O santo rei Enrique II da Baviera, junto com a esposa Cunegonda, toda manhã ia à igreja para participar da missa e receber a comunhão. Alguns dos mais importantes membros da Corte disseram para ele:
– Majestade, não é necessário ir à igreja todo dia; precisa mais cuidar dos negócios do Estado que são numerosos e difíceis de serem resolvidos… Ele respondeu:
– Justamente por isso eu vou à missa: para consultar o Senhor e lhe pedir ajuda. Pensam mesmo que eu poderia dar conta de tudo sozinho?
No evangelho de Mateus deste 29º Domingo do Tempo Comum é a vez dos fariseus arquitetarem “um plano para apanhar Jesus em alguma palavra” (Mt 22,15). Está clara, portanto, a maldade deles, também se a conversa inicia com um elogio bem enfeitado. O Mestre é reconhecido como alguém que ensina o caminho de Deus e não se deixa influenciar por ninguém, porque não julga as pessoas pelas aparências. A teia da armadilha está lançada, falta a pergunta traiçoeira: “É lícito ou não pagar o imposto a César?” (Mt 22,17).
Os fariseus eram rigorosos no cumprimento dos preceitos da Lei de Moisés e, por isso, falam de “licitude”. No entanto, neste caso, a obediência seria devida nada menos que ao imperador romano, um pagão, estrangeiro e opressor, que extorquia as populações submissas. Se Jesus tivesse respondido que sim, que era lícito, seria acusado de colaboracionista e traidor do povo. Se tivesse respondido que não, teria sido denunciado como um agitador subversivo. De fato, essa foi uma das falsas acusações contra ele quando foi apresentado a Pilatos (Lc 23,2). A resposta de Jesus, não somente é surpreendente como também abre o caminho para uma das afirmações dele mais lembradas: “Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” (Mt 22.21).
Ao pedir que lhe apresentem a moeda do tributo que levava a figura e a inscrição do imperador, Jesus deixa entender que aquele dinheiro e tudo o que ele representa são bens de responsabilidade do próprio César, ou seja, de quem os fez e com eles administrava os negócios humanos. A respeito de Deus, diz Jesus, estamos num outro plano que não deve ser confundido com os projetos deste mundo. Isto, não porque Deus esteja longe ou desinteressado pelas vicissitudes humanas, mas, simplesmente, porque a nossa história – para quem diz acreditar em Deus – só pode ser entendida e vivida à luz da bondade e da misericórdia do próprio Deus, se quisermos que ela tenha um sentido além do imediato e do vantajoso e não seja uma disputa sem fim pelo poder passageiro.
Para entender melhor, usando das palavras de Jesus: o que podemos “dar” – ou devolver – a Deus que ele já não nos tenha dado? Deveríamos ser muito agradecidos e “zelar”, com responsabilidade e carinho, por tudo aquilo que ele nos entregou de graça. De fato, como vimos na parábola dos vinhateiros, mas sobretudo por aquela história que chamamos “da salvação”, Deus é um cobrador todo especial. Os frutos que ele pede são os mesmos que nós todos deveríamos desejar porque são as características do Reino dos Céus: “reino da verdade e da vida, reino da santidade e da graça, reino da justiça, do amor e da paz” (Prefácio da Festa de Cristo Rei).
Evidentemente, não é a este o reino que os Césares, que se sosseguem nos séculos, ambicionam. Mas nós, que falamos tanto de Deus, a quem estamos servindo afinal? Desde o início, ou seja, dentro de cada um de nós, existe a tentação – consequência da liberdade que também Deus nos deu – de colocar alguém ou algo no lugar de Deus e adorá-lo com todo o coração. Assim nos tornamos escravos “felizes” por estarmos presos numa rede de consumo, de ganância e diversão sem saída! O nosso Deus que é Amor não acorrenta ninguém, ao contrário, liberta, porque com ele, no lugar certo em nossa vida, percebemos quanto e como servimos aos interesses de seres ambiciosos que, cada vez mais, conseguem distorcer o “sonho” do Reino de Deus.
A fé cristã não é um expediente para sobreviver nas travessias da vida, é uma luz que pede escolhas corajosas para seguir, mesmo, o único Senhor ao qual vale a pena servir e amar.
O santo rei Enrique já sabia disso, sem Deus não dava conta nem dele mesmo. Rezava.
Por Dom Pedro José Conti
Fonte: Diocese de Macapá