Cultura

Artigo de Dom Pedro José Conti: O burro na pele do leão





Reflexão para o 23º domingo do Tempo Comum | 08 de Setembro de 2024 – Ano “B” 

Um burro encontrou uma pele de leão que o caçador tinha largado no mato. Na mesma hora, o burro vestiu a pele e inventou a brincadeira de se esconder numa moita e de pular fora sempre que passasse algum animal. Todos fugiam assim que o burro aparecia. O burro estava gostando tanto de ver a bicharada fugir correndo, que começou a se sentir o rei leão em pessoa, e não conseguiu segurar um belo zurro de satisfação. Ouvindo aquilo, uma raposa, que ia fugindo com os outros, parou, virou-se e se aproximou do burro rindo: – “Se você tivesse ficado quieto, talvez eu também tivesse levado um susto. Mas aquele zurro bobo estragou a brincadeira”. 
O evangelho de Marcos do 23º Domingo do Tempo Comum nos apresenta Jesus curando “um homem surdo, que falava com dificuldade”. Alguns detalhes chamam a nossa atenção. Estamos numa região de pagãos. São pessoas que não tem familiaridade com as Escrituras, mas também os discípulos não estão compreendendo bem o que Jesus fazia e ensinava (Mc 6,52). Precisa ter ouvidos atentos para escutar a Palavra e a língua solta para, depois, anunciar a novidade da Boa Notícia. 

A cura do surdo-mudo não é um espetáculo, é um encontro pessoal, por isso  acontece fora da multidão, com gestos e uma ordem “Efatá”, que quer dizer “Abre-te”. Cabe a cada um de nós nos deixarmos alcançar por Jesus para que seja ele, com os seus dedos, a nos abrir os ouvidos e a tocar a nossa língua. O “segredo”, a não divulgação do acontecido, não tem como finalidade o escondimento em si, mas a perseverança no caminho da fé, até chegar ao pleno reconhecimento de Jesus como “Filho de Deus” após o sofrimento da cruz (Mc15, 39). No entanto, ao ver o homem escutando e falando corretamente, a turma fica tão impressionada que comenta repetindo algumas palavras da profecia messiânica de Isaías: “Aos surdos faz ouvir e aos mudos falar” (cfr. Is 35,5). 


Fica bastante claro que esta cura tem um grande valor simbólico e se torna um compromisso para todos nós. Com efeito, o gesto e a palavra “Efatá” permaneceu no Rito do Batismo das Crianças acompanhada pelas palavras do ministro: “O Senhor que fez os surdos ouvir e os mudos falar, lhe conceda que possa logo ouvir sua Palavra e professar a fé para louvor e glória de Deus Pai”. No Ritual da Iniciação Cristã de Adultos, logo na primeira adesão, os candidatos ao Catecumenato são assinalados pelos catequistas nos ouvidos, com as palavras: “Recebam nos ouvidos o sinal-da-cruz, para que vocês ouçam a voz do Senhor”. Em seguida, são tocados na boca, com a palavras: “Recebam na boca o sinal-da-cruz, para que vocês respondam à palavra de Deus”.
 
Retomando o “silêncio” que Jesus pede aos que viram a cura do surdo-mudo podemos, simplesmente, pensar que a comunicação da mensagem do Evangelho, com a qual somos convidados a alimentar sempre a nossa vida de cristãos, não deva ser confundida com qualquer outra notícia, ou como se fosse uma propaganda qualquer. Não é só questão de respeito, é sobretudo questão de responsabilidade. Se não escutarmos bem o que o Senhor quer nos dizer com as suas palavras e se não experimentarmos os frutos dessa escuta praticando os seus ensinamentos, podemos falar bonito, mas não comunicamos aquela palavra viva que devemos ter no coração e que, aos poucos, está transformando a nossa vida. 

Essa escuta acontece no recolhimento, na oração, quando nos perguntamos o que o Senhor quer de nós e como podemos corresponder ao seu chamado. Nas missas também escutamos a Palavra e  aclamamos “Graças a Deus” e “Glória a Vós, Senhor”. Grande é a missão daqueles que procuram explicar a Palavra de Deus aos irmãos. Primeiro, os pais cristãos nas suas famílias, depois os padres, os diáconos, os e as catequistas, aqueles e aquelas que não ficam calados quando devem dar o seu depoimento e, por fim, tantos outros que falam melhor com a própria vida do que com as  palavras. 


A pele do leão que o burro vestiu pode ser até a Bíblia que carregamos, mas, quando falamos do Senhor, não dá para disfarçar se procuramos conhecer e vivenciar o seu Evangelho de verdade ou não. Se o coração está vazio, sai somente a nossa opinião.
 
Por Dom Pedro José Conti
 
Fonte: Diocese de Macapá