Cultura

Artigo de Dom Pedro José Conti: As mãos que oram





Reflexão para o 6º Domingo da Páscoa | 05 de Maio de 2024 – Ano “B” 

Esta é a história de um quadro famoso de Albrech Duerer. No fim do século XV, dois amigos desejavam ardentemente tornarem-se pintores. Precisavam estudar, mas ambos eram muito pobres. Por isso, decidiram que um ficaria trabalhado até que o outro se formasse, depois de vender os primeiros quadros, trocariam. 

Albrech foi o primeiro a estudar e o outro trabalhou num restaurante. O tempo passou. Quando chegou a vez do amigo estudar para ser pintor, ele percebeu que, devido ao duro trabalho, as suas mãos já não tinham mais a agilidade necessária para segurar a palheta e os pincéis. Teve que desistir do seu sonho. 

Certo dia, porém, o já conhecido pintor Albrech Duerer viu o amigo ajoelhado de mãos postas rezando. Comovido, o artista decidiu: “Jamais poderei devolver a essas mãos a agilidade que perderam. Mas posso demonstrar ao mundo a gratidão que sinto pelo que meu amigo fez por mim: pintarei essas mãos como as vejo agora. Pode ser que ao vê-las o mundo aprecie o que elas fizeram. Talvez sirvam de inspiração a outros para realizarem atos de generosidade e desprendimento”.

No Sexto Domingo da Páscoa, continuamos com a leitura de um trecho do evangelho de João. Desta vez, o forte pedido de Jesus para “permanecer” unidos a ele é exemplificado através da alegria plena de quem entende o valor das suas palavras, do mandamento do amor e da amizade de quem está disposto a dar até a sua própria vida pelos amigos. O amor que Jesus pede é exigente. Ele nos deixa o mandamento de nos amarmos uns aos outros “como” ele nos amou (Jo 15,12). Um amor que reconhecemos total, fiel até o fim. 

Um amor que – sabemos – se antecipa também quando não é correspondido por nós. Isso nos parece tão acima das nossas forças, que somos tentados a desistir. O importante é que tenhamos Jesus à nossa frente, como modelo e não nos conformemos com a mediocridade e a acomodação. Renunciar de antemão a amar mais seria esvaziar e tornar inútil o amor de Jesus, seu exemplo, sua proposta de vida. Seria viver uma vida fechada em nós mesmos, talvez somente cobrando o amor dos outros sem nenhuma disponibilidade de nós mesmos tomarmos a iniciativa de amar. 

Por isso, Jesus diz que o amor maior é aquele de quem está disposto a dar a sua própria vida pelos amigos. Com efeito, o amor verdadeiro não tem como finalidade a própria satisfação, o próprio orgulho, o reconhecimento e os aplausos. Esse amor deve ser um dom para os amigos – e até para os inimigos – como lemos no evangelho de Mateus (5,43-48) para que eles possam ter uma vida melhor, mais digna, ou simplesmente, mais humana e fraterna. Jesus sempre doou vida, quando curava os doentes, acolhia os excluídos e oferecia o perdão aos pecadores para que pudessem recomeçar uma nova existência, tendo experimentado o seu amor compassivo e misericordioso. 

Cabe a nós não deixarmos passar as oportunidades que temos de doar algo praticando a solidariedade e a partilha. No entanto, não têm bens materiais ou dinheiro que possam substituir o maior dom possível que é, justamente, a capacidade de sermos nós, ao mesmo tempo, o dom e os doadores.

Jesus, que outras vezes chamou os discípulos para o serviço a ele, dessa vez os chama de “amigos” e não de servos, porque não é mais questão de obedecer às ordens de alguém superior, mas de colaborar livremente e por amor ao projeto de salvação do Pai que ele veio manifestar. 

Por fim, Jesus diz que não foram os discípulos a escolhê-lo, mas foi ele a chamá-los ao seguimento para serem enviados e produzir muitos frutos de paz e justiça. Sendo assim, deveríamos agradecer muito por fazer parte da obra do Reino, deixar de pensar no que ganhamos ou perdemos fazendo o bem e fazê-lo porque é isso que dá sentido à nossa vida. 

Se o amigo do pintor Albrech Duerer tivesse pensado antes e avaliado os riscos que corria, provavelmente não teria trabalhado tanto pelo amigo, mas então não seria mais uma amizade fiel à palavra dada. Talvez a força dessa generosidade lhe veio da oração e mereceu que as suas mãos orantes fossem imortalizadas numa obra que desafia os tempos. Rezemos pelos amigos e para sermos mais amigos ainda.

Por Dom Pedro José Conti

 

Fonte: Diocese de Macapá