Povos morrendo de fome, trabalhadores mal pagos ou mal remunerados, crianças analfabetas, homens e mulheres sem assistência médica ou sem um teto sobre suas cabeças. Como tudo isso ainda é possível em 2024? Não é retórica, mas sim uma pergunta crucial que o Papa faz aos cerca de três mil chefes de Estado, representantes de governos, presidentes de conselhos de administração e enviados de organizações internacionais de 120 países, reunidos em Davos, na Suíça, para a 54ª edição do Fórum Econômico Mundial. O Pontífice recorda-lhes a “responsabilidade moral” decorrente de seu papel desempenhado na “luta contra a pobreza”, na consecução do “desenvolvimento integral de todos os nossos irmãos e irmãs”, na “busca da coexistência pacífica entre os povos”.
Como é possível que no mundo de hoje as pessoas ainda passem fome, são exploradas, condenadas ao analfabetismo, não têm atendimento médico básico e nem moradia?
O Papa envia uma mensagem ao fundador e presidente executivo do Fórum, Klaus Schwab. O texto foi lido pelo cardeal ganês Peter Appiah Turkson, presidente das Pontifícias Academias das Ciências e das Ciências Sociais, durante os trabalhos - que começaram na terça-feira, 16 de janeiro - que estão se desenvolvendo num "clima muito preocupante de instabilidade internacional".
Diante de nossos olhos está, de fato, "um mundo cada vez mais dilacerado, no qual milhões de pessoas - homens, mulheres, pais, mães e crianças - cujos rostos são, em sua maioria, desconhecidos, continuam sofrendo, sobretudo pelos efeitos de conflitos prolongados e de guerras". Esses sofrimentos", ressalta o Papa, repetindo a mesma reflexão compartilhada com o Corpo Diplomático na audiência de 9 de janeiro, são agravados pelo fato de que "as guerras modernas já não ocorrem apenas em campos de batalha bem definidos, nem envolvem apenas soldados".
Num contexto em que a distinção entre alvos militares e civis parece não ser mais respeitada, não há conflito que não acabe, de alguma forma, afetando indiscriminadamente a população civil.
A esperança do Papa é que as discussões durante o evento em Davos levem em conta a "necessidade urgente de promover a coesão social, a fraternidade e a reconciliação entre grupos, comunidades e Estados, a fim de enfrentar os desafios que temos pela frente".
O primeiro desses desafios é a paz. Aquela pela qual os povos anseiam que "só pode ser fruto da justiça", afirma o Pontífice. Consequentemente, para alcançá-la, não é necessário apenas "deixar de lado os instrumentos de guerra", mas também "enfrentar as injustiças" que estão na raiz dos conflitos como a fome, "que continua afligindo regiões inteiras do mundo, enquanto outras são marcadas por um desperdício excessivo de alimentos".
A exploração dos recursos naturais continua enriquecendo poucos, deixando populações inteiras, que são os beneficiários naturais desses recursos, num estado de miséria e pobreza.
Como ignorar "a exploração generalizada de homens, mulheres e crianças obrigados a trabalhar por salários baixos e privados de perspectivas reais de desenvolvimento pessoal e crescimento profissional"?
Esses fenômenos não dizem respeito apenas a alguns países, mas ao mundo inteiro, porque, enfatiza o Papa Francisco, o processo de globalização já demonstrou claramente "a interdependência das nações e dos povos do mundo". Isso tem "uma dimensão fundamentalmente moral, que deve se fazer ouvir nas discussões econômicas, culturais, políticas e religiosas que visam moldar o futuro da Comunidade internacional".
Num mundo cada vez mais ameaçado pela violência, pela agressão e pela fragmentação, é essencial que os Estados e as empresas se unam para promover modelos de globalização voltados para o futuro e eticamente sólidos, que, por sua natureza, devem subordinar a busca de poder e do ganho individual, seja ele político ou econômico, ao bem comum de nossa família humana, priorizando os pobres, os necessitados e aqueles em situações mais vulneráveis.
O Papa dirige seu olhar para o mundo das empresas e finanças, que hoje atuam em contextos econômicos cada vez mais amplos, onde "os Estados nacionais têm uma capacidade limitada de governar as rápidas mudanças nas relações econômicas e financeiras internacionais". Justamente por isso, as empresas devem ser "cada vez mais guiadas não só pela busca de um lucro justo, mas também por elevados padrões éticos", especialmente no que diz respeito aos países menos desenvolvidos que "não devem ficar à mercê de sistemas financeiros abusivos ou usurários".
O que é necessário, de acordo com o Papa, é um desenvolvimento "autêntico" e "global", "compartilhado por todas as nações e em todas as partes do mundo", sob pena de "regressão mesmo em áreas até então marcadas por um progresso constante". Ao mesmo tempo, "há uma clara necessidade de uma ação política internacional" que se concretize em "medidas coordenadas" para buscar com eficácia os objetivos da paz e do desenvolvimento.
É importante que as estruturas intergovernamentais sejam capazes de exercer eficazmente suas funções de controle e direção no setor econômico, uma vez que a realização do bem comum é um objetivo que está além do alcance de Estados individuais, mesmo daqueles dominantes em termos de poder, riqueza e força política.
Além disso, escreve o Papa Francisco, as organizações internacionais são chamadas a "garantir a realização da igualdade que é a base do direito de todos de participar do processo de desenvolvimento pleno, respeitando as diferenças legítimas".
Daí o convite a cada nova geração a "retomar as lutas e conquistas das gerações passadas, almejando cada vez mais alto...". Porque "a bondade, o amor, a justiça e a solidariedade não se alcançam de uma vez por todas, mas devem ser realizadas todos os dias".
Fonte: Vatican News