Talvez lembramos o caso da mosca que caiu no copo de leite e que, de tanto se mexer, conseguiu engrossá-lo e, assim, sair daquela perigosa situação. Novamente, aquela mosca caiu num copo cheio de líquido. Tinha firme certeza de que, com o seu agitar-se, tudo seria resolvido. No entanto desta vez o líquido não engrossava. Outra mosca viu o desespero dela e se ofereceu para ajudar. Disse para a colega: “Tem um canudo ali.
Nada até ele e sobe! Mas a tal mosca estava tão convencida de que o leite ia se transformar em manteiga, que não aceitou o socorro. Debateu-se por muito tempo. Suas energias se esgotaram e ela acabou afundando. Não percebeu que a situação era diferente e que, desta vez, o líquido não era leite. Era suco.
Com o 9º Domingo do Tempo Comum voltamos à leitura do evangelho de Marcos. Teremos a possibilidade de acompanhar a sua catequese, lembrando que o objetivo de todos os evangelhos, também se por caminhos diferentes, é sempre o anúncio de “Jesus Cristo Filho de Deus” (Mc1,1). Se acolhemos a “boa notícia” dele, a nossa resposta deve ser a fé e o seguimento como discípulos-missionários.
Tudo isso exige escolhas. É nesse sentido que o evangelista Marcos nos apresenta algumas das “disputas” de Jesus com os seus adversários, que bem cedo começam a tramar “como haveriam de matá-lo” (Mc 3,6).
Como era de se esperar, o primeiro grande embate entre Jesus e os fariseus acontece sobre a questão do sábado. De um lado, temos pessoas religiosas que cobram a observância rigorosa de um preceito extremamente importante para os judeus e, do outro lado, gente com fome, que arranca espigas de trigo para comer, e um homem doente sentado num canto da sinagoga.
A lei do sábado obrigava o descanso para que o povo pudesse reunir-se, ouvir a Palavra, louvar e agradecer a Deus pelas dádivas recebidas. O respeito da lei do sábado fazia com que os judeus se distinguissem dos outros povos e, ao mesmo tempo, confirmava-os na própria identidade de povo eleito. Era uma lei que devia ser respeitada pelo alto valor social: o repouso – e religioso – a gratidão pela eleição.
No entanto, no tempo de Jesus, muitos detalhes para o cumprimento dessa lei a tinham tornado quase impraticável para muitos, sobretudo para os mais pobres e as pessoas com alguma deficiência. Jesus não discute o valor da lei em si, mas lembra aos fariseus que ela existia para confirmar a dignidade do ser humano e não para humilhá-lo quando, por causa da fome, alguém era obrigado a algum trabalho no dia de sábado. Quando Jesus pergunta se naquele dia era “permitido” fazer o bem ou fazer o mal, ele está, simplesmente, colocando acima da lei do sábado a solidariedade com os irmãos sofredores e marginalizados.
Ele fica “triste” pela insensibilidade dos fariseus e partidários de Herodes com o homem aleijado. Colocando-o no meio e curando-o fica claro que Jesus prefere desobedecer à lei do sábado e enfrentar as consequências, que fechar o seu coração em nome de uma lei que, a essa altura, seria desumana.
Como veremos, também, nos evangelhos dos próximos domingos, Jesus é uma pessoa livre que não pauta o seu agir conforme regras pré-estabelecidas sociais ou religiosas e nem para ganhar prestígio ou criar inúteis inimizades. Ele olha o ser humano na sua condição de fragilidade e, com isso, revela um Deus que ama a todos, a começar pelos mais fracos e necessitados.
Ele não louva os observantes rigorosos da lei. Ao contrário, quer ajudá-los a se libertarem daquelas amarras que os prendiam e que os faziam ser insensíveis aos sofrimentos alheios. Só alguém livre, pode libertar, porque consegue ver e propor caminhos novos. Ao contrário, quem se achava – e ainda hoje se acha – “perfeito” no seu entendimento e na obediência a um Deus, que mais fiscaliza do que ama, acaba fechado em seu próprio orgulhoso rigor.
Devemos duvidar de leis e normas que acomodam a nossa consciência, mas talvez nos impeçam de amar e de fazer o bem a quem está precisando. Jesus vem em nosso socorro, quer nos salvar da dureza do nosso coração. Ele sempre nos ensina a obedecer à lei do amor.
Por Dom Pedro José Conti
Fonte: Diocese de Macapá