Quando ainda a língua latina era em uso, uma lenda medieval conta que dois monges de nome Rufo e Rufino, fizeram um juramento entre si: o primeiro que morresse devia voltar para dizer ao outro como era Deus. Combinaram que a explicação consistiria em pronunciar uma só palavra: taliter! (tal e qual) se Deus fosse como eles o tinham pensado. Se, porém, Deus fosse diferente de como eles o tinham imaginado, a palavra devia ser: aliter! (outro, diferente). Uma tarde, quando estava tocando o órgão, o coração de Rufino parou. O amigo Rufo ficou de vigília, rezando e esperando a mensagem do companheiro. Não aconteceu nada e Rufo continuou rezando, jejuando, esperando nas semanas e nos meses seguintes. Finalmente, no aniversário de sua morte, Rufino apareceu, circundado de luz, na cela do amigo. Rufo, vendo que o amigo ficava calado, perguntou: taliter? (é tal e qual?). Rufino abanou a cabeça em sinal negativo. Ansioso, Rufo perguntou: aliter? (é diferente?).
De novo recebeu um sinal negativo. – Então, como é Deus? Rufino respondeu: Totaliter aliter!(totalmente diferente).
Peço desculpa pelo latim, mas achei que aquela antiga lenda pudesse nos ajudar a refletir sobre o evangelho deste domingo. O evangelista Mateus, depois do discurso missionário e antes do discurso em parábolas, que iniciaremos a ler a partir do próximo domingo, coloca dois capítulos com vários questionamentos a Jesus por parte dos enviados de João Batista e dos fariseus. As curas dele também suscitam dúvidas. Mateus quer nos preparar para entender que a novidade do Reino dos Céus, que Jesus ensinava e apresentava com as suas palavras e com os sinais que realizava, não recebeu toda aquela acolhida que se esperava. O jeito de Jesus foi, de fato, muito diferente e não se encaixou em nenhum dos “messianismos” em auge entre os grupos religiosos daquele momento. Quem sobrou para entender Jesus? Ele exulta e louva ao Pai porque são os pequenos e os simples que o acolhem. Tinha algo que impedia aos “sábios e entendidos” de compreender a novidade daquilo que estava acontecendo e, acreditamos, sempre acontecerá.
Quem acha de ter a resposta sobre tudo, de saber tudo aquilo que Deus pensa e quer, quem se considera dono da verdade, quem pensa de poder manipular a história e a vida das pessoas com as próprias ideias, se exclui de antemão de qualquer surpresa, sobretudo se tem medo que a novidade possa prejudicar o seu prestigio, o seu poder, o seu saber. Por isso, os primeiros a acolher a Boa Notícia do amor de Deus foram os pequenos, os sofredores, os excluídos, os errados, os “fadigados e cansados” que finalmente fizeram a experiência de alguém que cuidava deles, os curava e, sem pedir nada em troca, lhe doava a possibilidade de uma vida nova mais humana e mais digna. Os “pequeninos” se sentiram amados. Este é o único caminho para compreender um pouco mais de Deus, assim como Jesus veio nos fazer conhecer. Quem continua pensando que Deus só pode estar do lado dos perfeitos, dos melhores, dos que tem sucesso, dos ganhadores, e considera tudo isso “benção de Deus”, ainda não entendeu a missão reveladora de Jesus.
Ele não foi um “vencedor” deste mundo, foi condenado como malfeitor, rejeitado e descartado. No entanto, o que os “sábios e entendidos” consideram um jugo, um peso, uma desgraça, se transforma em força para pequenos quando aprendem a caminhar juntos na paz e na simplicidade, na fraternidade e na partilha solidaria. Quando o “jugo” das fraquezas humanas, das nossas limitações e egoísmos, é carregado junto com compaixão, misericórdia e bondade, sempre se torna mais leve. Sabemos que o caminho da nova humanidade, do Reino dos Céus, é longo, mas a mansidão e a humildade podem fazer de cada um de nós um construtor deste Reino e não um ganancioso promotor do seu próprio “império” individual e passageiro. Jesus não pode nos deixar quietos. Deve continuar a nos surpreender a todos, grandes e pequenos, abastecidos e pobres, cultos e analfabetos, porque sempre será “totaliter aliter”, muito diferente de como o gostaríamos controlar e medir. O amor dele é grande demais, sempre será como deve ser: o “Outro”.
Por Dom Pedro José Conti
Fonte: Diocese de Macapá