Assim como as abelhas, as vespas também fazem favos. A diferença é que os favos das vespas são vazios e os favos das abelhas são de uma riqueza espetacular. O ditado dos antigos: “as vespas também fazem favos”, chamava a atenção para a necessidade de se saber distinguir o que é realmente bom do que é bom só em aparência. O favo das vespas não tem nada; o mel só está no favo das abelhas.
Com o 22º Domingo do Tempo Comum, retomamos a leitura do evangelho de Marcos. A página que será proclamada nos apresenta uma controvérsia entre Jesus, os fariseus e os mestres da Lei. Essa turma de observantes das tradições dos antigos reparou que alguns dos discípulos de Jesus estavam comendo pão sem ter lavado as mãos. Nada demais, diríamos nós. No entanto, não era assim para eles. Mais do que simples normas de higiene, os rituais de purificação serviam para distinguir e preservar os judeus dos demais povos que praticavam outras religiões.
O não cumprimento das tradições era considerado um grave desrespeito à própria fé, a Deus, enfim. Respondendo às indagações daqueles homens, Jesus transfere a questão num outro plano: do conjunto das manifestações exteriores, para o interior do coração humano. O verdadeiro culto a Deus não é feito de atos formais, através de uma mera obediência a preceitos humanos.
A honra dele se realiza quando praticamos o bem e não deixamos sair do nosso coração todas aquelas “coisas” erradas, que nos afastam do próprio Deus e do nosso próximo. Jesus chama essas pessoas, preocupadas em lavar as mãos sem limpar o seu coração, de “hipócritas”, falsos, comediantes, que se apresentam de um jeito, mas na realidade são o oposto. Ele ensina que não serve para nada lavar as mãos antes de comer para garantir que nenhum alimento impuro entre em nós, porque a contaminação não vem de fora de nós, dos alimentos que comemos, porque eles não têm esse poder.
A “contaminação” do mal/do impuro vem de dentro do nosso coração quando cultivamos aqueles maus pensamentos que nos fazem agir de forma errada, praticando o mal. Em poucas palavras, enganamos a Deus e a nós mesmos se cumprimos normas exteriores sem nos preocupar com o mais importante: purificar o nosso coração de todas aquelas ações, maquinações e atitudes que ofendem o mandamento de Deus, o amor, e nos levam a prejudicar e a fazer sofrer os nossos irmãos.
A hipocrisia é um mal no qual todos podemos cair. De maneira especial, hoje, quando temos a oferta de muitas expressões “religiosas”, das mais variadas, e, às vezes, nós também escolhemos a comunidade, a paróquia, o site, a reza, mais pela simpatia, o costume, porque nos sentimos bem, do que por desejar mudar algo de mais profundo na nossa vida cristã: a clareza da nossa fé, as escolhas morais, uma caridade mais comprometida e transformadora.
Fique bem claro. Não estou desvalorizando as práticas exteriores. Precisamos muito delas, mas com a devida atenção para não nos tornar falsos. O nosso ir à Missa, por exemplo, revela a vontade e a seriedade da nossa fé. Se vamos, é porque não achamos tempo perdido a nossa participação na liturgia e, sobretudo, se nos alimentamos com a santa Eucaristia. Igualmente, uma manifestação religiosa, uma novena, uma reza, mais ainda se com numerosa participação do povo, encorajam-nos a reconhecer o valor da mensagem do Evangelho, o exemplo de Maria e de tantos santos e santas nossos padroeiros e padroeiras.
O perigo está em cumprir tudo isso como se fosse uma mera obrigação, um costume tradicional, para dizer, depois, que participamos, mas sem que aquele momento consiga fazer acontecer algo novo em nossa vida de cristãos: um novo propósito, um novo compromisso, uma nova atitude.
Essas são escolhas que exigem uma decisão que só pode vir do profundo do nosso coração, da nossa consciência, motivada pela fé e pelo amor a um Deus no qual não só dizemos acreditar, mas que também deixamos que ilumine com sua luz a nossa vida inteira, dentro e fora. Nada de coração vazio. Queremos ser como as abelhas, com favos cheios e doces, de verdade.
Por Dom Pedro José Conti
Fonte: Diocese de Macapá