O Papa Francisco encontrou-se com as autoridades, a sociedade civil e o Corpo diplomático, nesta sexta-feira (27/09), no Castelo Real de Laeken, na Bélgica, segunda etapa de sua 46ª Viagem Apostólica Internacional.
Francisco manifestou satisfação por visitar a Bélgica, e disse que quando "se pensa neste País, evoca-se ao mesmo tempo algo pequeno e grande, um país ocidental e simultaneamente central, como se fosse o coração pulsante de um organismo imenso".
"A Bélgica não é um Estado muito extenso, mas a sua história peculiar fez com que, imediatamente depois da Segunda Guerra Mundial, os povos europeus, cansados e exaustos, iniciando um sério caminho de pacificação, colaboração e integração, olhassem para ela como a sede natural das principais instituições europeias. Por se situar nos limites entre o mundo germânico e o mundo latino, fazendo fronteira com a França e a Alemanha, que mais encarnaram as antíteses nacionalistas da origem do conflito, surgiu como lugar ideal, quase uma síntese da Europa, de onde partir para a sua reconstrução, física, moral e espiritual", frisou o Papa.
Poderia-se dizer que a Bélgica é uma ponte: entre o continente e as ilhas britânicas, entre as regiões germânicas e francófonas, entre o sul e o norte da Europa. Uma ponte para permitir a expansão da concórdia, fazendo retroceder os conflitos. Uma ponte onde cada um, com a sua língua, a sua mentalidade e as suas convicções, se encontra com o outro e escolhe a palavra, o diálogo e a partilha como meios de relação. Uma ponte, portanto, indispensável à construção da paz e ao repúdio da guerra.
Segundo o Papa, a Europa precisa da Bélgica "para se lembrar da sua história, feita de povos e culturas, de catedrais e universidades, de conquistas do engenho humano, mas também de muitas guerras e de uma vontade de domínio que, por vezes, se converteu em colonialismo e exploração. A Europa precisa da Bélgica para prosseguir na via da paz e da fraternidade entre os povos que a compõem".
“Na verdade, a concórdia e a paz não são uma conquista alcançada de uma vez por todas, mas antes uma tarefa e uma missão incessante a cultivar, a cuidar com tenacidade e paciência.”
Porque quando os seres humanos deixam de recordar o passado e ser educados por ele, esquecendo o sofrimento e os custos assustadores pagos pelas gerações anteriores, ficam com a desconcertante capacidade de voltar a cair mesmo depois de se terem finalmente reerguido.
"A história, magistra vitae tantas vezes não escutada, da Bélgica convoca a Europa a retomar o seu caminho, a redescobrir o seu verdadeiro rosto, a investir de novo no futuro, abrindo-se à vida, à esperança, para vencer o inverno demográfico e o inferno da guerra", disse ainda Francisco.
A seguir, o Papa disse que "a Igreja Católica quer ser uma presença que, testemunhando a sua fé em Cristo Ressuscitado, oferece aos indivíduos, às famílias, às sociedades e às Nações uma esperança antiga e sempre nova". A Igreja "anuncia uma Notícia que pode encher os corações de alegria e, com obras de caridade e inúmeros testemunhos de amor ao próximo, procura oferecer sinais concretos e provas do amor que a move. Entretanto, vive na realidade das culturas e das mentalidades de um determinado tempo, ajudando a plasmá-las ou, por vezes e de algum modo, ressentindo-se delas; porém, nem sempre compreende e vive a mensagem evangélica na sua pureza e plenitude", acrescentando:
De acordo com Francisco, "a Igreja vive nesta perene coexistência de luz e sombra, muitas vezes com frutos de grande generosidade e esplêndida dedicação, e outras vezes, infelizmente, com o aparecimento de dolorosos contra-testemunhos. Estou a pensar nos dramáticos acontecimentos do abuso de menores, um flagelo que a Igreja está enfrentando com decisão e firmeza, escutando e acompanhando as pessoas feridas e implementando em todo o mundo um programa capilar de prevenção".
“Irmãos e irmãs, esta é uma vergonha! Uma vergonha que hoje todos nós devemos enfrentar, pedir perdão e resolver o problema: a vergonha do abuso, do abuso de menores. Pensamos na época dos santos inocentes e dizemos: 'Oh! Que tragédia, o que fez o rei Herodes', mas hoje na Igreja existe este crime e a Igreja deve se envergonhar e pedir perdão, e tentar resolver essa situação com humildade cristã, fazendo todos os esforços para que isso não aconteça mais.”
O Pontífice sublinhou a esse propósito, que alguém lhe diz que, "segundo as estatísticas, a grande maioria dos abusos ocorre na família ou no bairro ou no mundo do esporte, na escola". "Apenas um abuso é suficiente para se envergonhar. Na Igreja, devemos pedir perdão por isso e que os outros peçam perdão por sua parte. Essa é a nossa vergonha e nossa humilhação", observou Francisco.
Ainda sobre os abusos, o Papa recordou o problema das “adoções forçadas” que ocorreram "na Bélgica nos anos 50 e 70 do século passado". "Nessas histórias espinhosas, o fruto amargo de um delito e de um crime misturava-se com o que, infelizmente, era o resultado de uma mentalidade prevalecente em todos os estratos da sociedade, de tal modo que aqueles que agiam de acordo com ela, em consciência, acreditavam fazer o bem, tanto à criança como à mãe", disse ainda Francisco.
“Muitas vezes, a família e os outros agentes sociais, incluindo a Igreja, consideravam que, para eliminar o estigma negativo que, infelizmente, recaía sobre a mãe solteira naquela época, era preferível, para o bem de ambos, mãe e filho, que este último fosse adotado. Houve até casos em que não foi dada a possibilidade a algumas mulheres de escolher entre ficar com a criança ou dá-la para adoção.”
"Como sucessor do Apóstolo Pedro, peço ao Senhor que a Igreja encontre sempre dentro de si a força para esclarecer e não se conformar com a cultura dominante, mesmo quando esta – manipulando-os – usa valores derivados do Evangelho, para deles tirar conclusões indevidas, com consequências pesadas de sofrimento e exclusão", sublinhou Francisco.
O Papa disse ainda que reza "para que os dirigentes das Nações, ao olharem para a Bélgica e para a sua história, saibam aprender com ela e poupem assim os seus povos de desgraças e lutos sem fim". "Rezo para que os governantes saibam assumir a responsabilidade, o risco e a honra da paz e saibam afastar o perigo, a ignomínia e o absurdo da guerra. Rezo para que temam o julgamento da consciência, da história e de Deus, e convertam os seus olhos e corações, colocando sempre em primeiro lugar o bem comum", concliu o Papa.
- Francisco encontra 17 vítimas de abuso por membros do clero na Bélgica
Durou duas horas o encontro do Papa Francisco com 17 pessoas vítimas de abuso por membros do clero na Bélgica. A reunião aconteceu na Nunciatura Apostólica em Bruxelas, após o retorno do Papa de Lovaina, onde ele esteve à tarde para o encontro com os professores da Universidade Católica de Leuven. A Sala de Imprensa Vaticana divulgou a notícia através do Telegram, explicando que os presentes “puderam compartilhar com o Papa suas histórias e suas dores, além de expressar suas expectativas quanto ao compromisso da Igreja no combate aos abusos”.
“O Papa – diz ainda a nota – pôde ouvir e se aproximar do sofrimento deles, expressando gratidão por sua coragem e o sentimento de vergonha pelo que sofreram quando crianças, por causa dos sacerdotes a quem estavam confiados. Ele anotou as solicitações que lhe foram feitas para poder estudá-las”.
Um possível encontro entre Francisco e as vítimas havia sido anunciado nos últimos dias pela Conferência Episcopal Belga, mas não foi confirmado oficialmente. O tema dos abusos é central nesta visita do Papa à Bélgica, um país profundamente marcado por esses crimes, sobre os quais o Parlamento anunciou uma investigação nacional para entender como as autoridades judiciais e policiais belgas lidaram com a grande investigação criminal de 2010 sobre abusos na Igreja. Foi naquele ano que o bispo de Bruges, Roger Vangheluwe, renunciou após admitir ter abusado sexualmente de alguns menores. Seus crimes prescreveram, mas em março o Papa o demitiu do estado clerical.
Na manhã de hoje, no Castelo de Laeken, onde se encontrou com as autoridades civis e políticas do país, o Papa Francisco – após as falas do primeiro-ministro De Croo e do rei Filipe sobre o tema – pronunciou uma condenação firme, uma das mais duras de seu pontificado, contra essa chaga dentro da Igreja, definida, sem rodeios, como uma “vergonha”.
"Irmãos e irmãs, esta é a vergonha! A vergonha que hoje todos nós devemos assumir e pedir perdão e resolver o problema: a vergonha dos abusos, dos abusos infantis. Pensamos na época dos santos inocentes e dizemos: "Que tragédia, o que fez o rei Herodes", mas hoje na própria Igreja há esse crime e a Igreja deve se envergonhar e pedir perdão, e tentar resolver essa situação com humildade cristã. E colocar todas as coisas, todas as possibilidades para que isso não aconteça novamente. Alguém me diz: "Mas Santidade, pense que, de acordo com as estatísticas, a grande maioria dos abusos ocorre na família ou na vizinhança ou no mundo do esporte, na escola", se apenas um é suficiente para nos envergonhar. Na Igreja, devemos pedir perdão por isso, que os outros peçam perdão por sua parte. Esta é a nossa vergonha e a nossa humilhação."
- O Papa: precisamos de cultura que não seja "sectária" nem se coloque acima dos outros
A grande missão da Universidade é alargar fronteiras e tornar-se um espaço aberto ao homem e à sociedade. Foi o que disse Francisco esta sexta-feira (27/09) no encontro com os professores da Universidade Católica de Leuven, ponto alto desta visita à Bélgica, focada sobretudo na celebração dos 600 anos da mais antiga universidade católica do mundo. Situada a cerca de 26 Km da capital Bruxelas, Leuven (ou Lovaina) está situada na região de Flandres, centro da Bélgica. A visita pastoral do Pontífice se insere no âmbito da 46ª Viagem Apostólica Interncaional de Francisco, iniciada esta quinta-feira, 26, com a primeira etapa em Luxemburgo.
Após agradecer ao reitor por suas palavras e por ter recordado a história e tradição nas quais esta Universidade está radicada, bem como alguns dos principais desafios atuais que nos interpelam a todos, o Santo Padre ressaltou que a primeira tarefa da Universidade é “oferecer uma educação integral para que as pessoas tenham as ferramentas necessárias para interpretar o presente e planejar o futuro”. Na verdade, observou, a formação cultural nunca é um fim em si mesma e as Universidades não devem correr o risco de se tornarem “catedrais no deserto”; elas são, pela sua própria natureza, lugares que impulsionam ideias e novos estímulos para a vida e o pensamento humanos e para os desafios da sociedade, ou seja, espaços generativos. “É bom pensar que a Universidade gera cultura, gera ideias, mas sobretudo que promove a paixão pela busca da verdade, ao serviço do progresso humano”.
Em particular, as Universidades católicas, como esta, são chamadas a “prestar o decisivo contributo de fermento, sal e luz do Evangelho de Jesus Cristo e da Tradição viva da Igreja sempre aberta a novos cenários e propostas”. Por isso, gostaria de lhes dirigir um simples convite: alarguem as fronteiras do conhecimento! Não se trata de multiplicar as noções e as teorias, mas de fazer da formação acadêmica e cultural um espaço vivo, que englobe a vida e fale à vida.
Em nosso contexto, disse o Pontífice aos acadêmicos da prestigiosa universidade belga, deparamo-nos com uma situação ambivalente em que as fronteiras se estreitam.
Por um lado, estamos imersos numa cultura marcada pela renúncia à busca da verdade. Perdemos a paixão inquieta da procura, para nos refugiarmos no comodismo do pensamento fraco, na convicção de que tudo é igual, de que tanto vale uma coisa como outra, de que tudo é relativo. Por outro lado, quando, em contextos universitários e não só, se fala de verdade, cai-se muitas vezes numa atitude racionalista, segundo a qual só aquilo que podemos medir e experimentar pode ser considerado verdadeiro, como se a vida se reduzisse exclusivamente à matéria e ao visível. Em ambos os casos, as fronteiras são estreitas, observou Francisco.
Sobre o primeiro aspeto, temos o cansaço do espírito, que nos remete para a incerteza permanente e para a falta de paixão, como se fosse inútil procurar sentido numa realidade que permanece incompreensível. Sobre o segundo aspeto, porém, temos o racionalismo sem alma no qual corremos novamente o risco de cair, condicionados pela cultura tecnocrática. Quando o homem se reduz apenas à matéria, quando a realidade se restringe aos limites do visível, quando a razão é apenas matemática e “laboratorial”, perde-se o espanto, aquele assombro interior que nos impele a procurar mais além, a olhar para o céu, a descobrir aquela verdade escondida que responde às perguntas fundamentais: Porque é que vivo? Que sentido tem a minha vida? Qual é o objetivo último e a meta deste caminho?
Sejamos conscientes – como disse o senhor Reitor no início – “de que ainda não sabemos tudo”, mas é precisamente esta limitação que sempre os deve impulsionar, ajudando-os a conservar acesa a chama da investigação e a manter uma janela aberta para o mundo de hoje, disse o Papa dirigindo-se aos preofessores.
A este respeito, prosseguiu o Santo Padre, quero dizer-lhes sinceramente: “obrigado! Obrigado porque, ao alargarem as fronteiras, abriram espaço para acolher tantos refugiados que são forçados a fugir das suas terras, no meio de inúmeras inseguranças, enormes dificuldades e, por vezes, sofrimentos atrozes”.
O Papa aludiu ao vídeo pouco antes exibido sobre a assistência aos refugiados, um testemunho muito comovente de uma jovem palestina. “E enquanto alguns apelam ao reforço das fronteiras, cada um dos que aqui se encontram, como comunidade universitária, alarga as fronteiras, abre os braços para acolher estas pessoas marcadas pela dor, ajudando-as a estudar e a crescer”, disse.
É disto que precisamos: uma cultura que alargue as fronteiras, que não seja “sectária” nem se coloque acima dos outros, mas pelo contrário, que esteja na massa do mundo, introduzindo nela um bom fermento, que contribua para o bem da humanidade. Esta tarefa, esta “esperança maior”, está confiada a todos vós!
Francisco concluiu exortanto-os a serem protagonistas na criação de uma cultura de inclusão, de compaixão, de atenção para com os mais fracos e para com os grandes desafios do mundo em que vivemos.
Fonte: Vatican News