Cultura

Artigo de Dom Pedro José Conti: Quaresma e Campanha da Fraternidade – Parte 2





Reflexão para o 2º Domingo da Quaresma| 25 de Fevereiro de 2024 – Ano “B” 

A página evangélica da Transfiguração do Senhor (Mc 9,2-8), que encontramos no Segundo Domingo da Quaresma, está bem no centro do escrito de Marcos. Além do acontecimento extraordinário deixamo-nos conduzir pela catequese desse evangelista. Precisamos entender quem é este Jesus para vencer a tentação de fugir na hora da sua Paixão. Só uma fé sólida e luminosa poderá superar o medo do sofrimento e da morte.

O evangelho de Marcos se abre com as palavras: “Início do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus” (Mc 1,1). No momento do batismo no rio Jordão é a voz do Pai que declara: “Tu és o meu Filho amado; em ti eu me agrado”. Na Transfiguração a voz do Pai confirma: “Este é o meu Filho amado. Escutai-o!” Pedro também confessará: “Tu és o Cristo”. Na hora da paixão, aparece o letreiro que Pilatos mandou colocar sobre a cruz: “O Rei dos Judeus”. Rei e Ungido, Cristo, são títulos equivalentes. Por fim, encontramos as palavras do centurião romano: “Verdadeiramente este homem era Filho de Deus”. 

Dois pagãos confirmam a identidade de Jesus. No entanto, Jesus quando fala de si mesmo se apresenta como “o Filho do Homem”, com referência à antiga profecia de Daniel. Voltando à página da Transfiguração, Jesus, luminoso, está entre Moisés e Elias e conversa com eles. Ele, então, é o novo Moisés e o novo Elias, mas também é o Homem Novo, o “novo Adão”. Por que isso é tão importante? O “velho” Adão não resistiu à tentação do orgulho de querer ser como Deus. Por que devia obedecer? Ainda pensamos: quem é Deus para mandar em nós? Uma compreensão autoritária e não amorosa de Deus nos conduz à desobediência. O próprio Deus de amigo e aliado se torna inimigo, alguém que atrapalha os nossos planos de poder e dominação. 

Jesus é o “novo Adão” que resgata a humanidade com a sua obediência confiante no Pai. Ele venceu a tentação de desistir. Não desceu da cruz quando lhe gritavam para “salvar a si mesmo” . Só assim teriam acreditado. O Filho de Deus, porém, não se tornou humano para salvar a si mesmo, mas para abrir a toda a humanidade um novo caminho para encontrar e reconhecer o Deus verdadeiro: generoso e não interesseiro, respeitoso da liberdade humana e não um fiscal ameaçador. Um Deus “amor” que somente doa e se doa a quem o acolhe e confia nele como Pai amoroso. Sempre, também, quando parece não atender aos nossos pedidos. Isso é ter fé no Deus Pai de Jesus Cristo. 

Não acreditamos num Deus de parte, que dá privilégios somente a alguns e esquece os demais. Num Deus que deve resolver as questões a nossa vantagem. Esse seria um deus pagão, fabricado à imagem e semelhança nossa, pronto a fazer a “nossa” vontade. Acreditamos num Deus que, no Filho Jesus, acolhe a todos como filhos e filhas amados e nos conduz com paciência e misericórdia no caminho da fraternidade.

Aqui está o fundamento de toda a amizade social, assunto da Campanha da Fraternidade deste ano. Não podemos apelar a Deus para exigir mais respeito, direitos e bem-estar na vida somente para nós. Menos ainda usar o nome de Deus para praticar injustiças ou agredir aqueles que pensam diferente e têm projetos divergentes dos nossos. É justamente o contrário. 

Ao reconhecer o Deus de Jesus Cristo como Pai de todos reconhecemos os laço que fazem de nós uma única humanidade. Não será uma ideologia, um sistema ou algum iluminado a construir a amizade social, porque ainda seria obra humana limitada e passageira. Precisamos reconhecer Jesus como único Mestre, Deus Pai como único pai de todos e o Espírito Santo como guia a nos conduzir. 

O “inimigo” é o mal que se aninha em nosso coração e nos impede de enxergar nos outros irmãos e irmãs, com os quais deveríamos construir um mundo de diálogo, de colaboração e paz. Deus nos cria, todos, à imagem e à semelhança dele, mas com muitos dons diferentes, não para disputarmos entre nós, mas para nos enriquecer uns aos outros com as diversidades. 

A busca da “amizade social” não é “ilusão” do Papa Francisco, é a proposta possível que surge da nossa própria fé para construir uma nova humanidade, mais unida, fraterna e solidária.

Por Dom Pedro José Conti

 

Fonte: Diocese de Macapá