O Papa Francisco recebeu em audiência, nesta sexta-feira (1°/03), no Vaticano, os participantes do encontro internacional "Homem-Mulher, imagem de Deus. Por uma antropologia das vocações", promovido pelo Centro de Pesquisa e Antropologia das Vocações (CRAV) e coordenado pelo prefeito emérito do Dicastério para os Bispos, cardeal Marc Ouellet. O encontro se realiza, no Vaticano, neste 1° de março e no sábado, dia 2, e reúne vários estudiosos, filósofos, teólogos e pedagogos para refletir sobre a antropologia cristã, o pluralismo, o diálogo entre culturas, e o futuro do cristianismo.
Antes de seu discurso, lido pelo seu colaborador o mons. Filippo Ciampanelli, porque o Papa ainda está resfriado e se cansa quando lê, Francisco proferiu algumas breves palavras.
Gostaria de sublinhar uma coisa: é muito importante que haja este encontro, este encontro entre homens e mulheres, porque hoje o perigo mais feio é a ideologia de gênero, que anula as diferenças. Pedi para fazer estudos sobre essa ideologia ruim do nosso tempo, que apaga as diferenças e torna tudo igual; cancelar a diferença é cancelar a humanidade. Homem e mulher, porém, vivem uma "tensão" fecunda.
A seguir, o Papa disse que leu um romance do início do século XX, escrito pelo filho do arcebispo de Cantuária intitulado: "O Senhor do Mundo". Segundo Francisco, "o romance fala do futurismo e é profético, pois mostra essa tendência de cancelar todas as diferenças". "É interessante lê-lo, porque há esses problemas de hoje. Aquele homem era um profeta", sublinhou.
A seguir, o mons. Ciampanelli leu o discurso do Papa, que destaca que "o objetivo desta conferência é, primeiramente, considerar e valorizar a dimensão antropológica de cada vocação. Isto remete-nos para uma verdade elementar e fundamental, que hoje precisamos redescobrir em toda a sua beleza: a vida do ser humano é uma vocação. Não nos esqueçamos: a dimensão antropológica, subjacente a cada chamado no âmbito da comunidade, tem a ver com uma característica essencial do ser humano como tal: isto é, que o próprio homem é vocação".
Em seu discurso, o Pontífice ressalta que "cada um de nós, tanto nas grandes escolhas que dizem respeito a um estado de vida quanto nas muitas ocasiões e situações em que elas se encarnam e tomam forma, descobre e se expressa como chamado, como uma pessoa que se realiza na escuta e na resposta, compartilhando seu ser e seus dons com os outros para o bem comum".
Segundo o Papa, "esta descoberta nos tira do isolamento de um eu autorreferencial e nos faz olhar para nós mesmos como uma identidade em relação: eu existo e vivo em relação a quem me gerou, à realidade que me transcende, aos outros e ao mundo que me circunda, em relação ao qual sou chamado a abraçar com alegria e responsabilidade uma missão específica e pessoal".
De acordo com Francisco, "essa verdade antropológica é fundamental porque responde plenamente ao desejo de realização humana e de felicidade que habita em nosso coração".
No contexto cultural atual, às vezes há uma tendência a esquecer ou obscurecer essa realidade, com o risco de reduzir o ser humano apenas às suas necessidades materiais ou exigências primárias, como se fosse um objeto sem consciência ou vontade, simplesmente arrastado pela vida como parte de uma engrenagem mecânica.
Neste sentido, o Papa recomenda não sufocar a "saudável tensão interior" que cada um carrega dentro de si, ou seja, o chamado "à felicidade, à plenitude da vida, a algo grande a que Deus nos destinou".
A vida de cada um de nós, sem exceção, não é um acidente de percurso; a nossa existência no mundo não é mero fruto do acaso, mas fazemos parte de um plano de amor e somos convidados a sair de nós mesmos e realizá-lo, para nós e para os outros.
Segundo o Papa, "cada um de nós tem uma missão, ou seja, é chamado a dar a sua contribuição para melhorar o mundo e moldar a sociedade". Francisco encoraja as pesquisas, os estudos e as oportunidades de debates sobre as vocações, os diferentes estados de vida e a multiplicidade de carismas: "São também úteis para nos questionar sobre os desafios de hoje, sobre a crise antropológica em andamento e sobre a necessária promoção das vocações humanas e cristãs." É importante também que se desenvolva "uma circularidade cada vez mais eficaz entre as diferentes vocações", para que as obras que surgem do estado de vida laical a serviço da sociedade e da Igreja, junto com o dom do ministério ordenado e da vida consagrada, possam contribuir para gerar esperança num mundo sobre o qual pairam pesadas experiências de morte".
Por fim, o Papa desejou a todos um bom trabalho e disse-lhes "para não terem medo nestes momentos tão ricos na vida da Igreja".
O Espírito Santo nos pede algo importante: fidelidade. Mas a fidelidade está a caminho e muitas vezes a fidelidade nos leva a arriscar. A “fidelidade de museu” não é fidelidade. Sigam em frente com a coragem de discernir e se arriscar, buscando a vontade de Deus. Coragem e sigam em frente, sem perder o senso de humor!
- Papa: os pobres são protagonistas com Jesus do anúncio do Reino de Deus
As pessoas vulneráveis, encontradas e acolhidas com a graça e o estilo de Cristo, podem ser uma presença do Evangelho na comunidade de fiéis e na sociedade. Foi o que disse o Papa ao receber em audiência na manhã desta sexta-feira, 1º de março, na Sala Clementina, no Vaticano, aos participantes do Convênio “Vulnerabilidade e comunidade entre acolhimento e inclusão”, um expressivo grupo de 150 pessoas, por ocasião da segunda “Cátedra da acolhida”, realizada estes dias na Fraterna Domus de Sacrofano, nas proximidades de Roma.
Dado que o Santo Padre ainda se encontra resfriado, pediu a um de seus colaboradores que lesse seu discurso aos presentes.
Francisco disse apreciar a iniciativa “Cátedra da acolhida”, em sua segunda edição, que colocou no centro o tema da vulnerabilidade. Acolhida e vulnerabilidade, considerada em suas várias formas. Em seguida, ofereceu algumas reflexões.
Em primeiro lugar: para acolher irmãos e irmãs vulneráveis, devo me sentir vulnerável e acolhido como tal por Cristo. Ele sempre nos precede: Ele se fez vulnerável, até o ponto da Paixão; acolheu nossa fragilidade para que, graças a Ele, possamos fazer o mesmo. São Paulo escreve: "Acolhei-vos uns aos outros como Cristo vos acolheu" (cf. Rm 15,7). Se permanecermos n’Ele, como ramos na videira, daremos bons frutos, também vasto campo da acolhida.
No segundo ponto de sua reflexão, o Santo Padre ressaltou que Jesus passou a maior parte de seu ministério público, especialmente na Galileia, em contato com os pobres e os doentes de todos os tipos. Isso nos diz que, para nós, a vulnerabilidade não pode ser uma questão "politicamente correta" ou uma mera organização de práticas, por melhores que sejam. "Digo isso porque, infelizmente, o risco existe, está sempre à espreita, apesar de toda boa vontade”, observou Francisco. Especialmente em realidades maiores e mais estruturadas, mas também em realidades menores, a vulnerabilidade pode se tornar uma categoria, as pessoas indivíduos sem rosto, o serviço uma "prestação", e assim por diante.
Portanto, devemos permanecer firmemente ancorados no Evangelho, em Jesus, que não ensinou seus discípulos a planejar uma assistência aos doentes e aos pobres. Jesus quis formar os discípulos em um estilo de vida, estando em contato com os vulneráveis, em seu meio. Os discípulos viram como Ele se encontrava com as pessoas, viram como Ele acolhia: sua proximidade, sua compaixão, sua ternura. E depois da Ressurreição, o Espírito Santo imprimiu esse modo de vida neles.
Então, novamente o Espírito formou homens e mulheres que se tornaram santos por amarem pessoas vulneráveis como Jesus. Alguns foram canonizados e são modelos para todos nós; mas quantos homens e mulheres se tornaram santos por acolherem os pequenos, os pobres, os frágeis, os marginalizados! E é importante, em nossas comunidades, compartilhar as histórias dessas testemunhas ocultas do Evangelho com simplicidade e gratidão.
Antes de concluir seu discurso, o Pontífice ofereceu um último ponto de sua reflexão.
No Evangelho, os pobres, os vulneráveis, não são objetos, são sujeitos, são protagonistas junto com Jesus na proclamação do Reino de Deus. Pensemos em Bartimeu, o cego de Jericó (cf. Mc 10,46-52). Essa história é emblemática, convido-os a relê-la com frequência porque é muito rica. Estudando e meditando sobre esse texto, vemos que Jesus encontra naquele homem a fé que estava buscando: somente Jesus o reconhece em meio à multidão e ao barulho, ouve seu grito cheio de fé. E aquele homem, que por causa de sua fé no Senhor recupera a visão, parte, segue Jesus e se torna sua testemunha, tanto que sua história entrou para os Evangelhos. O vulnerável Bartimeu, salvo pelo vulnerável Jesus, compartilha da alegria de testemunhar sua ressurreição. Mencionei essa história, mas haveria muitas outras, com diferentes tipos de vulnerabilidade, não apenas física.
Francisco citou ainda Madalena: ela, que era atormentada por sete demônios, tornou-se a primeira testemunha de Jesus ressuscitado.
Fonte: Vatican News