participam das hostilidades, são cada vez mais violadas”. “Está claro”, continuou o cardeal, ”que o ataque a locais de culto, instituições educacionais, instalações médicas e outras infraestruturas civis é um fenômeno generalizado. Isso tem causado não apenas a perda de vidas entre aqueles que não estão diretamente envolvidos no conflito, mas também uma interrupção inaceitável da vida cotidiana para muitos”. A Santa Sé pede a “rigorosa observância da lei humanitária internacional em todos os conflitos armados, com atenção especial à proteção dos locais de culto”.
Como afirma o Papa Francisco, “a necessidade de paz desafia a todos nós e exige que medidas concretas sejam tomadas”. “A paz só é possível se a desejarmos”, disse Parolin, ”o estabelecimento da paz está condicionado à existência de um desejo coletivo de sua realização. A busca pela paz é uma responsabilidade coletiva”. “Portanto, cabe à diplomacia demonstrar dedicação inabalável na busca, com firmeza e engenhosidade, de todas as vias de negociação com o objetivo de estabelecer uma paz duradoura.”
De acordo com o secretário de Estado, no entanto, “não basta simplesmente eliminar os instrumentos de guerra; é necessário erradicar suas causas fundamentais. A principal delas é a fome, um flagelo que continua a afligir áreas inteiras do nosso mundo, enquanto outras são marcadas pelo desperdício maciço de alimentos”. Conforme declarado na Cúpula do Futuro, “a erradicação da pobreza deve continuar sendo o principal objetivo de todas as ações futuras, tendo em mente que o desenvolvimento é o nome da paz”, explicou Parolin.
“No entanto, a tendência predominante nos últimos anos tem sido a de manter o crescimento dos gastos militares, enquanto se esforça para cumprir os compromissos assumidos em relação ao desenvolvimento sustentável em tempo hábil. Isso é indicativo de um déficit de confiança entre os Estados”. Essa falta de confiança “tem um impacto negativo sobre as pessoas em situações mais vulneráveis, especialmente as pobres e necessitadas”. A pobreza tem um impacto particularmente prejudicial sobre as mulheres, muitas vezes prendendo-as “em um ciclo vicioso de circunstâncias infelizes, resultando em isolamento e abandono antes de serem forçadas a tomar decisões desesperadas e indesejadas”.
“É por essa razão”, disse Parolin, ”que a vida humana deve ser protegida desde o momento da concepção até a morte natural. A falta disso é uma das maiores pobrezas de nossa época”. Nesse sentido, acrescentou, “a prática da chamada maternidade sub-rogada, que representa uma grave violação da dignidade da mulher e da criança, baseada na exploração das necessidades materiais da mãe, é deplorável. Uma criança é sempre um presente e nunca a base de um contrato comercial. Consequentemente, a Santa Sé pede um esforço da comunidade internacional para proibir essa prática universalmente”. Uma melhor qualidade de vida também deve ser dada aos doentes, com atenção especial aos idosos e àqueles com doenças ou deficiências.
Também é motivo de preocupação a dignidade dos migrantes: “as pessoas que buscam refúgio não devem ser rejeitadas ou tratadas injustamente, mas acolhidas com respeito e senso de responsabilidade para garantir seu direito de viver com dignidade”. Outra “afronta à dignidade humana” é o tráfico de seres humanos, que está crescendo em um ritmo alarmante, afetando principalmente refugiados e migrantes, mulheres, crianças e jovens. “Essa prática ilegal e, acima de tudo, desumanizante deve ser interrompida e os traficantes devem ser levados à justiça”, afirmou o cardeal Parolin. O apelo por dignidade também se estende “aos prisioneiros, começando com o fornecimento de prisões decentes.
Intimamente relacionado à dignidade da vida humana está o cuidado com a nossa casa comum, que - disse osSecretário de Estado - “exige que os compromissos assumidos ao longo dos anos para combater as mudanças climáticas sejam traduzidos em ações”. Oportunidades e riscos também são proporcionados pelo surgimento de novas tecnologias, em particular a inteligência artificial, sobre a qual é crucial garantir espaço para um controle humano adequado. “É precisamente a esse respeito”, disse Parolin, ‘que o Papa Francisco insiste que ’à luz da tragédia que é o conflito armado, há uma necessidade urgente de reconsiderar o desenvolvimento e o uso de dispositivos como as chamadas ‘armas autônomas letais’ e, em última instância, proibir o seu uso. Isso começa com um esforço efetivo e concreto para introduzir um controle humano cada vez mais adequado. Nenhuma máquina jamais deveria optar por tirar a vida de um ser humano”.
Há, portanto, “uma necessidade urgente de uma reflexão ética abrangente envolvendo todos os Estados sobre o uso de tecnologias emergentes, particularmente na esfera militar”. A Santa Sé “está convencida de que um mundo livre de armas nucleares é necessário e possível” e, portanto, “renova seu apelo para o desarmamento total e completo e para alocar para o benefício das nações em desenvolvimento pelo menos parte do dinheiro que poderia ser economizado através de uma redução nos armamentos”.
Infelizmente, o momento que a humanidade está vivendo é o de “uma terceira guerra mundial travada em pedaços”. “Em meio à tragédia contínua da guerra russa na Ucrânia”, disse Parolin, ”estamos diante de uma situação que exige ação urgente para evitar uma escalada maior e criar um caminho para uma solução justa e pacífica. Embora os esforços diplomáticos sejam cruciais, está claro que o engajamento militar continua a prevalecer. Portanto, é essencial encontrar maneiras de incentivar gestos de boa vontade e espaços para o diálogo direto entre as partes envolvidas”.
O secretário de Estado reiterou sua preocupação “com a contínua instabilidade no Oriente Médio, especialmente após o ataque terrorista de 7 de outubro em Israel pelo Hamas e outros grupos armados palestinos. No entanto, a resposta militar de Israel, considerando o alto número de vítimas civis, levanta muitas questões sobre sua proporcionalidade”. “A Santa Sé”, disse o cardeal, ‘pede um cessar-fogo imediato em Gaza e na Cisjordânia, bem como a libertação dos reféns israelenses em Gaza’, além de ‘assistência humanitária à população palestina’. Para a Santa Sé, a única solução “viável” é “uma solução de dois Estados com Jerusalém com status especial”. “Ambos os lados”, ressaltou Parolin, ‘devem abandonar todas as formas de violência, coerção e ações unilaterais, como os assentamentos israelenses nos territórios palestinos’.
Foi expressa “séria preocupação” com a situação em Jerusalém, “onde estão ocorrendo várias discriminações e assédios que impedem a coexistência pacífica de cristãos, judeus e muçulmanos”. O cardeal condenou “os atos anticristãos perpetrados meses atrás por uma minoria de indivíduos judeus” e pediu “às autoridades que continuem a enfrentar esse desvio ideológico com firmeza e clareza” para proteger a presença cristã.
A situação atual no Líbano também é “um motivo significativo de preocupação para a Santa Sé”: “a escalada contínua do conflito entre o Hezbollah e o exército israelense está tendo um impacto considerável sobre a situação no sul do Líbano e no norte de Israel, colocando toda a região em risco. Isso resultou em um número substancial de pessoas deslocadas e uma considerável perda de vidas, incluindo muitos civis, inclusive crianças.
A Santa Sé, portanto, apela a todas as partes para que adiram aos princípios do direito internacional humanitário, interrompam a escalada e concluam um cessar-fogo sem demora”. Parolin também enfatizou “a necessidade de uma forte voz cristã para guiar a nação através desta crise sem precedentes”. A Santa Sé “está convencida de que o Líbano desempenha um papel fundamental na manutenção da estabilidade regional e pede a todas as partes que apoiem o país e salvaguardem sua mensagem de coexistência pacífica”.
O cardeal também relembrou a crise humanitária na Síria, pedindo “novas abordagens para a questão, que levem em conta o impacto das sanções econômicas sobre a população e forneçam alívio à população afetada, garantindo ao mesmo tempo a justiça para os eventos passados”.
O secretário de Estado também falou sobre o atual “conflito armado sangrento no Sudão, que resultou em uma crise humanitária sem precedentes”, a fome oficialmente confirmada na região norte de Darfur, e incentivou a promoção de negociações de paz para que “a ajuda humanitária vital possa ser fornecida à população imediatamente”.
Com relação à província de Cabo Delgado, em Moçambique, afetada pelo conflito armado há 7 anos, com quase 950 mil deslocados internos, Parolin pediu “maior apoio humanitário, especialmente para reduzir o impacto sobre as crianças e os civis inocentes”. O cardeal também falou sobre a situação no leste da República Democrática do Congo, que está levando a “um aumento preocupante da crise humanitária” e reiterou a necessidade de “continuar a apoiar os esforços diplomáticos para encontrar uma solução adequada e sustentável para o conflito em curso”.
Também é motivo de grande preocupação “a situação sociopolítica no Sudão do Sul, agravada pela crise humanitária, pelas recentes inundações e pelo conflito no Sudão”, bem como a disseminação de ameaças jihadistas no Golfo da Guiné, o que “está causando preocupação para a segurança não apenas do Sahel, mas de toda a África Ocidental”: “os cristãos estão sendo alvo, enquanto as mudanças climáticas e os ataques armados estão piorando a crise alimentar e fazendo com que as crianças abandonem a escola”, circunstâncias que exigem ações de longo prazo para restaurar a estabilidade na região.
A Santa Sé também está acompanhando com apreensão a dramática situação no Haiti, para o qual espera ver a restauração da paz e da reconciliação interna, bem como a de Mianmar. Lá “os jovens são privados de educação, os idosos são forçados a fugir de suas casas, os Rohingya são alvos de todos os lados e não têm para onde ir”. Portanto, Parolin conclamou “todas as partes a buscar soluções duradouras, inclusivas e pacíficas para a situação e a garantir o acesso à ajuda humanitária a todas as comunidades afetadas, sem preconceitos”.
A Santa Sé também está acompanhando com grande atenção o que está acontecendo na Nicarágua e “está particularmente preocupada com as medidas tomadas contra os colaboradores e as instituições da Igreja, que tocam diretamente a delicada questão da liberdade religiosa”: “espera-se que, juntamente com os outros direitos fundamentais dos indivíduos e da sociedade, essa liberdade seja adequadamente garantida”. Por sua vez, a Santa Sé está aberta ao diálogo respeitoso e construtivo com as autoridades do país, a fim de resolver as dificuldades e promover a paz, a fraternidade e a harmonia para o benefício de todos”.
Parolin também falou sobre as recentes eleições presidenciais na Venezuela, que “demonstraram que, apesar dos muitos desafios enfrentados, o povo venezuelano continua a depositar sua confiança nos valores democráticos consagrados na Constituição. Esses valores democráticos são baseados na soberania do povo, que se expressa por meio do ato de votar. Na grave crise que se seguiu ao anúncio dos resultados, com várias mortes, numerosas detenções - inclusive de menores - e o uso da violência, a Santa Sé, profundamente entristecida e preocupada, apela às autoridades do país e a todos aqueles que têm qualquer responsabilidade pelo que aconteceu, para que respeitem e protejam a vida, a dignidade, os direitos humanos e as liberdades fundamentais de seus cidadãos. Além disso, ela pede que eles busquem maneiras de resolver a situação atual, para o bem de todos, inclusive com a assistência de membros da comunidade internacional que se declararam dispostos a ajudar, de maneira flexível e razoável”.
A Santa Sé, continuou Parolin, encoraja as conversações entre a Armênia e o Azerbaijão e “vê com bons olhos” também a aspiração dos países dos Bálcãs de aderir à União Europeia.
“Embora o desarmamento promova a paz entre as nações, também é necessário promover a paz dentro das sociedades. Um instrumento para isso pode ser a democracia”, disse o secretário de Estado. A democracia deve se basear em valores que “incluem a dignidade de cada pessoa humana, o respeito aos direitos humanos e o compromisso com o bem comum como objetivo e critério orientador da vida política”. Entre os direitos a serem preservados, “o da liberdade de expressão deve ser sempre defendido, sem negligenciar a liberdade de religião ou crença”.
A “tendência crescente de alterar as constituições ou de mudar as regras e os procedimentos eleitorais para permanecer no poder ou para impedir que aqueles legitimamente eleitos pelo povo assumam o poder” é outro motivo de preocupação para a Santa Sé: “a democracia implica o respeito às regras estabelecidas”, enquanto “nas últimas décadas foram feitas tentativas de introduzir novos direitos que não são totalmente consistentes com aqueles originalmente definidos”. Isso levou a “casos de colonização ideológica, nos quais a teoria do gênero desempenha um papel central; esta última é extremamente perigosa porque anula as diferenças em sua pretensão de tornar todos iguais”. A esse respeito, o cardeal Parolin chamou de “inconcebível” associar o conceito de “direito” com a prática do aborto, “que envolve a supressão de uma vida inocente”.
Em seguida, ele soou o alarme sobre a liberdade religiosa: “cerca de um em cada sete cristãos (mais de 365 milhões de indivíduos) está sujeito a níveis significativos de perseguição por motivos de crença religiosa. O número de ataques a igrejas e propriedades cristãs aumentou significativamente em 2023, com mais cristãos do que nunca sofrendo ataques violentos”.
Para relançar um compromisso comum a serviço da paz, o secretário de Estado afirmou, portanto, que “é necessário recuperar as raízes, o espírito e os valores que deram origem” às Nações Unidas, “levando em conta o contexto alterado”, e retornar a “um diálogo sincero e aberto que é a alma da comunidade internacional”. “A Santa Sé, como tem feito ao longo das últimas seis décadas”, concluiu Parolin, ‘continua a apoiar o trabalho das Nações Unidas, fazendo ouvir a sua voz em defesa dos pobres, daqueles em situações vulneráveis, apoiando cada processo e iniciativa de paz’.
- Papa Francisco: “Somos todos responsáveis pela missão da Igreja”
"Por uma missão comum" é a intenção de oração do Papa Francisco para o mês de outubro, divulgada nesta segunda-feira (30/09), um tema vinculado à assembleia geral do Sínodo que se aproxima.
O Santo Padre diz na mensagem de vídeo que "todos os cristãos somos responsáveis pela missão da Igreja. Todos os sacerdotes. Todos".
Em seu discurso pelo 50º aniversário do Sínodo dos Bispos, o Papa Francisco afirmou que “a sinodalidade é o caminho que Deus espera da Igreja do Terceiro Milênio”. Este enfoque requer uma escuta mútua e uma colaboração estreita entre todos os membros da Igreja.
Os sacerdotes não somos os chefes dos leigos, somos seus pastores. Jesus nos chamou a uns e a outros. Não a uns acima dos outros, nem a uns de um lado e a outros de outro, mas sim em complementaridade. Somos comunidade. Por isso, devemos caminhar juntos percorrendo o caminho da sinodalidade.
Como sinal de sinodalidade está também a realização do vídeo que acompanha suas palavras: as imagens foram produzidas pela Diocese de Brooklyn, com a ajuda de DeSales Media, a colaboração da Secretaria Geral do Sínodo, e com o apoio da Fundação da Rede Mundial de Oração do Papa.
Não importa se alguém é “condutor de ônibus” ou “camponesa” ou “pescador”, destaca o Papa Francisco na videomensagem, a missão é a mesma: “dar testemunho com nossas vidas. E sermos corresponsáveis na missão da Igreja”.
Os leigos, os batizados, são Igreja em sua própria casa, e devem cuidar dela. O mesmo que nós, os sacerdotes, os consagrados. Cada um oferecendo o melhor que sabe fazer. Somos corresponsáveis na missão, participamos e vivemos na comunhão da Igreja.
As imagens que acompanham a mensagem do Papa Francisco contam precisamente a riqueza do povo santo de Deus: os diversos ministros dentro e fora das paróquias, os distintos carismas, os momentos de vida em comum. A própria realização deste vídeo pela Diocese de Brooklyn, com a participação de um grupo de profissionais leigos da comunicação religiosa, é um exemplo de missão comum e solidária.
Rezemos para que a Igreja continue a apoiar de todas as formas um estilo de vida sinodal, como sinal de corresponsabilidade, promovendo a participação, a comunhão e a missão partilhada entre sacerdotes, religiosos e leigos.
Fonte: Vatican News