Política

Bolsonaro veta perdão a dívidas de igrejas, atende a Guedes, mas estimula derrubada de veto





residente sanciona regra que anula algumas autuações da Receita e diz que enviará PEC para estabelecer alcance "adequado" para imunidade

presidente Jair Bolsonaro (sem partido) atendeu à recomendação do ministro Paulo Guedes ​e vetou parte do dispositivo que concedia anistia em tributos a serem pagos por igrejas no país, medida que poderia ter impacto de R$ 1 bilhão.

Para não desagradar o segmento religioso, um dos pilares de sustentação de seu governo, o presidente defendeu a derrubada do veto pelo Congresso e anunciou que enviará uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) para atender à demanda do grupo.

Também sancionou dispositivo que anula autuações da Receita anteriores a uma lei de 2015 que determinou que os valores pagos, em dinheiro ou como ajuda de custo, a ministros ou membros de ordem religiosa não configuram remuneração direta ou indireta. O artigo sancionado por Bolsonaro anula autuações anteriores a junho de 2015, data de publicação da regra.

"Confesso. Caso fosse deputado ou senador, por ocasião da análise do veto que deve ocorrer até outubro, votaria pela derrubada do mesmo", escreveu o presidente nas redes sociais. "No mais, via PEC a ser apresentada nessa semana, manifestaremos uma possível solução para estabelecer o alcance adequado para a imunidade das igrejas nas questões tributárias.", acrescentou.

O veto, que pode ser derrubado pelo Congresso, foi assinado na sexta-feira (11), data-limite para sanção da proposta, e será publicado no "Diário Oficial da União" desta segunda-feira (14).

Nos últimos dias, a bancada evangélica na Câmara vinha pressionando para evitar o veto.

No anúncio da decisão de Bolsonaro, o Palácio do Planalto fez questão de ressaltar que o presidente "irá propor instrumentos normativos a fim de atender a justa demanda das entidades religiosas".

"O presidente Jair Bolsonaro se mostra favorável à não tributação de templos de qualquer religião. Porém, a proposta do projeto de lei apresentava obstáculo jurídico incontornável, podendo a eventual sanção implicarem crime de responsabilidade do presidente", observou.

Na última quarta-feira (9), em reunião com a bancada evangélica, Bolsonaro já tinha informado aos deputados presentes que o perdão da dívida poderia ser questionado pelo TCU (Tribunal de Contas da União) e sustentar um pedido de impeachment contra ele.

A emenda ao projeto de litígios com a União foi apresentada pelo deputado federal David Soares (DEM-SP) e aprovada pela Câmara em julho e, depois, pelo Senado em agosto.

Ele é filho de R.R. Soares, pastor fundador da Igreja Internacional da Graça de Deus, uma das principais devedoras.

O texto altera a lei de 1988 que instituiu a CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido). O dispositivo vetado retirava templos da lista de pessoas jurídicas sobre as quais incidia a contribuição. Além disso, anulava as autuações que descumprissem a premissa.

A justificativa é que a Constituição dá proteção tributária às igrejas, mas o argumento é contestado. Na visão de membros do Fisco, as igrejas muitas vezes pagam salários a um grande número de pessoas, de empregados a pastores, e classificam os repasses com outros nomes.

Como muitas vezes as igrejas têm um grande número de empregados, a União deixa de recolher um volume significativo de recursos em Imposto de Renda e contribuições previdenciárias.

Bolsonaro já vinha sinalizando que vetaria a anistia às igrejas, como mostrou a Folha na quarta-feira (9). Além da equipe econômica, o setor jurídico do Palácio do Planalto também defendeu que a medida não entrasse em vigor.

Em um primeiro momento, a proposta havia sido rejeitada na Câmara. O deputado Fábio Trad (PSD-MS), relator, afirmou que estava se tentando estabelecer algo que a Constituição não diz. A imunidade constitucional é restrita a impostos, não alcançando as contribuições sociais.

Já sobre o segundo ponto, acerca dos valores recebidos por pastores, Trad considerou a norma desnecessária. Mesmo assim, os trechos foram inseridos no projeto de lei, que foi aprovado na Câmara e seguiu ao Senado.

A indicação do presidente de que vetaria o perdão às igrejas desagradou integrantes da bancada evangélica, que discutiram o assunto com o chefe do Poder Executivo na quarta-feira (9).

Da equipe econômica, parlamentares evangélicos ouviram que, se o presidente não vetasse o perdão das dívidas, estaria incorrendo em crime de responsabilidade fiscal, o que poderia dar origem a um processo de impeachment.

O grupo ouviu a justificativa com desconfiança e tentou reverter a decisão até o momento em que Bolsonaro assinou o veto, na sexta (11).

Ao longo da última semana, deputados fizeram ameaças veladas. Um deles ponderou que o valor da anistia era muito pequeno se comparado ao apoio que Bolsonaro tem da bancada da Bíblia.

Outro parlamentar do segmento disse que o provável veto é um "péssimo sinal" e tratou a questão como traição a um de seus principais grupos de sustentação tanto na campanha como no governo.

A Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional é composta por 195 dos 513 deputados e por 8 dos 81 senadores.

A oposição de Guedes não foi o único fator que pesou na decisão de Bolsonaro. Nos últimos dias, eleitores do presidente, sobretudo de perfil liberal, publicaram críticas à medida nas redes sociais e disseram que a sanção poderia mudar o voto deles nas próximas eleições.

No sábado (12), o pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, culpou a imprensa pela resistência de parcela da sociedade à sanção da medida. Segundo ele, os veículos de imprensa fazem um jogo sujo para denegrir líderes evangélicos.

No mesmo dia, Bolsonaro teve um encontro com Guedes e, segundo auxiliares presidenciais, foi discutido o envio do projeto de lei para atender ao pedido dos líderes evangélicos.

Os dois também abordaram novas medidas fiscais para compensar o segmento religioso pelo veto à anistia das dívidas. ​

Um interlocutor de Guedes disse à Folha que o ministro passou o recado ao presidente de que poderia deixar o governo caso a anistia às dívidas fosse sancionada.

Na avaliação do governo, apesar da revolta dos religiosos, dificilmente o segmento romperá com Bolsonaro. O diagnóstico é de que eles não encontrarão um candidato a presidente tão afinado à pauta de costumes defendida pelo grupo como o atual chefe do Poder Executivo.​

Conforme já mostrou a Folha, somente na Receita Federal o total de débitos pendentes de entidades religiosas é de aproximadamente R$ 1 bilhão, de acordo com informação colhida pelos auditores a pedido do Congresso em meados do ano passado.

Na PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional), havia na mesma época outros R$ 462 milhões em dívidas registradas.

Fonte: Folha de São Paulo - UOL