A fé em Jesus, o vínculo com Ele, não aprisiona nossa liberdade, mas, ao contrário, nos abre para receber a seiva do amor de Deus, que multiplica nossa alegria, cuida de nós com o cuidado de um bom vinhateiro e faz nascer brotos mesmo quando o solo de nossa vida se torna árido. Foi o que disse o Santo Padre na celebração da Eucaristia – centro e ápice da vida cristã –, ponto alto de sua visita pastoral a Veneza, este domingo, 28 de abril, numa Praça São Marcos repleta de fiéis e peregrinos, cerca de 10.500, de Veneza e das dioceses do Vêneto, norte da Itália.
Somente aquele que permanece unido a Jesus dá frutos. Em sua homilia, Francisco deteve-se sobre o Evangelho deste V Domingo do Tempo Pascal, que nos traz a parábola da videira.
Jesus é a videira, nós somos os ramos. E Deus, o Pai misericordioso e bom, como um agricultor paciente, trabalha conosco com cuidado para que nossa vida seja repleta de frutos. É por isso que Jesus recomenda que conservemos a dádiva inestimável que é o vínculo com Ele, do qual dependem nossa vida e fecundidade.
Assim, a metáfora da videira, ao mesmo tempo em que expressa o cuidado amoroso de Deus por nós, por outro lado nos adverte, pois se rompermos esse vínculo com o Senhor, não poderemos gerar frutos de boa vida e nós mesmos corremos o risco de nos tornarmos ramos secos, que serão jogados fora.
Tendo como pano de fundo a imagem usada por Jesus, continuou o Pontífice, penso também na longa história que liga Veneza ao trabalho das videiras e à produção de vinho, no cuidado de tantos viticultores e nos numerosos vinhedos que surgiram nas ilhas da Lagoa e nos jardins entre as calas da cidade, e naqueles que engajaram os monges na produção de vinho para suas comunidades.
Mas a metáfora que saiu do coração de Jesus também pode ser lida ao pensarmos nessa cidade construída sobre a água e reconhecida por essa singularidade como um dos lugares mais evocativos do mundo. Veneza é uma só com as águas sobre as quais está situada e, sem o cuidado e a proteção desse ambiente natural, poderia até deixar de existir. Assim também é nossa vida: nós também, imersos para sempre nas fontes do amor de Deus, fomos regenerados no Batismo, renascemos para uma nova vida pela água e pelo Espírito Santo e fomos inseridos em Cristo como ramos na videira. Em nós flui a seiva desse amor, sem o qual nos tornamos ramos secos que não dão frutos.
Francisco deteve-se sobre uma das palavras-chave dadas por Jesus aos seus apóstolos antes de concluir sua missão terrena: trata-se da palavra “permanecei”, exortando os apóstolos a manter vivo o vínculo com Ele, a permanecer unidos a Ele como os ramos à videira.
Irmãos e irmãs, isso é o que conta: permanecer no Senhor, habitar n’Ele. E esse verbo - permanecer - não deve ser interpretado como algo estático, como se quisesse nos dizer para ficarmos parados, estacionados na passividade; na realidade, ele nos convida a nos colocarmos em movimento, porque permanecer no Senhor significa crescer no relacionamento com Ele, dialogar com Ele, acolher sua Palavra, segui-lo no caminho para o Reino de Deus. Portanto, trata-se colocar-nos a caminho atrás d’Ele, de nos deixarmos provocar por seu Evangelho e de nos tornarmos testemunhas de seu amor.
E nós, cristãos, disse Francisco, que somos ramos unidos à videira, a videira do Deus que cuida da humanidade e criou o mundo como um jardim para que possamos florescer nele e fazê-lo florescer, como respondemos?
Permanecendo unidos a Cristo, seremos capazes de produzir os frutos do Evangelho na realidade em que vivemos: frutos de justiça e paz, frutos de solidariedade e cuidado mútuo; escolhas de cuidado com o meio ambiente, mas também com o patrimônio humano: precisamos que nossas comunidades cristãs, nossos bairros, nossas cidades se tornem lugares hospitaleiros, acolhedores e inclusivos. E Veneza, que sempre foi um lugar de encontro e de intercâmbio cultural, é chamada a ser um sinal de beleza acessível a todos, a começar pelos últimos, um sinal de fraternidade e de cuidado com a nossa casa comum. Veneza, terra que faz irmãos. Obrigado!
Concluída a celebração eucarística - último compromisso da visita pastoral do Papa a Veneza -, Francisco visitou de forma privada a Basílica de São Marcos para venerar as relíquias do Santo Evangelista, detendo-se por um breve momento em oração.
- Papa a jovens de Veneza: ide contracorrente, arriscai e tomai a vida em vossas mãos
Na manhã deste domingo, o terceiro compromisso Santo Padre em terras venezianas foi um aguardado e festivo encontro com os jovens de Veneza e das dioceses do Vêneto, diante da Basílica de Nossa Senhora da Saúde.
Em seu discurso, o Papa partilhou com os presentes duas maravilhas que se destacam no homem: o olhar e o sorriso. Trata-se de grandes dons por sermos filhos amados de Deus, chamados a realizar o sonho do Senhor: testemunhar e viver a sua alegria. Esta linda experiência não pode não ser compartilhada com os outros: devemos redescobrir no Senhor a beleza que somos e nos alegrarmos, em nome de Jesus, com um Deus jovem, que ama e sempre surpreende os jovens.
A partir de Veneza, cidade da beleza, Francisco sugeriu dois verbos práticos para juntos acolher a beleza humana e alimentar a sua alegria. Ambos os verbos, que têm origem materna e de movimento, animaram o coração jovem de Maria, Mãe de Deus e nossa: Ela, para difundir a alegria do Senhor e ajudar quem precisava, “levantou-se e foi” visitar sua prima Isabel. Logo, levantar-se e ir. Sobre este primeiro verbo, o Papa disse:
“Antes de tudo, levantar-se: levantar-se do chão, porque somos feitos para o Céu; levantar-se das tristezas, para elevar o olhar para o alto; levantar-se para estar em pé diante da vida, não sentados no sofá; levantar-se para dizer “eis-me aqui!” ao Senhor, que acredita em nós; levantar-se para acolher o dom que somos: preciosos e insubstituíveis”.
Este é o primeiro passo que devemos dar de manhã ao acordarmos: levantar da cama e agradecer a Deus pelo dom da vida, que é o próprio Deus. Depois, rezar o “Pai Nosso”, onde a primeira palavra é a chave da alegria: “Pai”, que reconhecemos como filho e filha amados. Logo, somos filhos, que têm um Pai no céu. Por isso, somos filhos do céu.
Apesar da nossa luta contra uma força de gravidade negativa, que nos abate, levantem-se de manhã e deixem que o Senhor os tome pela mão. Ele nunca decepciona quem nele confia, mas está sempre ao nosso lado e nos sorri, pronto para nos dar a mão. De fato, Francisco acrescentou:
“Se abrirmos o Evangelho, vemos que Jesus agiu assim com Pedro, Maria Madalena, Zaqueu e tantos outros, causando maravilhas neles, porque ele sabe que somos fracos. Por isso, devemos nos levantar e permanecer em pé: eis o segredo de tantos campeões de esportes, artistas e cientistas: alcançar suas metas com constância, mas o que mais conta na vida é a fé e o amor”.
Por isso, disse o Papa, é preciso perseverar juntos com os outros, mesmo quando os que nos circundam, estejam apegados aos celulares, redes sociais e videogames. Daí, você deve ir contracorrente, sem temer, arriscar e tomar a vida em suas mãos: desligue a TV e abra o Evangelho para ir ao encontro dos outros! Claro, afirmou Francisco, não é fácil, mas é preciso ir contracorrente, seguindo o exemplo de Veneza que diz: “só remando, com perseverança, se vai longe”.
Aqui, após ter explicado o sentido de “levantar-se”, o Santo Padre falou sobre o segundo verbo: “ir”: “levantar-se” significa aceitar-se como dom e “ir” significa tornar-se dom. Assim, nossa vida é um dom e somos chamados a viver como um dom. Quem se doa aos outros sai ganhando. Quantas vezes somos vítimas de tristezas inconsistentes, que esgotam as nossas melhores energias! Não nos deixemos paralisar pela melancolia, mas tentemos ir ao encontro dos outros! E Francisco acrescentou:
“Vivemos imersos em produtos feitos pelo homem, que nos fazem perder o estupor diante da beleza que nos circunda. A criação nos convida a sermos criadores de beleza. Por isso, devemos deixar o mundo hipnótico das redes sociais, que anestesiam a alma. Jovens, não sejam profissionais da digitação compulsiva, mas criadores de coisas novas”!
Enfim, o Santo Padre exortou os jovens venezianos e vênetos a imitar o estilo de Deus, que é estilo da gratuidade, que nos distancia da lógica niilista de “fazer para ter” ou de “trabalhar só para ganhar”. Sejam criativos. Criem uma sinfonia de gratuidade em um mundo que só busca o lucro! Assim vocês serão revolucionários e se dedicarão aos outros sem medo!
“Jovem, levante-se e tome conta da sua vida! Abra seu coração a Deus e o agradeça pela beleza que você representa! Apaixone-se pela vida e vá ao encontro dos outros. Busque, com criatividade, colorir o mundo e as estradas da vida com o Evangelho. Levante-se e vai!
- Apelo e oração do Papa por Haiti, Ucrânia, Palestina, Israel e os Rohingyas
Ao término da Santa Missa celebrada na manhã deste domingo, 28 de abril, em Veneza, norte da Itália, nos agradecimentos antes da oração mariana do Regina Caeli, o Santo Padre voltou a invocar a intercessão de Nossa Senhora, pedindo pelo Haiti, cujo país caribenho passa por um momento de transição política, e pelas populações que sofrem por causa de guerras e violências, nomeadamente, pediu pela Ucrânia, Palestina e Israel, e pelo povo Rohingya.
Penso no Haiti, onde está em vigor um estado de emergência e a população está desesperada por causa do colapso do sistema de saúde, da escassez de alimentos e da violência que leva as pessoas a fugir. Confiemos ao Senhor os trabalhos e as decisões do novo Conselho Presidencial de Transição, que tomou posse na quinta-feira passada em Porto Príncipe, para que, com o apoio renovado da comunidade internacional, possa levar o país a alcançar a paz e a estabilidade de que tanto necessita. Penso na atormentada Ucrânia, na Palestina e em Israel, nos Rohingyas e em tantos povos que sofrem com a guerra e a violência. Que o Deus da paz ilumine os corações para que a vontade de diálogo e reconciliação possa crescer em todos.
- O Papa aos artistas: “Mulheres coprotagonistas da aventura humana"
Depois do encontro com o cardeal José Tolentino de Mendonça, prefeito do Dicastério para a Cultura e a Educação e responsável pelo Pavilhão da Santa Sé na Bienal de Arte de Veneza, o Papa dirigiu-se à Capela da Prisão, na Igreja da Madalena, para encontrar os Artistas. Francisco iniciou seu discurso afirmando que gostaria de enviar a todos a seguinte mensagem: “O mundo precisa de artistas”, confirmando que ao lado deles, não se sentia um estranho, sentia-se “em casa” e explicou que na verdade se aplica a todo ser humano.
“A arte tem o status de uma "cidade refúgio" uma cidade que desobedece ao regime de violência e discriminação para criar formas de pertencimento humano capazes de reconhecer, incluir, proteger, abraçar a todos. Todos, a começar pelos últimos”
Enfatizando em seguida que “seria importante que as várias práticas artísticas pudessem se estabelecer em todos os lugares como uma espécie de rede de cidades refúgio, colaborando para libertar o mundo de antinomias insensatas e já vazias”, disse o Papa, “que tentam se apoderar no racismo, na xenofobia, na desigualdade, no desequilíbrio ecológico e na aporofobia, esse terrível neologismo que significa ‘fobia dos pobres’. Por trás dessas antinomias, há sempre a rejeição do outro.
E fez um importante apelo aos artistas pedindo “imaginem cidades que ainda não existem no mapa: cidades onde nenhum ser humano é considerado um estranho. É por isso que quando dizemos ‘estranhos em todos os lugares’, estamos propondo ‘irmãos em todos os lugares’".
Ao se referir ao título do Pavilhão da Santa Sé que tem como título ‘Com os Meus Olhos’ disse:
“Todos nós precisamos ser olhados e ousar olhar para nós mesmos. Nesse aspecto, Jesus é o Mestre perene: Ele olha para todos com a intensidade de um amor que não julga, mas sabe estar próximo e encorajar. Eu diria que a arte nos educa para esse tipo de olhar, não possessivo, não objetivante, mas também não indiferente, superficial; nos educa para um olhar contemplativo”
Depois de afirmar que “ninguém tem o monopólio da dor humana”, recordou que “há uma alegria e um sofrimento que se unem no feminino de uma forma única e que devemos ouvir, porque elas têm algo importante a nos ensinar”, citando artistas como Frida Khalo, Corita Kent ou Louise Bourgeois. Concluindo:
“Espero de todo o coração que a arte contemporânea possa abrir nossos olhos, ajudando-nos a valorizar adequadamente a contribuição das mulheres como coprotagonistas da aventura humana”
Por fim concluiu recordando "a pergunta que Jesus fez às multidões a respeito de João Batista: "Que fostes ver no deserto? Um caniço agitado pelo vento? Mas, que fostes ver? (Mt 11, 7-8). Guardemos essa pergunta em nosso coração", concluiu o Papa, "ela nos impulsiona para o futuro”.
- Papa em prisão feminina de Veneza: não "isolar a dignidade", mas dar novas possibilidades
A ilha de Giudecca, ao sul de Veneza, recebeu o Papa neste domingo (28), como a primeira etapa do dia da visita pastoral do Pontífice à cidade italiana. "Quis encontrá-las no início da minha visita a Veneza para lhes dizer que ocupam um lugar especial no meu coração", logo antecipou Francisco às 80 mulheres da Casa Feminina de Detenção, um espaço de reabilitação com capacidade para 111 pessoas. Além de local de reabilitação, até 24 de novembro vira sede do Pavilhão da Santa Sé na Bienal de Artes de Veneza.
No discurso, o Pontífice pediu para que todos vivessem este encontro não como uma “visita oficial” do Papa, mas um momento importante de dedicação de "tempo, oração, proximidade e afeto fraterno":
“É o Senhor que nos quer juntos neste momento, tendo chegado por caminhos diferentes, alguns muito dolorosos, também por causa de erros pelos quais, de várias maneiras, cada pessoa carrega feridas e cicatrizes. E Deus nos quer juntos porque sabe que cada um de nós, aqui, hoje, tem alguma coisa única para dar e receber, e de que todos nós precisamos.”
A penitenciária feminina de Giudecca tem capacidade para 111 detentas, mas atualmente acolhe 80 e é tem sido um espaço de reabilitação, já que algumas começaram a costurar e trabalhar na lavanderia, por exemplo. Mas "a prisão é uma realidade dura, e problemas como a superlotação, a carência de instalações e de recursos, os episódios de violência, geram muito sofrimento", comentou o Papa em discurso, mas que também pode se tornar num "lugar de renascimento, moral e material, onde a dignidade de mulheres e homens não é 'colocada em isolamento', mas promovida através do respeito mútuo e do desenvolvimento de talentos e habilidades, talvez que ficaram adormecidos ou aprisionados pelas vicissitudes da vida, mas que podem ressurgir para o bem de todos e que merecem atenção e confiança".
Por essa razão, garantiu Francisco, "paradoxalmente, a permanência em uma prisão pode marcar o início de algo novo, através da redescoberta de belezas inesperadas em nós e nos outros". Como é o caso da prisão de Giudecca que foi escolhida para receber uma exposição de artes da Bienal de Veneza e através da qual as próprias detentas contribuem ativamente, lembrou ainda o Papa. No Pavilhão da Santa Sé, as obras de 9 artistas são dedicadas aos direitos humanos e aos mundos marginalizados, às periferias onde vivem os últimos.
"Todos nós temos erros a serem perdoados e feridas a serem curadas", reforçou o Pontífice, exortando a renovar, a partir de hoje, "eu e vocês, juntos, a nossa confiança no futuro". Uma mensagem de humanidade que se estende além da ilha de Giudecca, em Veneza, para se redescobrir os valores intrínsecos colhidos a partir da experiência diária vivida dentro um cárcere:
“É fundamental que inclusive o sistema penitenciário ofereça aos detentos e às detentas ferramentas e espaços para o crescimento humano, espiritual, cultural e profissional, criando as condições para a sua reintegração saudável. Não 'isolar a dignidade', mas dar novas possibilidades!”
Fonte: Vatican News