Cultura

Artigo de Dom Pedro José Conti: Uma viagem no escuro





Reflexão para o 3º Domingo da Páscoa | 14 de Abril de 2024 – Ano “B” 

Um pequeno avião avançava em meio à noite. De repente, caíram os sistemas de comunicação, a orientação da rota e o painel de controle apagou-se. O avião voava às cegas. Os pilotos tentaram inutilmente concertar o defeito. Já estavam em pânico e pediram à aeromoça para descobrir se entre os passageiros tinha algum técnico em eletrônica. Não tinha. Mas uma passageira levantou e foi até a cabine de comando perguntando repetidamente: 

– Diga-me qual é o problema, talvez eu possa ajudar. Logo, perguntaram para ela se entendia de aparelhos eletrônicos. Se não soubesse mexer, devia voltar para o seu assento e não atrapalhar. Mas a mulher insistia e disse que sabia de algo que nunca tinha falhado no passado e que, talvez, também ajudasse naquele momento. A mulher era astrônoma. Pediu o mapa da viagem, a partida e o destino. Olhou bem para as estrelas que apareciam luminosas no céu na frente deles. Ao lado do piloto, ela conseguiu orientar o voo. Algum tempo depois, o esplendor da aurora anunciou que eles estavam salvos.

O evangelho do Terceiro Domingo da Páscoa é a continuação da página bem conhecida dos discípulos de Emaús. Os dois peregrinos, antes desanimados, após o encontro com Jesus e reconhecendo que lhes ardia o coração, quando ele falava, voltaram para Jerusalém. Contaram o que havia acontecido e como tinham reconhecido Jesus “ao partir o pão”. O evangelista Lucas apresenta, assim, mais uma “aparição pós-pascal” do Ressuscitado. Desta vez, a comunidade está reunida e Jesus age e fala para confirmar a fé dos discípulos e explica qual será a missão deles. Lembramos que o evangelho de Lucas foi escrito para os cristãos da segunda geração, ou seja, aqueles que não tinham conhecido Jesus e, provavelmente, nem os apóstolos. Portanto o que é apresentado vale igualmente para nós, porque quer responder àquelas perguntas que sempre aparecem quando queremos entender melhor a novidade da Páscoa de Jesus e aprender a acolhê-la na fé. Com efeito, não temos palavras capazes de explicar algo que não faz parte da nossa experiência comum que passa, necessariamente, pelos nossos sentidos. O Ressuscitado é um fantasma? Alguém irreal? Pura imaginação? A essa questão, o evangelista responde com o pedido de Jesus para comer junto com eles. O Ressuscitado é outra pessoa diferente daquele Jesus que morreu na cruz? Os sinais da paixão confirmam que é o mesmo Crucificado que agora está vivo, mas não com a mesma vida mortal anterior. É uma vida diferente, porque a morte está vencida pela ressurreição. Como o Ressuscitado ajuda os discípulos a acreditar? Explicando as Escrituras, ou seja, lembrando as obras de Deus do passado, as promessas antigas, mas, sobretudo, afirmando que aqueles acontecimentos confirmavam definitivamente o amor de Deus com a humanidade. Esse anúncio de conversão e perdão dos pecados deverá ser proclamado a “todas as nações”, a começar por Jerusalém. Os discípulos terão que convencer os outros com uma vida “nova”. 

Essas palavras de envio para serem testemunhas “de tudo isso”, ou seja, do “evento” Jesus com sua vida, paixão, morte e ressurreição continuam atuais para nós hoje. Não temos condições de explicar a ressurreição a não ser praticando “a conversão e o perdão dos pecados”. Conversão significa vida nova, atitudes novas, capacidade de colocar o bem onde o mal toma conta, a fraternidade onde as divisões causam ódio e morte. O perdão dos pecados é o abraço alegre e misericordioso de Jesus que quer dizer  a todos: “Vá em paz e não peque mais!”. Ser testemunhas com a nossa vida de tudo isso não é um voo no escuro, sem rumo e direção. Não é acreditar num Ser superior qualquer, sem rosto e identidade. Ao contrário, é ter “os olhos fixos em Jesus”, luz que vence as trevas. Mais que confiar nas nossas “técnicas” cheias de raciocínios e palavreados, é acreditar nele e seguir o seu exemplo. É nos deixar guiar pela novidade da sua Páscoa no dia a dia, semear esperança para salvar do desespero, ser pequenas auroras de amor para salvar da escuridão da indiferença. É ser “astrônomos” de bondade.

Por Dom Pedro José Conti

 

 

Fonte: Diocese de Macapá