Política

Papa Francisco reforça coro católico contra política ambiental de Bolsonaro





A pressão contra a política ambiental do presidente Jair Bolsonaro ganhou um reforço de peso: o papa Francisco. O líder religioso se juntou a entidades da Igreja Católica no Brasil no discurso em defesa da Amazônia, dos recursos naturais e dos povos indígenas.

Duas importantes entidades da igreja se manifestaram com veemência nesta semana contra o discurso do presidente na abertura da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU): a
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)  e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Para a CNBB e o Cimi, Bolsonaro tentou criminalizar os povos indígenas ao atribuir a eles a responsabilidade pelo aumento das queimadas no país.

No discurso feito na Assembleia Geral da ONU nessa sexta-feira (veja vídeo mais abaixo), o papa Francisco dedicou alguns minutos para demonstrar preocupação pela situação da Amazônia, com o avanço do desmatamento, e com a situação das populações indígenas. Sem citar Bolsonaro, ele afirmou "não se recorda que a crise ambiental está indissoluvelmente ligada a uma crise social e que o cuidado com o meio ambiente exige uma aproximação integral para combater a pobreza e a exclusão".

Na avaliação da CNBB, o presidente camufla "na fumaça das fake news" a luta desses povos por sobrevivência e colabora para "trazer o caos da desinformação". Já o Cimi considerou o discurso do presidente "falacioso, refratário e irreal", em especial, no combate aos incêndios da Amazônia e à pandemia de coronavírus.

Para a CNBB, o presidente tem uma atitude na contramão da consciência social e ambiental ao dizer que "o Brasil está de parabéns com a proteção de seu meio ambiente" diante de "tamanha destruição". A entidade afirmou também que essa atitude acaba "na verdade beneficiando apenas grandes conglomerados econômicos que atuam na mineração e no agronegócio". 

Cimi acusou Bolsonaro de agir com má-fé, preconceito e a irresponsabilidade ao responsabilizar os indígenas pelos problemas ambientais do país.

"Ele não só responsabilizou, mas também criminalizou os povos indígenas que, de fato, são as vítimas dos crimes ambientais em curso no país. Entendemos que Bolsonaro deve ser responsabilizado por seus atos. Não é justo que os povos indígenas no Brasil venham a sofrer mais violência por mais uma acusação sem provas, fantasiosa, do senhor presidente", afirmou a entidade.

A  CNBB criticou ainda a diminuição do orçamento dos órgãos ambientais como o Ibama e o ICMbio, afirmando, que não é possível permanecer em silêncio  diante dos "cortes orçamentários sofridos pelo Ibama e pelo ICMBio, bem como do sucateamento dos órgãos de combate e fiscalização".

  1. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil acompanha indignada a devastação causada pelas queimadas nos biomas Amazônia, Cerrado e Pantanal. Une-se às diversas manifestações de entidades católicas feitas nos últimos dias e enaltece todos que cuidam, com esmero, da Casa Comum, de modo especial os que bravamente combatem os focos de incêndio e trabalham pela preservação da vida nas áreas afetadas. A CNBB se solidariza com todos os voluntários que arriscam a própria vida, atuando com poucos recursos no combate ao crime socioambiental que está ocorrendo e na tentativa de salvar a fauna restante que não foi consumida pelo fogo.
  2. Mesmo diante de tamanha destruição, o Governo Federal paradoxalmente insiste em dizer que o Brasil está de parabéns com a proteção de seu meio ambiente. Esta atitude encontra-se em nítida contramão da consciência social e ambiental, na verdade beneficiando apenas grandes conglomerados econômicos que atuam na mineração e no agronegócio.
  3. O Ministério Público mostrou ao Governo Federal os lugares mais sensíveis onde o desmatamento e a queimada aconteceriam de forma mais evidente. Até mesmo ações judiciais foram propostas. Nada, entretanto, surtiu efeito que evitasse essa tragédia socioambiental.
  4. Não é possível permanecer em silêncio diante, por exemplo, dos cortes orçamentários no Ibama e no ICMBio, bem como do sucateamento dos órgãos de combate e fiscalização. O orçamento liberado para fiscalização do desmatamento no ano de 2019 foi de 102 milhões de reais e ainda sofreu um bloqueio de 15,6 milhões. Neste ano de 2020, o recurso foi ainda menor: conforme o Projeto de Lei Orçamentária (PLOA), aprovado, foram previstos 76,8 milhões para as ações de controle e fiscalização ambiental do Ibama. Isso significa ter 25,2 milhões de reais a menos!
  5. De acordo com o Fundo Mundial para a Natureza – WWF-Brasil, apesar da criação do Conselho da Amazônia, com a promessa de melhor controle no bioma por parte das Forças Armadas, agosto deste ano repetiu e mesmo superou a tragédia vivida em 2019, com um pico assustador no número de focos de incêndio. Essa agressão à Casa Comum, teve como resultado, nos anos de 2019 e 2020, recordes na quantidade de focos de queimadas no Cerrado (50.524 e 41.674), no Pantanal (6.052 e 15.973) e na Amazônia (66.749 e 71.499), totalizando, segundo dados do INPE, 123.325 focos em 2019 e 129.146 até 20 de setembro de 2020, correspondendo a um aumento de 5.821, destruindo grande parte da biodiversidade nestes biomas, ameaçando povos originários e tradicionais. Tudo isso se constitui num processo de verdadeiro desmonte das leis e sistemas de proteção do meio ambiente brasileiro.
  6. Em meio a toda essa devastação – cujas consequências chegam aos países vizinhos – também o bom senso é agredido tanto pelo o negacionismo explícito e reincidente por parte de nossas lideranças governamentais, quanto pela acusação de que povos e grupos seriam os responsáveis por algumas das queimadas. Esta criminalização, feita perante o mundo, camufla, na fumaça das fake-news, o esforço desses povos por sobrevivência, além de trazer o caos da desinformação.
  7. Não basta, porém, apenas constatar com tristeza a destruição ambiental e o desrespeito ao ser humano. Por isso, a CNBB convoca a sociedade brasileira a se unir ainda mais em torno do Pacto pela Vida e pelo Brasil, reforçando a voz dos que desejam um país mais justo e solidário, empenhados na proteção da Casa Comum, partindo dos mais vulneráveis. A efetiva superação dessa caótica situação só se dará por meio de forte fiscalização, investigação e responsabilização dos culpados, obrigação de reflorestamento, recuperação integral da natureza devastada e reorganização da estrutura econômica.
  8. Em meio a nossas diferenças, permaneçamos firmes na esperança e na união, solidificados na certeza de que a vida, em especial a vida humana, é o valor maior que nos cumpre preservar.Brasília, DF, 23 de setembro de 2020Walmor Oliveira de Azevedo
    Arcebispo de Belo Horizonte, MG

    PresidenteJaime Spengler
    Arcebispo de Porto Alegre, RS

    1º Vice-PresidenteMário Antônio da Silva
    Bispo de Roraima, RR

    2º Vice-Presidente

    Joel Portella Amado
    Bispo auxiliar do Rio de Janeiro, RJ

    Secretário-Geral

Veja a íntegra da nota do Conselho Indigenista Missionário:

O Conselho Indigenista Missionário – Cimi vem a público repudiar o discurso do presidente Jair Bolsonaro na abertura da 75ª Assembleia da Organização das Nações Unidas (ONU), neste dia 22 de setembro de 2020. O presidente Jair Bolsonaro utilizou um discurso falacioso, refratário e irreal sobre o combate à pandemia do coronavírus e às desigualdades sociais, os direitos humanos e, principalmente, em relação ao combate aos incêndios e à proteção do meio ambiente. Sempre na defensiva e culpando terceiros, o discurso do presidente não contribuiu para a solução dos problemas e para a melhora da imagem do Brasil no exterior.

No discurso, o presidente responsabiliza os índios pelos incêndios que devastam boa parte da Amazônia, Cerrado e Pantanal no Brasil. De todas as inverdades, essa demonstra a má-fé, o preconceito e a irresponsabilidade do presidente do Brasil perante outras nações, o que coloca o nosso país em situação constrangedora perante a opinião pública nacional e internacional.

Os territórios indígenas no Brasil se constituem como espaços de preservação da mata e de toda a biodiversidade. Os povos indígenas têm se esforçado no combate aos incêndios que chegam aos seus territórios, provocados por interesses ligados à expansão da agropecuária, aos monocultivos de grãos, à exploração mineral e madeireira. É importante salientar que esses setores têm tido todo o apoio do presidente e sua equipe para concretizar ações de violência contra os povos e o meio ambiente, a partir do desmonte de toda a estrutura de fiscalização e da política de proteção sob responsabilidade do governo federal.

O presidente Jair Bolsonaro, sob os olhares do mundo, ao proferir tal acusação, comete mais um ato de violência contra os povos indígenas no Brasil. Ele não só responsabilizou, mas também criminalizou os povos indígenas que, de fato, são as vítimas dos crimes ambientais em curso no país. Entendemos que Bolsonaro deve ser responsabilizado por seus atos. Não é justo que os povos indígenas no Brasil venham a sofrer mais violência por mais uma acusação sem provas, fantasiosa, do senhor presidente.

O discurso do presidente reforça as graves e infundadas acusações feitas pelo Ministro de Estado Chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, contra a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), buscando criminalizar suas lideranças e silenciar justas críticas ao governo. O Cimi manifesta solidariedade à Apib e apoio à sua iniciativa de buscar que o ministro responda pelos ataques junto ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Nos solidarizamos, ainda, com os povos indígenas e com as famílias que se encontram enlutadas em consequência da pandemia do novo coronavírus e devido à irresponsabilidade de um governo que não cuida e não defende seu povo.

Brasília, 22 de setembro de 2020

Conselho Indigenista Missionário

Fonte: Congresso em foco