Cultura

Sínodo: 'não o dinheiro, mas a abundância de carismas que são a riqueza da Igreja'





Durante a Quarta Congregação Geral na Sala Paulo VI, a Professora Anna Rowlands falou sobre o aspecto da comunhão: é a maneira como entendemos o plano final de Deus para a humanidade. Quatro contagiantes testemunhos de vida em vários continentes mostraram o poder da sinodalidade, que deve se tornar "não um momento, mas a prática da Igreja".

A comunhão é a primeira e a última palavra no processo sinodal, a origem e o significado de caminhar juntos. Foi o que disse Anna Rowlands, professora de Doutrina Social da Igreja na Universidade de Durham, na Grã-Bretanha, esta manhã, durante a 4ª Congregação Geral. A professora ofereceu aos participantes do Sínodo sobre Sinodalidade percepções teológicas para abordar a reflexão sobre o tema "Uma comunhão que irradia. Como podemos ser mais plenamente sinal e instrumento da união com Deus e da unidade do gênero humano?", foco do módulo B1 do Instrumentum laboris, o instrumento de trabalho que direciona os principais temas da assembleia.

A riqueza da Igreja é a abundância de carismas

Viver a comunhão requer coragem: "a coragem de encarar a realidade como ela é de fato".  "A riqueza da Igreja não é o dinheiro, mas a abundância de dons, carismas e graças que Deus derrama e distribui na comunidade dos fiéis e que somos chamados a discernir", todos os batizados colocam "suas mãos nesse 'cofre' comum". A comunhão é, portanto, de acordo com Anna Rowlands, "nosso fazer e ser", "a maneira como entendemos o plano final de Deus para toda a humanidade" para renovar a face da terra.

Comunhão, uma beleza não mundana

A beleza da diversidade na unidade descreve a comunhão, de acordo com a palestrante: "em um mundo moderno que tende tanto à homogeneidade quanto à fragmentação, a comunhão é uma linguagem de beleza, uma harmonia de unidade e pluralidade".

A humildade e o serviço caracterizam a comunhão de acordo com Rowland, em uma lógica oposta à do mundo, segundo a qual o poder da competição e da posse prevalece sobre o relacionamento: "Deus nos atrai para uma comunhão de humildade e serviço. A Trindade, de fato, irradia uma comunhão não competitiva e cada pessoa na Igreja é chamada a buscar essa beleza não mundana".

O banquete da comunhão

Os participantes do Sínodo são, portanto, convidados a refletir com os vulneráveis, os que sofrem, os fracos, e o sobre a vulneravilidade na Igreja: em outras palavras, sobre "como nos tornarmos mais próximos dos mais pobres, mais capazes de acompanhar todos os batizados em uma variedade de situações humanas". O drama da condição humana é onde a Igreja nasce e vive, explicou a professora da Universidade de Durham. Como em um banquete, Deus nos convida a 'provar e ver, tomar e comer', Ele apela aos nossos sentidos: é de fato na Eucaristia que as várias dimensões da comunhão se reúnem. "A descrição bíblica do banquete é uma imagem que subverte o que é percebido como a ordem natural das coisas. No banquete, aqueles que não têm poder, os desprezados e os sofredores serão os primeiros' por causa da proximidade de Deus".

Sempre há mais verdades a serem conhecidas

A esse respeito, a professora Rowlands citou dois exemplos concretos de vida: ela contou sobre uma sobrevivente de abuso por um padre que lhe escreveu na véspera do Sínodo para "não ter medo de insistir na necessidade de cura" porque "é a Eucaristia que salva". Em segundo lugar, ela compartilhou sua experiência em um centro de acolhida ligado à Igreja Católica em Londres, onde, ao contrário de outros centros, os refugiados lhe confidenciaram que se sentiam acolhidos porque eram chamados pelo nome. O convite não é para excluir ninguém: "acolher a verdade significa que sempre há mais verdade a ser conhecida", ressaltou.

Os testemunhos

O discurso de Anna Rowlands foi seguido, após uma pausa para silêncio, por quatro testemunhos. Em sinal de esperança foi o discurso de Sônia Gomes de Oliveira, do Conselho Nacional do Laicato do Brasil, que compartilhou com a assembleia sua experiência como assistente social entre os últimos e a alegria de viver o processo sinodal na Igreja de seu país: "muitos leigos descobriram que são corresponsáveis pela missão da Igreja", disse ela. "A sinodalidade", continuou, "a partir de agora não deve ser apenas um momento, mas uma práxis da Igreja, devemos ser a presença de Jesus, abertos a ouvir e acolher" em lugares de dor e sofrimento, mesmo naqueles que não podemos alcançar, entre as pessoas que deixaram a Igreja e têm corações feridos: entre as mulheres vítimas de violência e preconceito, como entre os pobres e indígenas".

Sinal de esperança entre os últimos

Sônia contou então como se aproximou de uma prostituta para envolvê-la no processo sinodal. A mulher, depois de superar a desconfiança inicial, respondeu: "agora eu entendo, a Igreja e o Papa Francisco querem saber como eu estou e o que penso sobre a presença da Igreja. Vou falar, talvez algo mude". O mesmo aconteceu com um prisioneiro que, no final da reunião, pediu um terço de Nossa Senhora, "Mãe que não abandona": "Talvez eu não saia da prisão", disse o homem, "mas vocês aí fora podem ajudar minha família".

A intervenção do delegado fraterno

Imediatamente depois, um dos delegados fraternos, Job Getcha, Metropolita da Pisídia, do Patriarcado Ecumênico, copresidente da Comissão Internacional Conjunta para o Diálogo Teológico entre a Igreja Católica e a Igreja Ortodoxa, tomou a palavra. Ele destacou as diferenças na interpretação ortodoxa do conceito de "sinodalidade". O sínodo para a Igreja Ortodoxa, disse ele, "é uma reunião deliberativa de bispos, não uma assembleia consultiva do clero e dos leigos", na qual a "concordância reflete o mistério trinitário da vida divina". O metropolita citou então algumas circunstâncias históricas nas quais a Igreja Ortodoxa envolveu o clero e os leigos no processo sinodal.

Vozes da Ásia

Sobre oo diálogo inter-religioso, o testemunho do padre malaio Clarence Davedassan, da Ásia, um continente de 4 bilhões de pessoas, das quais apenas 3,31% são católicas. "a ênfase asiática em ser relacional - com Deus, consigo mesmo, com outros seres humanos e com o cosmos - é característica", observou ele, "de uma Igreja sinodal e leva à unidade da família humana e à unidade dos povos da Ásia". "A Igreja", continuou, "não é uma minoria insignificante, mas em muitos lugares está a serviço do desenvolvimento humano integral e do bem comum", buscando difundir a mensagem do Evangelho apesar dos desafios. "O diálogo ad intra e ad extra", explicou, alertando contra o risco de autorreferencialidade, "é uma característica da Igreja na Ásia que está enfrentando os desafios de construir pontes e um clima crescente de intolerância religiosa e social".

Também da Ásia, o discurso de Siu Wai Vanessa Cheng ressoou no salão. Ouvir significa "respeito", enfatizou ela, lembrando a necessidade de dar atenção àqueles que permanecem em silêncio por medo de não serem aceitos ou de serem considerados desrespeitosos com a autoridade. "A sinodalidade traz esperança para as pessoas", prosseguiu, citando o exemplo da Igreja em Hong Kong, ajudada pelo processo sinodal a recomeçar após dois anos de agitação social.

 

- Cardeal Hollerich: todos estão convidados a fazer parte da Igreja

O cardeal, relator geral da assembleia, abre a Quarta Congregação Geral sobre o Módulo B1 do Instrumentum laboris: “Alguém observa que as tensões aumentarão, mas não devemos ter medo enquanto formos irmãos e irmãs que caminham juntos”. O convite a dar “respostas concretas” e mostrar a comunhão de Deus, “mesmo a quem parece ameaçar a nossa identidade com o seu modo de ser”. Hoje e amanhã, os trabalhamos nos Círculos Menores.

Aquele “todos, todos, todos” expresso pelo Papa Francisco, em Lisboa, para indicar a abertura total das portas da Igreja a cada pessoa, o relator geral do Sínodo, cardeal Jean-Claude Hollerich, o reiterou na assembleia sinodal: “Todos.. .Todos...". Mesmo quem “incomoda” porque com o seu jeito de ser parece “ameaçar a nossa identidade”. “Se nos comportarmos como Jesus, daremos testemunho do amor de Deus pelo mundo. Se não conseguirmos, seremos parecidos com um clube com uma identidade."

Segunda fase dos trabalhos

Depois da pausa dominical, o cardeal luxemburguês, relator geral do Sínodo sobre a Sinodalidade, abriu nesta segunda-feira, 9 de outubro, os trabalhos da IV Congregação Geral dedicada ao segundo módulo do Instrumentum laboris, documento que serve de esboço para os trabalhos dos padres e madres sinodais. “Uma comunhão que se irradia. Como ser mais plenamente sinal e instrumento de união com Deus e de unidade do gênero humano?", é o tema do módulo em questão, o B1, sobre o qual se concentram os Círculos Menores - a partir desta tarde - e as reflexões.

Alguns participantes testaram positivo para Covid

Hollerich tem a tarefa de apresentar o módulo. Antes, porém, o secretário-geral do Sínodo, cardeal Mario Grech, anunciou a ausência de 118 participantes, pois resultaram positivos ao Covid-19. “Ouvida a opinião dos médicos, não há alarmes”, tranquilizou Grech, convidando a usar “medidas de segurança” como máscaras e higienização das mãos. Seguiu-se então o discurso do relator, e a seguir uma pausa de silêncio, a leitura do Evangelho de João (4, 7-30), uma meditação do pe. Timothy Radcliffe e “elementos teológicos” da professora Anna Rowlands. Depois, também quatro testemunhos de três membros da Assembleia, que partilham a experiência da sua Igreja local em relação aos temas de B1.

Passar do "eu" ao "nós"

Ilustrando o método de trabalho e as mudanças na composição dos Círculos Menores, o cardeal Hollerich sublinhou que, se com o trabalho do primeiro Módulo a assembleia “recuperou o contato com a experiência de caminhar juntos do Povo de Deus nestes dois anos”, com esta segunda parte se entra no cerne da questão com o exame da primeira das três questões que surgiram da fase consultiva, ou seja, a da escuta do Povo de Deus. Os participantes do Sínodo deverão então confrontar-se nos próximos dias “com questões oportunas e concretas”, também graças ao “clima de colaboração” construído na semana passada em que “começamos a tecer relações e a construir laços, começamos a passar do eu para o nós”, disse ele.

Deus ama cada criatura

Hollerich concentrou-se então no tema da “comunhão”, no centro desta segunda parte do Instrumentum laboris: “O Deus uno e trino criou a humanidade, cada ser humano; e este Deus, que é amor, ama toda a criação, cada criatura e cada ser humano de modo especial. O amor de Deus é tão grande que o seu poder salvífico está na forma como ele se manifesta. Como Igreja, como Povo de Deus, estamos nesta dinâmica de salvação. E nesta dinâmica estão os fundamentos da unidade do gênero humano”, afirmou o cardeal.

A história de uma família africana na Europa

Ele narrou uma experiência pessoal. É a história de uma família que se mudou da África para um país europeu: os membros desta família “lutaram para encontrar uma paróquia onde viver a sua fé. A paróquia católica que frequentavam inicialmente era uma paróquia de praticantes que vão à missa, mas a comunidade não oferecia um sentido mais profundo de comunhão. Eles se sentiam olhados de cima para baixo porque tinham hábitos religiosos diferentes. Eles se sentiram completamente excluídos”, disse Hollerich.

A família foi acolhida numa comunidade metodista onde recebeu “ajuda concreta para dar os primeiros passos no novo país”. “Acima de tudo – sublinhou o cardeal -, foram acolhidos como irmãos e irmãs, não como objetos de caridade, não eram simplesmente um meio para pessoas que queriam fazer o bem. Eles foram recebidos como seres humanos que caminham juntos."

A história é simbólica: “Quando ouvi este testemunho, veio-me à mente o meu país e a minha Igreja. Provavelmente o mesmo teria acontecido aqui, com a diferença de que não temos uma Igreja Metodista para acolhê-los”, confessou o relator geral.

"Todos... todos... todos..."

Em seguida, relançou a mensagem do Papa durante a JMJ, reiterada também durante a Missa de abertura do Sínodo, no dia 4 de outubro: “Todos estão convidados a fazer parte da Igreja”. “Todos… todos… Todos… todos… Jesus estendeu esta comunhão a todos os pecadores. Estamos prontos para fazer o mesmo? Estamos prontos para fazer isso com grupos que podem nos incomodar porque o seu modo de ser parece ameaçar a nossa identidade?”, perguntou o cardeal.

Diálogo ecumênico

Esta comunhão reflete-se também no ecumenismo. Outra pergunta do relator geral do Sínodo: “Como podemos viver profundamente a nossa fé na nossa cultura sem excluir as pessoas de outras culturas? Como podemos nos comprometer com mulheres e homens de outras tradições religiosas em prol da justiça, da paz e da ecologia integral?”.

Não a reflexões como tratados teológicos

A reflexão sobre estas questões é o “que está em jogo” nesta segunda semana de trabalhos sinodais, sublinhou Hollerich. “Devemos pensar, devemos refletir, mas a nossa reflexão não deve assumir a forma de um tratado teológico ou sociológico. Devemos partir das experiências concretas, disse ele, das nossas pessoais e sobretudo da experiência coletiva do Povo de Deus que falou durante a fase de escuta”.

Não temer as tensões

Esta tarde e amanhã de manhã os participantes do Sínodo trabalharão nos Círculos Menores. A composição mudou: não mais dividida por preferências linguísticas, mas também “temáticas”. “De qualquer forma, não estaremos em planetas diferentes… A peculiaridade de cada grupo tornará a conversa no plenário mais ampla”, disse Hollerich. “Alguém me disse que as tensões vão aumentar com o B1. Não tenhamos medo das tensões – é a sua recomendação final -, as tensões fazem parte do processo desde que nos consideremos irmãos e irmãs que caminham juntos”.

Fonte: Vatican News