Certa vez, um homem foi procurar o Profeta. Antes que ele abrisse a boca, o Profeta lhe disse:
— Vieste para me perguntar o que a virtude? Respondeu o homem:
— Como o senhor sabe?Continuou o Profeta: porque te vejo tenso e inquieto. Agora, escuta: para saber o que é a virtude, deves interrogar o teu coração. A virtude é tudo aquilo pelo qual a alma goza de repouso e o coração de tranquilidade. O pecado é aquilo que traz turbamento à alma e tumulto ao coração. Não percas tempo a perguntar de um lado e do outro o que é a virtude. Tens que vivê-la. A tua alma e o teu coração te responderão.
A página do evangelho de Marcos do 14º Domingo do Tempo Comum nos diz que Jesus chegou a Nazaré, o povoado onde tinha se criado e vivido, por mais ou menos uns 30 anos, até iniciar aquela que chamamos de “vida pública”. Pouco sabemos desses anos da vida de Jesus. Numa vila pequena, todos se conhecem. Jesus era “o carpinteiro”, a mãe era Maria e públicos eram os nomes de alguns dos seus parentes mais próximos.
Tudo deixa pensar que Jesus tenha transcorrido a maior parte daqueles anos numa vida muito simples e comum, aprendendo e praticando um trabalho manual, além de cumprir as obrigações de um homem judeu. Provavelmente, ele tinha deixado Nazaré alguns tempos antes, talvez, para conhecer melhor João Batista. Em seguida, porém, Jesus tinha tomado o seu próprio rumo. Começava a viver como um “profeta itinerante”, ensinando e juntando os primeiros discípulos. Algum fato considerado extraordinário, como as curas, ou duvidoso, como a expulsão de demônios, tinha criado e espalhado uma certa fama dele através das conversas do povo e assim tudo isso, com certeza, o tinha precedido a Nazaré. Ser do mesmo lugar devia favorecer Jesus, mas acabou sendo um obstáculo ao seu modo de falar e de agir.
O “profeta” não foi bem acolhido em sua pátria. Ficaram “escandalizados”, ou seja, recusaram-se a aceitar a novidade que Jesus representava. Para explicar isso, podemos especular outras motivações como a inveja, a desconfiança, o medo de se comprometer com as autoridades religiosas e políticas como os escribas, os fariseus e os partidários de Herodes que, já sabemos, não gostavam nada de Jesus. No entanto, pelo evangelho, a causa da rejeição foi a falta de fé deles. Dizendo que ali Jesus “não pôde fazer milagre algum” (Mc 6,5), o evangelista Marcos nos ensina que a fé é a condição necessária para que algo diferente ou extraordinário aconteça.
Jesus não é um milagreiro qualquer. Ele tem uma boa notícia para anunciar e testemunhar para que outros continuem a mudar as doenças em saúde, as tristezas em alegria, os pecados em vida nova. A chegada do Reino de Deus pede a fé num Deus amoroso, que quer envolver a todos em novos relacionamentos de fraternidade e paz, de justiça e amor.
Hoje somos nós os convidados a acolher o “profeta” Jesus. Precisamos entender, porém, que o verdadeiro milagre que a fé nele pode fazer em nós, é muito mais do que a cura de uma ou outra doença. Também não basta dizer que ele nos salvou dos nossos pecados, derramando seu sangue na cruz e que já estamos perdoados. Ter fé de verdade significa arriscar mesmo sobre a sua palavra. Talvez continuamos a servir mais ao dinheiro do que ao Senhor. Continuamos a colocar o nosso bem estar, a nossa segurança, as nossas vantagens antes da fome de muitos, da dignidade dos irmãos menos favorecidos, da sobrevivência do planeta explorado até a exaustão.
Chamamos de paz e tranquilidade a nossa indiferença e a nossa insensibilidade. Culpamos o sistema, apontamos o dedo contra os outros, temos dificuldade a reconhecer os muros que construímos para não ver e nos deixar atingir pelos sofrimentos dos pequenos. A nossa fé vivenciada é a nossa colaboração com o projeto de Jesus. Ele não pode e não quer fazer tudo sozinho. Ele quer que nós confiamos nele e façamos a nossa parte. Quantos de nós vivem tensos e inquietos por muitas razões! Jesus têm questionamentos e inquietações saudáveis, que se transformarão em virtude, porque somente vivendo o amor e a bondade encontraremos o repouso da alma e a tranquilidade do coração.
Por Dom Pedro José Conti
Fonte: Diocese de Macapá