O Papa Francisco presidiu na tarde desta quinta-feira (25), na de Basílica São Paulo fora-dos-muros, a celebração das Segundas Vésperas, que conclui a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos (18 a 25 de janeiro). Neste ano de 2024, a Semana de oração dedicada à unidade dos cristãos teve por tema “Amarás o Senhor teu Deus... e ao teu próximo como a ti mesmo” (Lc 10, 27). O subsídio foi preparado por um grupo ecumênico local no Burkina Faso, coordenado pela comunidade local de Chemin Neuf (Comunidade Chemin Neuf, ndr). No Brasil a Semana de Oração vai da Ascensão a Pentecostes.
Na sua homilia o Papa Francisco iniciou recordando que no Evangelho lido na celebração, o doutor da Lei, que embora se dirija a Jesus tratando-O por “Mestre”, não quer deixar-se instruir por Ele, mas pô-Lo à prova "para O experimentar. Entretanto – disse o Santo Padre -, um equívoco ainda maior emerge da sua pergunta: “Que hei de fazer para possuir a vida eterna?”.
"Fazer para possuir, fazer para ter: estamos perante uma religiosidade deturpada", - continuou o Papa - "assente na posse e não no dom, onde Deus é o meio para obter aquilo que quero, e não o fim que devo amar com todo o coração".
Mas Jesus é paciente – disse o Pontífice - e convida aquele homem a encontrar a resposta na Lei em que é perito; nela se prescreve: “Amarás ao Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todas as tuas forças e com todo o teu entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo”.
Então o doutor da Lei, “querendo justificar a pergunta”, coloca uma segunda questão: “E quem é o meu próximo?”. Se, na primeira pergunta, - disse o Papa - se arriscava a reduzir Deus ao próprio “eu”, nesta procura-se dividir: dividir as pessoas entre aquelas que se deve amar e aquelas que se pode ignorar. E dividir – afirmou Francisco - nunca vem de Deus, mas do diabo. Jesus, porém, não replica com uma teoria, mas com a parábola do bom samaritano, com uma história concreta, que nos interpela também a nós.
Com efeito, quem se comporta mal, com indiferença, é o sacerdote e o levita que antepõem, às carências de quem sofre, a salvaguarda das suas tradições religiosas. Ao contrário é um herege, um Samaritano, que dá sentido à palavra “próximo”, porque se faz próximo: sente compaixão, aproxima-se e inclina-se com ternura sobre as feridas daquele irmão; cuida dele, independentemente do seu passado e das suas culpas, e serve-o com o melhor de si mesmo.
Isto permite a Jesus concluir que a pergunta correta não é “Quem é o meu próximo?”, mas “Eu… faço-me próximo?” Só este amor que se torna serviço gratuito, só este amor que Jesus proclamou e viveu, aproximará uns dos outros os cristãos separados. Sim, só este amor, que não esquadrinha o passado para justificar distâncias ou acusas, só este amor que, em nome de Deus, antepõe o irmão à férrea defesa do próprio sistema religioso, nos unirá.
Francisco continuou dizendo que “entre nós não deveríamos jamais perguntar-nos “quem é o meu próximo?”. Porque todo o batizado pertence ao mesmo Corpo de Cristo; mais ainda, porque cada pessoa no mundo é meu irmão ou minha irmã e, todos, compomos a «sinfonia da humanidade», da qual Cristo é primogénito e redentor.
Assim não devo perguntar “quem é o meu próximo?”, mas “eu…faço-me próximo?”Eu e, depois, a minha comunidade, a minha Igreja, a minha espiritualidade… fazemo-nos próximo? Ou ficamos entrincheirados na defesa dos próprios interesses, ciosos da própria autonomia, fechados no cálculo das próprias vantagens, estabelecendo relações com os outros apenas para daí ganhar qualquer coisa? Se assim fosse, não se trataria apenas de erros estratégicos, mas de infidelidade ao Evangelho.
“Que hei de fazer para possuir a vida eterna?”: começara assim o diálogo entre o doutor da Lei e Jesus, continuou o Papa. Mas tal pergunta também acaba alterada graças ao Apóstolo Paulo, de quem hoje celebramos a conversão, nesta Basílica a ele dedicada. Pois bem, justamente quando Saulo de Tarso, perseguidor dos cristãos, encontra Jesus naquela visão de luz que o envolve e muda a sua vida, pergunta-Lhe: “Que hei de fazer, Senhor?”. Não pergunta “que hei de fazer para possuir…”, mas “que hei de fazer, Senhor?”. O Senhor é o fim do pedido, a verdadeira herança, o bem supremo.
Paulo não muda de vida na base dos seus objetivos, não se torna melhor porque realiza os seus projetos. A sua conversão nasce duma reviravolta existencial, onde a primazia já não pertence à sua valentia em praticar a Lei, mas à docilidade para com Deus, numa abertura total ao que Ele quer.
Se Jesus é o tesouro, o nosso programa eclesial não pode consistir senão em fazer a sua vontade, em ir ao encontro dos seus desejos. E Ele, na noite antes de dar a vida por nós, elevou uma ardente súplica ao Pai por todos nós, “para que todos sejam um só”. Esta é a sua vontade.
Bem o compreendera um outro Paulo, grande pioneiro do movimento ecuménico, o Abade Paulo Couturier, que na oração costumava implorar a unidade dos crentes “como Cristo a quer”, “com os meios que Ele quer”. Precisamos desta conversão de perspetiva e sobretudo de coração, pois, como afirmou o Concílio Vaticano II há sessenta anos, “não há verdadeiro ecumenismo sem conversão interior”.
Enquanto rezamos juntos, reconheçamos – cada qual partindo de si mesmo – que precisamos de nos converter, de permitir que o Senhor mude os nossos corações.
Esta é a estrada: caminhar juntos e servir juntos, colocando a oração em primeiro lugar.
Por isso encontramo-nos aqui, nesta tarde, vindos de diferentes países, culturas e tradições. E o Papa agradeceu a Sua Graça Justin Welby, arcebispo de Cantuária, ao Metropolita Policarpo, representante do Patriarcado Ecuménico, e a todos os presentes, representantes de muitas comunidades cristãs.
Francisco fez então uma saudação especial aos membros da Comissão Mista Internacional para o diálogo teológico entre a Igreja Católica e as Igrejas Ortodoxas Orientais, que celebram o XX aniversário do seu caminho, e aos Bispos católicos e anglicanos que participam no encontro da Comissão Internacional para a Unidade e a Missão.
“É belo – disse o Santo Padre - poder hoje, com o meu irmão arcebispo Justin, conferir a estes pares de Bispos o mandato de continuar a testemunhar a unidade querida por Deus para a sua Igreja nas respetivas regiões, avançando juntos para “difundir a misericórdia e a paz de Deus num mundo delas carecido”.
Francisco conclui então: “juntos, como irmãos e irmãs em Cristo, rezemos com Paulo dizendo: ‘Que hei de fazer, Senhor?’ E, no próprio ato de colocar a pergunta, já existe uma resposta, porque a primeira resposta é a oração. Rezar pela unidade é o primeiro dever do nosso caminho. E é um dever santo, porque é estar em comunhão com o Senhor, que antes de mais nada rezou ao Pai pela unidade”.
E continuemos a rezar ainda pelo fim das guerras, especialmente na Ucrânia e na Terra Santa. Penso sentidamente no amado povo do Burkina Faso, em particular nas comunidades que lá prepararam o material para esta Semana de Oração pela Unidade: oxalá o amor ao próximo tome o lugar da violência que aflige o seu país.
Rezemos, pois, e sigamos em frente, porque é isto que Deus deseja de nós.
- O Papa: não ao rigorismo nos casos de nulidade, favorecer a verdade e o bem das pessoas
O Papa Francisco recebeu em audiência, nesta quinta-feira (25/01), na Sala Clementina, no Vaticano, os Prelados Auditores do Tribunal da Rota Romana por ocasião da inauguração do Ano Judiciário.
Francisco refletiu com eles sobre um aspecto importante desse serviço: o discernimento. "Pretendo me concentrar naquele discernimento específico que cabe a vocês realizar nos processos matrimoniais, no que diz respeito à existência ou não de motivos para declarar a nulidade de um matrimônio", disse o Papa.
"É um tema sempre atual, que também tocou o âmbito da reforma implementada dos processos de nulidade matrimonial, bem como a pastoral familiar, inspirada pela misericórdia para com os fiéis que se encontram em situações problemáticas", sublinhou o Pontífice.
O Tribunal da Rota Romana lida com os delicados e às vezes dolorosos julgamentos de casos de nulidade matrimonial, dos quais Francisco pede que favoreçam "não a nulidade dos matrimônios, mas a celeridade dos processos, com uma justa simplicidade, de modo que por causa da demora na definição do julgamento, o coração dos fiéis que esperam o esclarecimento de seu estado não seja oprimido por muito tempo pela escuridão da dúvida".
Essa misericórdia, tão enfatizada na Exortação Amoris laetitia, "não diminui o nosso compromisso na busca da justiça no que diz respeito às causas de nulidade. Pelo contrário, à luz da misericórdia, da misericórdia para com as pessoas e suas consciências, é importante o discernimento judicial em relação à nulidade", enfatizou o Papa.
"Como vocês bem sabem, por sua própria experiência, a tarefa de julgar muitas vezes não é fácil", disse ainda o Papa. O discernimento para alcançar a certeza moral sobre a nulidade é "uma grande responsabilidade que a Igreja lhes confia, porque influencia fortemente a vida das pessoas e das famílias", disse Francisco aos Prelados Auditores do Tribunal da Rota Romana.
Devemos enfrentar esta tarefa com coragem e lucidez, mas, antes de tudo, é fundamental contar com a luz e a força do Espírito Santo. Queridos juízes, sem a oração vocês não podem ser juízes. Se alguém de vocês não reza, por favor, peça demissão. É melhor assim.
É, portanto, um discernimento que se faz "de joelhos implorando o dom do Espírito Santo". Segundo Francisco, "essa é a única maneira de chegar a decisões que vão na direção do bem das pessoas e de toda a comunidade eclesial". E insistiu, dizendo: "Um juiz que não sabe se ajoelhar é melhor que peça demissão".
Ao mesmo tempo, a objetividade do discernimento judicial exige “estar livres de qualquer preconceito, tanto a favor quanto contra a declaração de nulidade”. Isto, explicou o Papa Francisco, implica libertar-se tanto do “rigorismo de quem pretende uma certeza absoluta” quanto de “uma atitude inspirada na falsa convicção de que a resposta melhor seja sempre a nulidade”, aquilo que São João Paulo II chamou de “risco de uma compaixão mal compreendida, apenas aparentemente pastoral”.
“O discernimento do juiz requer duas grandes virtudes: a prudência e a justiça, que devem ser informadas pela caridade.”
"Uma prudência que diz respeito a um ato declarativo sobre a existência ou não do bem do matrimônio; portanto, uma prudência jurídica que, para ser verdadeiramente pastoral, deve ser justa. O discernimento justo implica um ato de caridade pastoral, mesmo quando a sentença for negativa. E também um risco", disse ele.
O discernimento sobre a validade do vínculo é uma operação complexa, a respeito da qual não devemos esquecer que a interpretação da lei eclesiástica deve ser feita à luz da verdade sobre o matrimônio indissolúvel, que a Igreja preserva e difunde em sua pregação e missão.
A seguir, o Papa pediu aos juízes para "sentir com a Igreja". Depois, perguntou: "Vocês rezam para sentirem-se com a Igreja? Vocês são humildes na oração, pedindo luz ao Senhor, para sentir-se com a Igreja? Volto a isto: a oração do juiz é essencial para a sua tarefa. Se um juiz não reza ou não pode rezar, é melhor que faça outro trabalho."
Por fim, um lembrete sobre a sinodalidade: "Quando o tribunal é colegial, como costuma acontecer, ou quando há apenas um juiz, mas ele consulta os que têm autoridade, o discernimento é realizado em uma atmosfera de diálogo ou discussão, na qual a franqueza e a escuta mútua são fundamentais, para uma busca comum da verdade. É também um estudo prévio, sério", disse o Papa Francisco.
Nesse serviço, é essencial invocar o Espírito Santo e comprometer-se "a empregar todos os meios humanos para averiguar a verdade". É importante, portanto, que "a investigação preliminar seja realizada com cuidado", recomendou o Papa, "para não incorrer em um julgamento apressado e apriorístico", assim como é necessário que "o juiz cultive sua própria formação permanente através do estudo da jurisprudência e da doutrina jurídica".
Fonte: Vatican News