Com sua experiência de vida, Santo Inácio de Loyola percebeu com grande clareza que cada cristão está envolvido em uma luta que define sua vida. É uma luta para vencer a tentação de nos fecharmos em nós mesmos para que o amor do Pai possa se estabelecer em nós. Quando abrimos espaço para o Senhor, que nos resgata de nossa autossuficiência, somos capazes de nos abrir para toda a criação e toda criatura. Tornamo-nos canais para a vida e para o amor do Pai. E só então somos capazes de perceber o que a vida realmente é: um presente do Pai que nos ama profundamente e quer que pertençamos a Ele e uns aos outros.
Essa luta já foi vencida por nós em Jesus, através de sua morte vergonhosa na Cruz e de sua Ressurreição. Dessa forma, o Pai nos revelou, de uma vez por todas, que seu amor é mais forte do que qualquer poder deste mundo. No entanto, abraçar essa vitória e torná-la real continua sendo um desafio: continuamos a ser tentados a nos fechar para essa graça, a viver mundanamente na ilusão de sermos soberanos e autossuficientes. Todas essas crises mortais que nos assolam em todo o mundo, desde a crise ecológica até as guerras e as injustiças contra os pobres e frágeis, têm suas raízes nessa recusa de pertencer a Deus e uns aos outros.
A Igreja nos ajuda de muitas maneiras a combater essa tentação. Suas tradições e ensinamentos, as práticas de oração e confissão e a celebração regular da Eucaristia são "canais de graça" que nos abrem para receber os dons que o Pai deseja derramar sobre nós.
Entre essas tradições estão os retiros espirituais, e entre eles estão os Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola.
Os retiros - para recarregar nossas baterias - tornaram-se bastante populares em meio às tensões e pressões de uma sociedade obsessivamente competitiva. Mas um retiro cristão é muito diferente de férias para o "bem-estar". O foco não está em nós, mas em Deus, o Bom Pastor que, em vez de nos tratar como se fôssemos máquinas, responde às necessidades mais profundas de seus filhos amados.
O retiro é um momento em que o Criador fala diretamente às suas criaturas, inflamando nossas almas com "seu amor e louvor" para que possamos "servir melhor a Deus no futuro", conforme as palavras de Santo Inácio (ES 15). Amor e serviço: essas são as duas pedras angulares dos Exercícios Espirituais. Jesus vem ao nosso encontro, quebra nossas correntes para que possamos caminhar com ele como discípulos e companheiros.
Quando penso nos frutos dos Exercícios Espirituais, vejo diante de mim Jesus dizendo ao paralítico na piscina de Betesda:" Levanta-te, pega a tua maca e anda!" (Jo 5, 1-16). É uma ordem a ser obedecida, mas ao mesmo tempo é o seu convite mais gentil e amoroso.
Aquele homem estava interiormente paralisado. Sentia-se um fracasso em um mundo de rivais e concorrentes. Estava ressentido e amargurado com o que achava que lhe havia sido negado, preso na lógica da autossuficiência, convencido de que tudo dependia apenas dele e de sua força. E quando viu que os outros eram mais fortes e mais rápidos do que ele, entrou em desespero. E foi nesse exato momento que Jesus veio até ele com sua misericórdia e o incentivou a sair de si mesmo. Uma vez que ele se abriu para o poder salvador de Jesus, sua paralisia - a interna e a externa - foi curada. Ele se levanta e caminha, louvando a Deus e trabalhando para o seu Reino, liberto do mito da autossuficiência e aprendendo a cada dia a depender mais da sua graça. E é dessa forma que ele se torna um discípulo, capaz de enfrentar melhor não apenas os desafios deste mundo, mas também de desafiar o mundo a agir de acordo com a lógica da doação e do amor.
Como Papa, quis reforçar nossa pertença "primeiro" a Deus e depois à criação e aos nossos semelhantes, especialmente àqueles que clamam por nós. É por isso que quis abordar as duas grandes crises de nosso tempo: o declínio de nossa casa comum e as migrações, os deslocamentos em massa das pessoas. Ambas são sintomas da "crise de não pertencimento" descrita nessas páginas. Pelo mesmo motivo, quis encorajar a Igreja a redescobrir o dom de sua tradição de sinodalidade, porque quando se abre para o Espírito que fala no Povo de Deus, toda a Igreja se levanta e anda, louvando a Deus e contribuindo para a vinda de seu Reino.
Estou feliz em ver como esses temas estão presentes neste livro "First Belong to God"(Primeiro, pertencer a Deus), ligados às contemplações de Santo Inácio que me formaram ao longo dos anos. Austen Ivereigh fez um belo trabalho reunindo as meditações nos retiros que preguei muitas décadas atrás com meus ensinamentos como Pontífice. Dessa forma, permite que ambos iluminem e sejam iluminados pelos Exercícios Espirituais de Santo Inácio.
Este não é o momento de se recolher e fechar a porta. Vejo claramente que o Senhor está nos chamando para sair de nós mesmos, para nos levantarmos e caminharmos. Ele nos pede para não desviar o olhar das dores e lágrimas do nosso tempo, mas para entrar nelas, para abrir os canais de sua graça. Cada um de nós, em virtude do nosso batismo, é um desses canais. O ponto é abri-los e mantê-los abertos.
Desejo que esses oito dias em que vocês poderão desfrutar de Seu amor os ajudem a sentir o chamado de Deus para serem fonte de vida, esperança e graça para os outros, e assim descobrir a verdadeira alegria de suas vidas. Desejo que encontrem aquele "magis" do qual Santo Inácio fala, aquele "algo mais" que nos chama a descobrir as profundezas do amor de Deus através da máxima doação de nós mesmos.
Por favor, sempre que se lembrarem, não deixem de rezar por mim, para que eu possa sempre ajudá-los a pertencer, antes de tudo, a Deus.
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Condição essencial para o desenvolvimento, ademais, é o “acesso a um trabalho digno e com remuneração justa para todos”, um trabalho que “deve ser realizado em condições dignas e seguras” e deve permitir “aos trabalhadores manter e usufruir da vida familiar e do tempo livre”. O arcebispo Caccia observa que, em contraste, muitos jovens enfrentam hoje o desemprego ou o subemprego, enquanto os idosos são forçados a adiar a aposentadoria devido à insegurança econômica.
Central para o desenvolvimento é também a família, afirma o representante pontifício, sublinhando que é “a primeira sociedade que cada um de nós conhece” e a Declaração Universal dos Direitos Humanos define-a como “o grupo natural e fundamental da sociedade” e reconhece o seu “direito à proteção da sociedade e do Estado”.
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Fonte: Vatican News