Cultura

Artigo de Dom Pedro José Conti: Senhor, é bom ficarmos aqui





Reflexão para o domingo da Festa da Transfiguração do Senhor| 5 de agosto de 2023 – Ano “A” 

Uma pesquisa realizada pelo Instituto Ipsos aponta que, aproximadamente, nove de cada dez brasileiros (89%) dizem acreditar em Deus ou em um poder superior. O levantamento foi feito em 26 países, com 19.731 entrevistados, sendo mil no Brasil, entre os dias 20 de janeiro a 3 de fevereiro deste ano. O Brasil aparece no topo do ranking no quesito ao lado da África do Sul (89%) e da Colômbia (86%). Os países em que menos pessoas afirmam acreditar em Deus foram o Japão (19%), a Coreia do Sul (33%) e a Holanda (40%). A média global é de 61%. Os brasileiros também lideram o ranking mundial dos que creem na existência de um paraíso: 79% dos entrevistados no Brasil expressam essa convicção – mesmo índice do Peru. 66% dos brasileiros disseram acreditar que há um inferno, índice que colocou o país em segundo lugar na categoria, atrás da Turquia (76%). A grande maioria dos brasileiros entrevistados (90%) afirma que acreditar em Deus ou em forças superiores possibilita a superação de crises, como doenças, conflitos e desastres. Na pesquisa, 76% dos brasileiros dizem que seguem algum tipo de religião. Dentro desse universo, a maior parte se denominou cristão (70%).

Neste primeiro domingo do mês de agosto, a celebração da Festa da Transfiguração prevalece sobre a liturgia do 18º Domingo do Tempo Comum. O evangelho continua a ser o de Mateus e o trecho (Mt 17,1-9) o mesmo que já foi proclamado no 2º Domingo de Quaresma deste ano. Durante aquele tempo litúrgico, a reflexão nos orienta, sobretudo, a viver bem o caminho rumo à Páscoa de Jesus até chegar aos dias da sua paixão, morte e ressurreição. 

Desta vez podemos fazer outras considerações lembrando que a página da Transfiguração, através de uma narração, convida-nos a acreditar num Deus, que depois de um longo caminho (Moisés e Elias) se fez conhecer no agir e no falar daquele homem chamado Jesus. Nós, cristãos, chamamos isso de “revelação” do próprio Deus. Se antes coloquei os dados da pesquisa, não foi por acaso. É interessante saber que 89% dos brasileiros acreditam em Deus e que 70% se consideram cristãos. 

No entanto, se olharmos objetivamente as nossas comunidades, devemos reconhecer que a porcentagem dos católicos que participam delas é muito, muito menor. Claro, tem muitas outras denominações que se definem “cristãs” e a pesquisa não discrimina. Ficam, porém, duas questões fundamentais: em qual Deus o povo acredita – Como é mesmo? O que pensa? O que quer de nós? – e se é possível ter uma fé suficientemente esclarecida sem participar de alguma agregação, ou seja, sem confrontar o que cada um de nós diz de acreditar com aquilo que outros também acreditam. 

Vivemos um tempo de individualismo exasperado, onde cada um reivindica os seus direitos e uma maneira própria de viver, quando não chega a se considerar dono da verdade e a dar a própria interpretação da história e do sentido da vida, como se fosse o primeiro – e, às vezes, o único – habitante do planeta. Sem perceber, vivemos entretidos no consumo, na diversão e no acúmulo, superficial, de notícias.

Estamos deixando de lado séculos de pensamentos e reflexões, de exemplos luminosos de grandes homens e mulheres que lutaram por liberdade e dignidade, em nome de um Credo ou de grandes ideais. Partilhar a nossa fé com os irmãos e irmãs nos obriga, no melhor sentido da palavra, a sempre buscar entender melhor as motivações que nos conduzem a procurar a Deus e a deixar que a luz dele ilumine o enigma da nossa existência. O sinal positivo que acertamos na busca dessa luz é a alegria de “estar” juntos ao Senhor, de perceber a sua presença amorosa em nossa vida. Lá no monte da Transfiguração, Pedro disse: “Senhor, é bom ficarmos aqui…” (Mt 17, 4).

Esse encontro feliz não acontece porque pesquisamos na internet ou acumulamos emoções pulando de um grupo para o outro. Acontece quando temos a coragem de colocar para nós aquelas sérias perguntas existenciais cujas respostas podem dar o gosto e o rumo ao nosso viver e amar. 

Por isso, devemos aprender a “escutar” o que – para quem confia – Deus revelou de si mesmo junto com a experiência de tantos irmãos e irmãs que já acreditaram e abraçaram esse caminho. Fizeram isso, com humildade e simplicidade, mas também, muitas vezes, deixando tudo o que o mundo exalta, perdendo até a própria vida por causa do Reino que Jesus veio inaugurar. Ter fé mesmo é muito mais que acreditar num Deus “genérico”, sem rosto, sem nome e sem história. É buscá-lo sempre e conhecê-lo aos poucos. É ele que nos procura por primeiro, porque nos ama muito. Ele sempre pergunta de novo: “Onde estás?” (Gn 3,9). Vamos deixar que nos encontre. Seremos mais felizes.

Por Dom Pedro José Conti

 

Fonte: Diocese de Macapá