“Quando as espadas estão enferrujadas e as pás, luzidias, as prisões vazias e os celeiros cheios, os degraus do templo gastos pelos passos dos fiéis… quando as cortes estão cobertas de mato, os médicos andam a pé, os padeiros andam a cavalo, e quando há muitas crianças, o Reino é bem governado.” (Sabedoria oriental)
Neste domingo, celebramos a Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo, e com essa festa encerramos o Ano Litúrgico. Peço desculpa se iniciei esta reflexão com palavras tomadas da sabedoria oriental e não com o trecho do evangelho de Mateus que encontramos na Liturgia. Pensei que poderia ajudar para ter uma visão “grande”, como merece, do “Reino” do qual proclamamos Jesus Cristo “Rei”.
Depois da parábola dos talentos, que encontramos domingo passado, logo seguem aquelas palavras de Jesus aos seus discípulos que costumamos chamar de “Juízo Universal”. A introdução é solene: “Quando o Filho do Homem vier em sua glória…” (Mt 25,31) e continua dizendo que “todos os povos da terra serão reunidos diante dele…”. Na linguagem própria dessas páginas, parece que chegamos ao final da aventura humana, mas, na realidade, a mensagem é de uma atualidade gritante para todos os homens e as mulheres de todos os tempos. Sobretudo para nós hoje, vivos e protagonistas deste momento histórico.
Jesus, mais do que julgar, premiar ou condenar, oferece-nos critérios para nós mesmos aprendermos a avaliar as decisões que norteiam a nossa vida e o faz de uma forma singular e inaudita: identificando-se com os que estavam com fome, com sede, eram estrangeiros, estavam despidos, doentes e presos. Todos os convocados, de um lado e do outro, ficarão surpresos e todos perguntarão: “Quando foi Senhor?”. É o “segredo” de Deus, se ainda não o entendemos, que acaba de ser revelado, o caminho seguro para encontrá-lo e deixá-lo entrar em nossa vida.
É um alerta para o nosso bem, para aprender a reconhecer a presença real, visível e ainda desfigurada, daquele que o Pai enviou, o Filho amado, nos pequenos, nos “menores”, nos doentes, em todos os sofredores e marginalizados. Seremos julgados sobre a solidariedade e a misericórdia que teremos oferecido, ou não, a quem precisava de ajuda, talvez sem alarde porque caído sem forças às margens das estradas da vida.
Nessa página do evangelho, não se fala de um ou outro grupo religioso, de uma ou de outra crença. O que terá mesmo valor será o amor fraterno, a generosidade, a capacidade de se colocar ao lado dos desfavorecidos de todas as sociedades, reinos, impérios e organizações sociais e políticas deste mundo.
É evidente que, com essa mensagem, Jesus nos propõe uma humanidade bem diferente daquela que ainda estamos experimentando e construindo, cheia de violências, injustiças e exclusões. Podemos dizer que muito caminho já foi andado, mas continuamos mais criativos em busca de recursos para enriquecer e defender privilégios do que para partilhar as riquezas que Deus deixou para todos nesta Casa Comum.
Não deveríamos, nós cristãos, sermos os melhores para o serviço aos pobres e para sarar as feridas da fome e da guerra? Fazemos muitas coisas, é verdade. Quantas “obras” sustentamos, quantas “campanhas” promovemos… Quantas vidas salvamos. No entanto, a cada dia, tomamos consciência das nossas fraquezas e das limitações dos nossos esforços. Vamos desistir de fazer o bem? De jeito nenhum, vamos intensificar e melhorar sempre as nossas obras de misericórdia, porque o “Reino” não é nosso, é de Deus! Só ele sabe onde o Reino está crescendo, onde enfrenta as “dores do parto” (Rm 8,18-25), quando e como o “grão de mostarda” se tornará uma árvore (Mt 13,31-32). Por isso, não cabe a nós conhecer ou definir os limites do Reino.
Com certeza muitas pessoas de boa vontade estão trabalhando incansavelmente e talvez até sem saber para que o sonho-projeto de Deus-Amor aconteça. Deus nunca desistiu dos seus projetos e das suas promessas; se nós não colaboramos, outros nos substituirão. Saberemos a verdade no dia do julgamento. Por enquanto, vamos deixar enferrujar as armas e encher os celeiros de alimentos. Teimosos e sem cansar.
Por Dom Pedro José Conti
Fonte: Diocese de Macapá