Cultura

Artigo de Dom Pedro José Conti: O leão e o ratinho





Ao sair do buraco, viu-se um ratinho entre as patas do leão. Estacou, de pelos em pé, paralisado pelo terror. O leão, porém, não lhe fez mal nenhum.

– Segue em paz, ratinho; não tenha medo do teu rei. Dias depois, o leão caiu numa rede. Urrou desesperadamente, debateu-se, mas quanto mais se agitava mais preso no laço ficava. Atraído pelos urros, apareceu o ratinho.

– Amor com amor se paga – disse ele lá consigo e pôs-se a roer as cordas. Num instante conseguiu romper as malhas. E como a rede era das tais que rompida a primeira malha as outras se afrouxaram, pôde o leão deslindar-se e fugir. (Monteiro Lobato)

O evangelho de Marcos do 26º Domingo do Tempo Comum é um conjunto de palavras de Jesus sobre assuntos diferentes. A linguagem usada é cheia de imagens e figuras. A primeira questão se põe quando alguém está expulsando demônios usando o nome de Jesus, mas não faz parte do grupo dos seus seguidores. Para o Mestre, tudo o que for feito em prol dos sofredores, em favor de uma vida mais livre e feliz, está a favor da grande causa do Reino e, portanto, não deve ser considerado ação inimiga.

Até um gesto corriqueiro como oferecer um copo de água será reconhecido e recompensado. Outra questão: ninguém se deve considerar superior aos demais nos assuntos da fé e, sobretudo, não deve desprezar os pequenos e as pessoas simples que acreditam. Escandalizá-los, zombando da confiança que eles têm em Deus, será considerada uma culpa gravíssima. Por fim, Jesus lembra que o pecado – o mal que nós praticamos – não é fantasia, é muito real e concreto. 

Toda a nossa pessoa está comprometida em planejá-lo e realizá-lo; para isso, usamos a nossa mente e o nosso corpo exemplificado com as mãos, os pés e os olhos. Se estamos convencidos que a meta da nossa fé é participar da alegria do Reino talvez seja necessário “cortar” algumas atitudes erradas que nos afastam do amor a Deus e ao próximo. Essas ações a serem eliminadas são apresentadas novamente, através de alguns dos meios corporais que usamos para pecar: as mãos, os pés e os olhos.

Refletindo um pouco, talvez possamos reconhecer que os assuntos das palavras de Jesus, que nos parecem tão diferentes, possam ser reconduzidos a algo em comum e que não está tão longe da nossa experiência de vida. Todas aquelas situações escondem um conjunto de preconceitos e costumes nos quais podemos cair, sem perceber, numa armadilha da qual Jesus quer nos libertar. 

A primeira questão é sempre aquela de dividir o mundo e as pessoas em amigos e inimigos, conforme, evidentemente, as nossas ideias individuais e ou os favores que elas nos oferecem ou nos recusam. Para isso, tudo serve: os partidos, as ideologias, as bandeiras de todas as cores e também as religiões. Facilmente falamos de “nós” e dos “outros”, quase sempre de antemão sem reconhecer o positivo do outro lado e o negativo também do nosso. 

Entre os preconceitos em vigor está também o de julgar a fé e as suas manifestações dos irmãos e irmãs, talvez nos achando mais esclarecidos ou particularmente iluminados. Uma coisa é nos ajudar a vivenciar melhor e mais profundamente a Palavra de Deus, a Liturgia e a Caridade com todas as suas mais diversas expressões, outra coisa é julgar ter a exclusividade das rezas e do bem a ser praticado. Por fim, nem sempre usamos as nossas mãos para abençoar e socorrer e as usamos, ao contrário, para ameaçar e afastar. 

Os nossos pés, também, nem sempre seguem o Caminho que é o próprio Senhor. Damos muitas voltas ou preferimos ir longe. Os nossos olhos e a nossa cabeça agora viajam pelas telas dos smartphones e dos notebooks. Não serve “arrancar” os olhos, mas talvez desligar antes que o mal aconteça, sim. Nem precisa Jesus nos ameaçar com o “fogo do inferno”, basta reconhecer quanto o mal dos preconceitos, da soberba, da divisão, da cobiça e de tantos outros pecados acaba entristecendo a nossa vida pessoal, das nossas famílias e comunidades. Se cairmos em alguma dessas armadilhas, precisamos de alguém que venha roer as malhas da rede que nos prende. Até um ratinho ajuda, mas muito melhor se for Jesus com o seu amor.

Fonte: Diocese de Macapá